Novas leis do Reino Unido podem criminalizar o jornalismo

Artigo publicado pela organização de jornalismo investigativo Declassified UK e da autoria de Richard Norton-Taylor, jornalista e editor Britânico, correspondente do The Washington Post e Newsweek na Comunidade Económica Europeia (CEE), colaborador no The Guardian, e autor do livro «The State of Secrecy».
O seu nome bem como alguns dos seus trabalhos aparecem referenciados na página na Internet da controversa organização política Inglesa «Democracia Aberta» (openDemocracy pela sua sigla em inglês, ndt.).

O governo Britânico avança com a «legislação de espionagem» que poderia criminalizar a divulgação de informações públicas e impor controles ainda mais rigorosos aos média Britânicos como parte de uma «epidemia de secretismo».

Os jornalistas Britânicos e as suas fontes enfrentam um ataque sem precedentes à liberdade de expressão, incluindo a perspectiva de processos criminais. As ameaças direccionadas a denunciantes e jornalistas eram evidentes antes da crise do coronavírus, mas passaram amplamente despercebidas.

O discurso governativo da Rainha em Dezembro incluiu planos para a nova «legislação de espionagem». Nele ressaltou a necessidade de combater a “actividade estatal hostil” e fazer do Reino Unido «um ambiente mais difícil para os adversários operarem» – uma referência indirecta ao envenenamento em Salisbury do agente duplo Russo, Sergei Skripal.

Mas também insistiu que a Lei dos Segredos Oficiais (Official Secrets Act pela sua sigla em inglês, ndt.), elaborada em 1989, deve ser «actualizada» e confirmou que a Comissão de Direito (Law Commission pela sua sigla em inglês, ndt.), o órgão que revisa a lei na Inglaterra e no País de Gales, foi contratada pelo governo para o fazer.

No entanto, as propostas elaboradas pela Comissão de Direito (Law Commission pela sua sigla em inglês, ndt.) para rever a Lei dos Segredos Oficiais (Official Secrets Act pela sua sigla em inglês, ndt.) representam perigos maiores. Denunciantes (Whistleblowers pela sua sigla em inglês, ndt.) e jornalistas poderiam ser condenados por revelar informações sobre defesa, relações internacionais ou aplicação da lei, mesmo que a causa de danos fosse improvável. Eles iriam facilitar a segurança das sentenças enfraquecendo os testes existentes para provar um delito.

Mesmo se alguém revelasse uma ameaça pública, abuso de poder ou má conduta, não seriam capazes de argumentar que agiram pelo interesse público. Além disso, as penas máximas de prisão por condenação seriam aumentadas, actualmente são de dois anos sob a Lei dos Segredos Oficiais (Official Secrets Act pela sua sigla em inglês, ndt.).

Além disso, não seria uma defesa mostrar que as informações já haviam sido legalmente tornadas públicas – a menos que as informações também tivessem sido «amplamente divulgadas». E como isso seria determinado?

Maurice Frankel, diretor da Campanha pela Liberdade de Informação (Campaign for Freedom of Information pela sua sigla em inglês, ndt.), alertou que as propostas da Comissão de Direito (Law Commission pela sua sigla em inglês, ndt.) poderiam criminalizar a liberação de uma vasta quantidade de informações adicionais.

Em vez de aplicar, como agora, as divulgações não autorizadas «provavelmente» para prejudicar a defesa, as relações internacionais ou a aplicação da lei, ele ressalta que seria uma ofensa revelar informações que o divulgador deveria ter percebido simplesmente que seriam “capazes” de causar tais danos.

«Um denunciante revelando informações, ou um jornalista ou blogueiro publicando-as, cometeria um delito mesmo que houvesse apenas a mais remota possibilidade de dano», diz Frankel.

Douglas Hurd, Ministro do Interior responsável pela Lei dos Segredos Oficiais (Official Secrets Act pela sua sigla em inglês, ndt.) de 1989, assegurou ao público que a medida não se aplicaria a «informações de natureza geral que possam ser concebivelmente úteis para cometer um crime, onde a cadeia de circunstâncias é muito longa e muito incerta».

As propostas da Comissão de Direito (Law Commission’s pela sua sigla em inglês, ndt.) acabariam com essa limitação crucial, adverte Frankel. É importante ressaltar que os funcionários que divulgaram informações sabendo que não havia nenhuma chance real de dano ainda arriscariam um processo, sem qualquer defesa do interesse público.

Além disso, de acordo com as propostas, o vazamento de informações que qualquer pessoa poderia obter fazendo um pedido à Liberdade de Informação (Freedom of Information (FOI), pela sua sigla em inglês, ndt.) pode ser uma infracção.

