O mecanismo

Breve artigo que responde a uma pergunta: porque é que, mesmo perante provas ou fortes suspeitas, muitas pessoas recusam considerar possível que um governo tenha enganado, explorado ou mesmo sacrificado voluntariamente milhares dos seus concidadãos? Porquê, mesmo perante os documentos que o provam, tantas pessoas recusam aceitar que os médicos e os funcionários da saúde sejam pagos pelas empresas farmacêuticas? Porque é que, mesmo perante as provas mais claras, recusam aceitar que uma explicação oficial é simplesmente um conjunto de mentiras?

Mostras as provas de que a versão oficial é uma mentira e eles dizem “então como se explica?” como se fosse precisa uma explicação alternativa para aceitar que a versão oficial é uma mentira.

Mostras as provas de que um profissional está a mentir, eles respondem: “e quais são os seus títulos?” como se fosse necessário um título académico para ver que um título académico está a mentir.

Mostras que uma estratégia definida como útil é inútil, eles respondem: “Confio neles” como se a questão fosse “em quem confiar” e não simplesmente avaliar de acordo com a lógica da evidência.

Mas porquê? Dado que na maioria das vezes não são sujeitos com funções cerebrais insuficientes, o que limita o acesso à lógica? A explicação não é tão simples como parece. E, inclusive, estamos perante um dos mecanismos que mais dificulta a difusão das teorias alternativas às mainstream (as que a CIA baptizou como “teorias da conspiração”). Não que as teorias alternativas tenham todas o mesmo valor, longe disso; e muitas delas defendem pontos de vista absurdos que nem conseguiriam convencer uma criança. Mas as outras, aquelas baseadas no raciocínio ou até em provas?

Aquelas relatadas no começo do artigo são reacções claramente não-lógicas, baseadas em mecanismos emocionais e não racionais. Em detalhe, os exemplos dados também indicam claramente qual o mecanismo emocional envolvido: de facto, a necessidade de uma explicação é uma necessidade de tranquilidade. É como dizer: “alguém tem de dizer-me como estão as coisas” porque, simplesmente, decidir sozinhos pode ser complicado, exigente ou até doloroso. E quem explica tem de ser “intitulado”, para que o ouvinte não se sinta estúpido por confiar nele.

Tudo pode ser reduzido num “preciso de um pai em quem possa confiar”. E não há nada para rir: podemos ter 90 anos mas certas coisas continuam a fazer parte de nós, mesmo que enterradas, mesmo que escondidas por trás de décadas de crescimento e experiência.

Mas quais as raízes deste mecanismo? De onde vem esta necessidade? A recusa em acreditar que a autoridade possa querer o nosso mal tem raízes profundas.

A criança vê o pai como um deus, aquele que determina as leis do universo. Todo poderoso, infalível, e obviamente bom. Porquê bom? Simplesmente porque a ideia de um deus omnipotente, infalível e mau seria insuportável. Deve ser bom. Mesmo que tenha feito coisas desagradáveis, deve ter sido umas parênteses desagradável, um acaso, algo que não compreendemos mas que ele compreende. Algo feito para o nosso próprio bem, de qualquer forma. Muitas crianças que são abusadas pelos seus pais simplesmente aceitam o abuso como normal: sendo parte do relacionamento com os pais, as alternativas são aceitar os abusos ou rejeitar toda a relação. Mas esta última opção é inconcebível aos olhos duma criança: somos “construídos” para acreditar nos nossos pais, esta é uma parte fundamental na preservação da espécie.

Este paradigma para muitos permanece válido mesmo enquanto adultos: as autoridades, os competentes, os especialistas, não podem ser maus. Nem mesmo quando as provas ou a lógica mostram isto de uma forma muito clara.

E aqui emerge o conceito de “maçã podre”, para salvar alguma racionalização. Se temos de aceitar que alguém, entre as autoridades, fez coisas erradas ou até más, então foi “ele e só ele”. Ou, em alternativas, foi um grupo bem delimitado de indivíduos. Tem de ser “apenas uma parte”, não o todo. Não pode ser o sistema que não funciona, que estruturalmente coloca pessoas corruptas no comando, pessoas que sistematicamente exploram os cidadãos. Portanto haverá “maçãs podres”, mas o sistema é bom (“os políticos são todos ladrões” costuma repetir o povo que continua a votar neles).

As notícias e os jornais não podem enganar, senão teríamos acreditado num mundo inteiramente falso. Os médicos, a OMS, não podem mentir, não podem estar simplesmente errados, porque eles salvam as nossas vidas, afastam o mal, a velhice, a morte. Se deixarmos de confiar neles, em quem podemos confiar mais? Ficaríamos indefesos.

