Tedros Adhanom, o chefe da OMS

Tedros Adhanom é o nome do Director Geral da Organização Mundial de Saúde (OMS), uma das agências da ONU. E até aqui tudo bem. Mas afinal quem é este simpático homenzinho? O resumo dum artigo do jornalista John Martin pode ajudar a apreciar na justa medida a vida e as obras de Tedros, cuja biografia nas páginas da OMS apresenta algumas levíssimas lacunas.

Tedros Adhanom Ghebreyesus nasceu em Asmara, na Etiopia, em 1965 e tem uma formação política interessante. Tedros é membro da Frente de Libertação do Povo Tigray (TPLF), uma organização bem pouco pacífica: fundado como um partido revolucionário comunista, o TPLF chegou ao poder em 1991, liderou uma campanha de guerrilha contra a ditadura de Mengistu e depois formou uma coligação com os outros dois partidos étnicos.

Com o tempo, a TPLF começou a exercer cada vez mais influência sobre as outras duas formações políticas: a maioria dos generais militares e dos principais líderes do Governo são do Tigray, incluindo o Primeiro-Ministro que governou o País durante 21 anos antes da sua morte. Isso apesar dos Tigray representarem apenas 6% da população da Etiópia, sendo um dos principais grupos étnicos os Amhara (20% da população), que tinham formado o regime Mengistu.

Há um forte ressentimento entre Tigray, os Amhara e outros grupos étnicos como os Oromo (25.4% da população), os Somali (4.5%) ou os Sidama (2.95%). O próprio Tedros vem da região do Tigray e é um membro sénior do partido ao ponto que Tigraionline ainda hoje lista-o como o sexto membro mais importante da comissão permanente do Politburo.

A TPLF foi classificada como uma organização terrorista pelo governo dos EUA na década de 1990 e ainda hoje consta da lista do Global Terror Database devido ao seu hábito obstinado de realizar ataques armados em zonas rurais.

O povo dos Amhara denunciou a discriminação sistemática e as violações dos direitos humanos por parte do actual governo: Humans Rights Watch publicou um relatório em 2010 sobre como a ajuda aos habitantes locais (alimentos e fertilizantes) foi proibida aos Amhara devido às suas filiações com o partido da oposição. Outras formas de boicote da ajuda envolveram a recusa de cuidados de saúde de emergência por parte do Ministério dos Trabalhadores da Saúde: Ministério que na altura era chefiado pelo simpático Tedros Adhanom.

Não acaso as taxas de natalidade na região de Amhara são muito inferiores às de outras zona, isso sem contar que, numa sessão do Parlamento etíope, foi constatado  o desaparecimento de cerca de 2 milhões de Amhara durante um recenseamento da população.

Não contente de negar ajuda aos dissidentes políticos, Tedros era também Ministro da Saúde numa altura em que o regime foi acusado de esconder epidemias. Um surto de cólera alastrou na região em 2007, afectando milhares de pessoas nos Países vizinhos. Quando a epidemia eclodiu na Etiópia, o governo simplesmente mudou o nome do surto e chamou-lhe Acute Watery Diarrhea (AWD, “Diarreia Aguda Aquosa”). As organizações internacionais foram pressionadas para que a doença não fosse chamada de cólera (apesar das Nações Unidas terem identificado o vírus como tal), e os funcionários públicos foram obrigados a não revelar o número de pessoas infectadas.

A própria OMS, após páginas de extravagantes relatórios sobre a situação do sector da saúde na Etiópia, admitiu que pelo menos 8.6 milhões de pessoas ainda necessitavam de ajuda alimentar para sobreviver em 2016 e que a situação não tinha melhorado nos últimos quatro anos. No final do ilustre mandato político de Tedros, a Etiópia tinha de 8% da população destinada a morrer de fome por ter sido privada da ajuda externa.

Perante tais brilhantes resultados, o simpático Tedros foi nomeado Ministro dos Negócios Estrangeiros e imediatamente implementou uma dura repressão contra jornalistas e opositores do Governo, incluindo uma tentativa de extraditar aqueles que tinham fugido para o Yemen. Os dois Países iniciaram as negociações e o próprio Tedros liderou estas conversas diplomáticas com o homólogo Ministro iemenita.