 

Mais secretismo

O Discurso da Rainha incluiu duas outras medidas pouco notadas que reforçariam o secretismo oficial. O Projeto de Lei do Meio Ambiente (Environment Bill pela sua sigla em inglês, ndt.) do governo impediria que o Escritório de Proteção Ambiental (Office for Environmental Protection pela sua sigla em inglês, ndt.) divulgasse informações, inclusive sobre suspeitas de falhas por parte de órgãos públicos e organizações para cumprir a lei.

De acordo com o Projeto de Lei de Investigações e Segurança dos Serviços de Saúde (Health Service Safety Investigations Bill pela sua sigla em inglês, ndt.), um novo órgão investigaria a segurança do paciente e acidentes ou incidentes no Serviço Nacional de Saúde (National Health Service pela sua sigla em inglês, ndt.). Mas a divulgação das informações detidas pelo novo Órgão de Investigações de Segurança dos Serviços de Saúde (HSSIB pela sua sigla em inglês, ndt.) seria bastante limitada.

A medida removeria os direitos existentes pela Lei FOI (Freedom of Information pela sua sigla em inglês, ndt.) de acesso às informações e o direito dos indivíduos de ver os seus próprios dados pessoais sob a legislação de protecção de dados.

«O alcance dessa proibição é notável», diz a Campanha pela Liberdade de Informação (Freedom of Information pela sua sigla em inglês, ndt.).

«Aplica-se a qualquer informação mantida ‘em conexão’ com a função do HSSIB que ainda não esteja publicada, se ela se relaciona ou não com um indivíduo identificável, se relaciona-se ou não com uma investigação identificável e se é ou não capaz de dissuadir os participantes de falar francamente com os investigadores, inibindo os investigadores de chegar às suas conclusões ou causar qualquer outro efeito adverso.»

A crise actual expôs e acelerou os instintos do governo para encontrar cobertura por de trás de uma parede de secretismo oficial. Revelou o que Frankel chama de «uma epidemia de secretismo», insistindo que «está a seguir conselhos científicos enquanto oculta o aconselhamento».

Foram apenas vazamentos que permitiram ao público conhecer a adesão do importante grupo de consultores científicos da SAGE que aborda o coronavírus e o relato de um exercício simulado de pandemia de influenza (Gripe, ndt.) no Serviço Nacional de Saúde (National Health Service pela sua sigla em inglês, ndt.) em 2016. Até ao momento da redacção, apenas 28 dos mais de 100 artigos especializados sobre a crise foram publicados.

Os funcionários do NHS (Serviço Nacional de Saúde Britânico, ndt.) que revelaram escassez de equipamentos de protecção foram ameaçados com acções disciplinares por parte dos seus gestores, que são eles mesmos mais propensos a serem responsáveis por essa escassez.

Em vez de lamentar, explicar ou justificar a sua decisão de impor uma quarentena às pessoas que retornam à Grã-Bretanha após feriados ou viagens de negócios, a Ministra do Interior, Priti Patel, e o chefe da Guarda Fronteiriça do Reino Unido (UK Border Force pela sua sigla em inglês, ndt.), Paul Lincoln, apareceram numa recente conferência de imprensa conjunta para se deleitarem com a perspectiva de receber novos poderes.

Mas «Retome-se o Controlo» (Take Back Control pela sua sigla em inglês, ndt.) – o grito dos Brexiteers liderados por Dominic Cummings, conselheiro-chefe de Boris Johnson – assume um novo significado à medida que o governo aprecia a perspectiva de impor cada vez mais restrições à divulgação de informações.

O apelo oficial ao «Fique Alerta» para proteger as pessoas do coronavírus deve agora ser adoptado na luta contra o secretismo oficial cada vez mais opressivo.

 

Fonte: Declassified UK

Artigo seleccionado e traduzido por JF.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

5 Replies to “Novas leis do Reino Unido podem criminalizar o jornalismo”

  1. Seria mais fácil que a rainha soubesse saber o povo,através da leitura do decreto real em praça pública, e fixação nos postes (tipo medieval): A partir desse dia Sua Majestade decreta que continuará a fazer o que bem entender para os interesses do “reino”, e ninguém vai dizer um pio, sob pena de amanhecer vendo o sol nascer quadrado na Torre de Londres.
    Continuam achando os ingleses e galeses que vivem sob uma democracia? É bem possível, tudo é possível!
    Eu, daqui da minha pequenez, olho as fotos da rainha e consorte, essa gente que não morre nunca, e vejo a feiura, a decrepitude, a cara da maldade, do crime, do roubo e da hipocrisia. Isso não fica oculto nem debaixo de coroa e galardão.

  2. Fico me perguntando o que estaria levando a tal preocupação, pois não vejo qualquer ameaça aos interesses dessas elites…

    1. Abordagem bem estadunidense, como se o processo histórico que envolve o liberalismo judaico caucasiano estivesse desalinhado ao seu acelerador, o capitalismo. Assim como o comunismo real, o liberalismo real é utópico pois impraticável no status quo civilizatório.

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