Perante o risco de um colapso total da percepção da realidade, de uma revisão completa das regras do mundo à medida que o vivemos, tudo pode ser retirado da nossa consciência. E o sofrimento é uma das primeiras coisas que o nosso cérebro tenta pôr de lado, sempre. O sofrimento perante a hipótese de ter que renunciar aos nossos alicerces sociais é demasiado elevado, por isso a maioria das pessoas simplesmente recusa considerar a possibilidade de que as autoridades possam estar a mentir, a explorar os cidadãos, a não querer o nosso bem, na realidade a prejudicar-nos. É uma reacção emocional poderosa; a racionalidade pouco pode fazer a esse respeito, na maior parte dos casos sucumbe para que a nossa visão interior do mundo possa sobreviver e com elas as nossas certezas.

Muitas pessoas, quando estão apaixonadas, mesmo ao descobrirem que o parceiro é infiel, recusam-se a aceitá-lo. Questionam as suas próprias percepções, removem qualquer prova, justificam todas as atitudes. Muitas mulheres que são abusadas pelo parceiro, negam ou minimizam os acontecimentos, chegando a assumir a culpa: “sim, é verdade que ele partiu quatro das minhas costelas, mas fui eu que o provoquei”. Para não perder o seu investimento emocional, aceitam qualquer abuso. O sofrimento físico pode ser preferível ao sofrimento emocional: este último pode ser insuportável.

O mecanismo é sempre o mesmo. Para muitos, é impossível aceitar que o seu governo, ou pior ainda, as autoridades de saúde mintam, explorem ou prejudiquem os cidadãos. Tal como as mulheres abusadas, como os amantes enganados, como as crianças maltratadas. Não é que não entendam ou não vejam as evidências da traição que estão a sofrer, só que é muito doloroso aceitar isso. Portanto: negam, rejeitam a priori.

Há duas semanas estava num cemitério (sic!) com dois amigos, uma rapariga e um rapaz. O rapaz começou a falar na “pandemia” da Covid-19, algo em que ele não acredita, e a rapariga nem deu-lhe tempo para acabar: “Eu recuso-me alimentar as teoria da conspiração”. Foi para mim um magnífico exemplo de negação a priori: a rapariga (que, acreditem, não é nada estúpida) nem deixou o rapaz acabar, nem quis ouvir o que ele tinha para dizer. Fechou-se imediatamente como um ouriço porque percebeu que estava a chegar algo que punha em dúvida as convicções delas, a sua visão da sociedade. Algo perigoso, sem dúvida doloroso.

O que pode ser feito perante um mecanismo tão poderoso? O que pode ser feito quando até as evidencias são ignoradas? Pouco, praticamente nada. E quem comanda sabe muito bem isso.

 

Ipse dixit.

13 Replies to “O mecanismo”

  1. Vá lá. É uma boa hipótese e justificada. Há gente que não consegue viver sem se sentir pertencendo a um grupo e se sente grande, poderosa quando seu grupo de pertencimento está de acordo com os meios de comunicação majoritários, sem perceber que foram justamente esses meios que lhes “ensinaram”. Se pode explicar psicologicamente, sociologicamente, pedagogicamente…
    Mas, eu estou convencida que alguma coisa provocada vem atentando o nosso cérebro humano, tal como as incursões criminosas dos homens vem desregulando os climas no planeta. Produzir o caos parece ser a intensão, essa confusão de comunicação, ausente de informação. O que comemos, respiramos, os remedios que nos curam de A e intoxicam B,C,D no nosso organismo, uma necessidade absoluta de seguir as modas, que logo mudam, nos obrigando a sair em busca delas sem recursos para alcançá-las, a certeza de que precisamos parecer e aparecer, sob pena de nos sentirmos perdidos. e menores. .A falta de reciprocidade, de amor, o medo do isolamento, da solidão, tudo isso são situações que devem estar alterando para pior o funcionamento da inteligência, da capacidade de pensar. Para que tudo isso? Deve fazer parte de algo muito grande que eu não consigo açambarcar, mas uma consequência palpável é que estamos muito mais subservientes do que já fomos.

    1. Acho que apenas faz parte de nós , somos assim. Somos uma estranha espécie a única que necessita de cozinhar os alimentos, a única que necessita de vestir agasalhos , que não tem garras nem dentes fortes e estranhamente … dominou o planeta
      Também psicologicamente temos os nossos desequilíbrios , a ” metáfora” que explica a expulsão de Adão e Eva do paraíso está latente na nossa espécie e foi aqui muito bem demonstrada pelo Max que fez um excelente trabalho 100 x melhor que copiar artigos da treta de blogs de 2a categoria .
      E porque é que os classifico como tretas ? Porque fazem aquilo que o Max aqui denunciou … apresentam uma alternativa ao sistema para se tornarem noutro sistema para criarem dependência ao ser humano … ao ponto de , por exemplo, fazerem um ser humano desejar levar uma vacina desconhecida , nunca testada … apenas porque é produzida pelo seu adorado … sistema …