Um destes casos foi aquele dum cidadão britânico, Andy Tsege, preso no aeroporto de Sana’a e condenado à morte duas vezes na Etiópia. Isto exigiu o envolvimento do Governo britânico, que ameaçou negar a ajuda à Etiópia a menos que lhe fosse concedido asilo. Tedros respondeu que Tsege tinha sido “muito bem tratado” e que até tinha disponível um computador portátil (sem dúvida um padrão nas prisões etíopes). Andy, após o seu regresso no Reino Unido, contou uma história completamente diferente, afirmando ter sido torturado durante dias seguidos juntamente com dezenas de outros prisioneiros.

Uma das razões pelas quais a época de Tedros como Ministro dos Negócios Estrangeiros estão ausentes de alguns dos seus curriculum pode dever-se a alguns pormenores como os protestos em massa que varreram o País em 2016. Alguns anos antes, o governo etíope tinha revelado um plano para confiscar 1000 milhas de terra e oferece-las a compradores internacionais. Isto implicou a deslocalização forçada de 15.000 pessoas da região de Oromia, operação que o governo declarou “rentável” porque a região “não possuía infra-estruturas” na altura. Mas os “ingratos” deslocados à força não apreciaram de todo o enorme favor que o governo lhes estava a fazer, e os protestos em massa irromperam violentamente durante o festival cultural Irreechaa, em Bishoftu, no dia 2 de Outubro de 2016. A polícia respondeu inicialmente com gás lacrimogéneo, e depois com balas à sério. A repressão causou a morte de cerca de 500 manifestantes, segundo Human Rights Watch. O Governo declarou então o estado de emergência, prendendo cerca de 70.000 pessoas e forçando dezenas de jornalistas da oposição ao exílio.

Após a carta aberta dirigida ao Ministro dos Negócios Estrangeiros Tedros por parte da Human Rights Watch, o Ministro negou que o número de mortos fosse tão elevado e afirmou também que a polícia estava desarmada, contestando sem vergonha os assassínios em massa apesar de existir imagens vídeos do acontecimento (um exemplo neste link).

A nobre figura de Tedros e os seus espantoso resultados não podiam passar despercebida aos olhos da OMS. Pelo que, a partir de 2017, ocupou o cargo de Director da organização. E uma das primeira medidas como chefe da OMS foi aquela de nomear Robert Mugabe como Embaixador da Boa Vontade. Mugabe, o homem que ordenou a morte de 20.000 civis no Zimbabué nos anos ’80. Numa instituição normal, o simpático Tedros teria sido imediatamente substituído. Mas não na OMS.

A lista de escândalos nos quais a Organização foi e ainda está envolvida parece não ter fim e o papel desempenhado pelas grandes empresas farmacêuticas na definição da política da saúde global cria sérios conflitos de interesses: se dum lado melhora a imagem pública das empresas, por outro, favorece os seus interesses financeiros. Não é mistério o caso da lobby para enfraquecer as leis de patentes de novos medicamentos na Índia e para bloquear leis na África do Sul que tentaram tornar o tratamento do VIH mais acessível.

A OMS passou dos orçamentos miseráveis dos anos ’90 para uma chuva de dinheiro com as doações da Big Pharma. E com o dinheiro chega a corrupção. A má gestão da OMS ficou evidente em 2016, quando foi verificado que a Organização gastava 200 milhões de Dólares por ano em despesas de viagem. Outro relatório absolutamente prejudicial divulgado pela Associated Press noticiou que funcionários da OMS que trabalham para aliviar a epidemia de cólera no Yemen tinham efectivamente desviado fundos dos trabalhadores.

A nomeação de alguém tão profundamente desqualificado como Tedros deve muito à estrutura labiríntica do processo de nomeação da OMS. O Director é seleccionado pelo Conselho de Administração, que por sua vez é nomeado por uma minoria rotativa na Assembleia, composta por Ministros da saúde nomeados pelos governos mundiais. A OMS tem, portanto, o mesmo problema de muitas outras instituições mundiais, onde o Director é nomeado por outro nomeado: o verdadeiro peso do mandato democrático quase desaparece.

Os meios de comunicação social retrataram Tedros como uma personalidade venerável, com uma missão ética para curar as doenças mortais do mundo. O slogan da sua campanha eleitoral no Twitter repetia que “É tempo de um africano liderar a OMS”. O que está correcto: mas considerado que os africanos são mais de 1.3 biliões, mesmo um dos piores tinha que ser o escolhido?

 

Ipse dixit.

Imagem: AFP via New York Post

12 Replies to “Tedros Adhanom, o chefe da OMS”

  1. Max, você faz parte da CIA, ou KGB, ou Mossad? 🙂
    Como você consegue essas informações TOP SECRET e os governos de todos os países não, e ainda obedecem este ser e seu “local de trabalho”?
    Alguma coisa errada não esta certa!

  2. Pois Defunto, ao que parece os governos não lêem os artigos dos bons jornalistas. Não há muitos, mas ainda alguns por aí andam como é o caso deste John Martin. Ou se calhar lêem e depois riem-se porque sabem que as massas continuarão a ouvir apenas os media “oficiais”. Deve ser esta segunda hipótese…

    1. Certa vez, um dos chefões da Rede Globo falou que ” se não sair no Jornal Nacional, não é noticia”

      1. Corrigindo: “O que o Cid Moreira não fala no Jornal Nacional, não existe”. Autor, ele próprio, Roberto Marinho.

  3. Oi Defunto e todos: tenho uma resposta bem simples para sua indagação: toda democracia. e todos insistem que há democracias, para sê-lo exige a existência de opositores, mas opera-se para que sejam poucos, tomados como insignificantes comparados à “opinião pública” vigente. Então II ilustra perfeitamente o caso. Quando e se o Max chegar a ter 1 milhão de seguidores, ele vira suco, desaparece.
    Eu lamento que outros blogs, ditos alternativos no Brazil, não se dediquem à nobre função de descrever a biografia dessas pessoas que ocupam cargos de chefia em instituições internacionais, e mesmo nacionais. Se não quisessem se comprometer, investigassem a vida dos defuntos que identificam nomes de ruas, praças e estradas. O resultado sempre será a busca do mais genocida. E isto segue uma lógica, também perfeitamente compreensível. Se uma das facções que governa o mundo propõe alto e bom tom que o planetinha com 500 milhões de habitantes, já fica bom (de controlar, dá menos trabalho), então se exige genocida em órgãos de destaque e orientação mundial

    1. O que é mais fácil, atrativo e rentável? Ser mais um a alardear o sistema burguês liberal capitalista, ou ousar a desafiar tamanho poder, sabendo de que a propaganda reserva todos espaços para os primeiros e apenas espaços folclorizados aos segundos? Até pq vivemos num mundo onde as buscas principais são: dinheiro, distração e prazer, os dois últimos preferencialmente bem sintéticos…fora disso sobra muito pouco…

  4. O presidente e vices da Comissão de Direitos Humanos denunciaram o sr. Bolsonaro à Organização Mundial de Saúde (OMS) por:

    «…Flerta com genocídio, coloca em perigo mais de 200 milhões e menospreza risco de óbitos em idosos…»

    https://www.viomundo.com.br/denuncias/deputados-denunciam-bolsonaro-a-orgaos-internacionais-flerta-com-genocidio-coloca-em-perigo-saude-e-vida-de-mais-de-200-milhoes-e-menospreza-risco-de-obitos-em-idosos.html

    Ou seja, o presidente e vices da Comissão de Direitos Humanos no Brasil, denunciam o sr. Bolsonaro (que é um psicopata) por ter desvalorizado com o seu discurso a doença do coronavírus covid-19, a morte de velhos (também conhecidos como idosos/idosas) e com isso simpatizar com o genocídio, ao sr. Adhanom da Organização Mundial de Saúde (OMS) que é responsável por ocultar surtos de epidemias na Etiópia e de atentar contra a vida e os direitos humanos no seu país.

    Chama-se a isto hipocrisia.

    1. JF … repara bem neste javardolas chamado Bruce Aylward, e acabam-se as duvidas sobre quem manda
      na OMS e o medo que provoca ao ponto do jornalista o classificar como ” mais que nojento , é assustador”.
      https://youtu.be/Iu3lm0W6saU ( accionar legendas)

  5. Tem um excelente perfil para o cargo.
    Parece ser a pessoa ideal para defender os interesses das grandes farmacêuticas e demais financiadores.

Obrigado por participar na discussão!

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