  2. Acho que devemos subdividir nossas relações com o processo emocional em 2 grupos. Um menor, daqueles que identificam minimamente o quanto somos manipulados, e outro bem maior, daqueles que desde sempre foram envolvidos e golfados pela propaganda (e suas várias roupagens) ideológica das pequenas minorias dominantes.
    A inércia mental ao longo da vida passa também pelas circunstâncias e conveniências no contexto em que o indivíduo está envolvido. Há numerosas razões que levam a pessoa a abraçar integralmente o sistema como um todo, independentemente do que esse sistema seja. O sentir-se, de alguma forma, beneficiado, seja por proteção material ou laboral; a quase impossibilidade de se opor verdadeiramente e explicitamente ao próprio sistema, inclusive entre seus entes mais próximos; a blindagem historiográfica que inviabiliza releituras e novos entendimentos sobre processos históricos fundamentais.
    E assim, no grande rebanho, temos, no mínimo, dois tipos de bichos que juntos atingem a sua quase totalidade.
    E fica aquele mesma pergunta: E como fazer para a roda girar em sentido oposto?
    Romper esta combinação de coisas. E como? Com um grande reset. Mas a partir de quem? Aqui chega-se ao fim do túnel, pq simplesmente não há qualquer possibilidade disto acontecer pelo fato de inexistir um segmento que possa encarar tamanho desafio, e mais importante, contar com o apoio (e entendimento) de parcelas significativas das populações.
    Nome do filme: “SEM SAÍDA”
    Resultado final: esperar os acontecimentos e tentar minimizar o valor que virá na fatura…
    PS: e não me venham com “otimismos”

    1. Claro que não meu caro Chaplin, nada de optimismos, se calhar o melhor era fazer já aqui um pacto de suicídio e acabar com o sofrimento …
      Como é que tu te consegues aturar a ti próprio ?

  3. «…porque é que, mesmo perante provas ou fortes suspeitas, muitas pessoas recusam considerar possível que um governo tenha enganado, explorado ou mesmo sacrificado voluntariamente milhares dos seus concidadãos? Porquê, mesmo perante os documentos que o provam…»

    A resposta é simples; por medo de perder o emprego, por medo de ficar sem dinheiro.

    Vou dar como exemplo Portugal, pois é com o meu país que me devo preocupar.

    Em Portugal cerca de 6 milhões de pessoas recebem dinheiro do Estado, e estou a falar no geral, ou seja, desde funcionários públicos, reformas, prestações sociais, subsídios, subsídios para empresas, e negócios entre o Estado e empresas privadas.

    Perante esta realidade, jamais as pessoas que dependem deste sistema irão morder a mão que lhes garante o dinheiro ao final do mês, por isso, e de forma cobarde e escroque, são coniventes com a situação.

    No entanto, não coloco de parte a abordagem que faz no artigo, pois a mesma alerta para um grave problema que estamos a enfrentar, uma crise geracional enorme onde aqueles que nasceram no Século XXI são incapazes de interpretar aquilo que lêem, escutam, ou se passa à sua volta, necessitando sempre de alguém ou de uma entidade superior que lhes diga o que é que se está a passar, mesmo que seja mentira.

    1. “…são incapazes de interpretar aquilo que lêem, escutam, ou se passa à sua volta, necessitando sempre de alguém ou de uma entidade superior que lhes diga o que é que se está a passar, mesmo que seja mentira. …”

      Sem comentários …

    2. Aqueles que nasceram no séc XXI???
      Qual foi a geração que por estas bandas não sofreu doutrinação?
      Qual é a geração que maioritariamente (2/3 a 3/4), voto permanentemente nos mesmos (doutrinadores)?
      Por quem têm sido formatados os jovens e crianças do séc XXI?
      Cuidado com o “lavar de mãos” à Pilatos, ok.

      1. O meu estimado JF “empurra com a barriga” para os que nasceram no Sec. XXI e acusa-os de serem endoutrinados mas ele que vive endoutrinado pelos seus lideres espirituais russos e chineses …capaz de levar uma vacina da qual nada se sabe só porque vem do seu amado regime de eleição acha-se diferente daqueles que ele acusa de serem ” doutrinados” … enfim ..

  4. É o fruto do chamado “facilitismo” quer na educação actual quer na vivência diária.
    A capacidade de pensar é cada vez menor resultante do “conhecimento” estar facilmente acessivel nas pontas dos dedos.
    No duvidar resulta a curiosidade, da curiosidade, a busca do conhecimento… O pensar por si próprio.
    Os meios electrónicos encurtaram os caminhos para evitar o pensamento.

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