As revoltas em Haiti

Fortes protestos populares no Haiti contra o governo Moïse. Desde o início desta nova onda de protestos, no passado 7 de Fevereiro, houve várias mortes entre os manifestantes. Segundo fontes jornalísticas, as estimativas variam entre 7 e 12 vítimas, enquanto fontes da oposição falam de 52 mortes.

Os protestos contra o governo na verdade começaram em Julho, através de greves, manifestações de massa e tumultos de rua, mas nas últimas semanas a situação tem piorado. A causa são as novas medidas ditadas pelo Fundo Monetário Internacional (mais uma vez…) que concedeu um empréstimo milionário em troca de decisões como o aumento dos preços dos combustíveis (+ 51%) e das necessidades básicas.

Num País onde 60% da população vive com menos de dois Dólares por dia e 55.000 pessoas estão a viver em alojamentos improvisados ​​após 9 anos do terramoto que causou 300.000 mortos; num País onde um milhão de pessoas deslocadas, os protagonistas dos protestos são as classes popular, explorados e oprimidos, que sofrem a fome, a pobreza e o desemprego. A exigência é a renúncia do Presidente Jovanel Moïse, um fantoche nas mãos dos EUA, no cargo há dois anos após eleições com uma abstenção de 80%.

Confrontado com o agravamento da situação e o aumento insustentável no custo da vida, com uma subida da inflação de 15%, a desvalorização da moeda e a falta de combustível por causa da dívida do Estado com as empresas que importam gás, o governo declarou a “emergência económica”. Mas os protestos de Fevereiro começaram após a notícia de que o governo tem desviado 3.8 biliões doados pela Venezuela que tinham que ser destinados a obras sociais e de infra-estrutura. Esta nova revolta popular, que coincide com o aniversário do fim da ditadura Duvailer, paralisou completamente a capital, Port-au-Prince, e muitas outras cidades. Em chamas várias propriedades e empresas do círculo do ex-Presidente Martelly e do actual governo, com barricadas nas ruas e pedras atiradas contra na casa do Presidente Moïse e de outros funcionários. A repressão policial (as forças haitianas e da ONU) deixou dezenas de manifestantes no chão e causou numerosos feridos.

Os dados de Haiti são assustadores: 80% da população abaixo da linha de pobreza, uma taxa de desnutrição de 45.8% e uma taxa de mortalidade infantil entre as mais elevadas do mundo, 47% de analfabetos, a maioria das habitações feita de estanho, madeira e papelão. Alimentos, água potável, assistência médica, educação, direitos e trabalho para a grande parte da população são uma miragem, enquanto nos pequenos círculos burgueses concentra-se a riqueza e os privilégios, herdados pelas décadas de ditadura antes e confirmados pelos políticos corruptos depois.

Na verdade, Haiti goza duma independência que é pouco mais que nominal. A capital Port au Prince, fica a menos de 1.000 quilómetros das costas da Florida, 500 km das costas da Venezuela e toda a ilha é separada de Cuba por um canal que nem chega aos 100 quilómetros: um ponto estratégico, que os EUA sempre administraram de forma indirecta mas firme, chegando mesmo a implantar tropas entre 1915 e 1934 e, sucessivamente, em 1994 para repor o ditador Aristide. Mais tarde, o Presidente eleito do Haiti teve permissão para retornar à ilha, mas somente depois que as organizações populares foram submetidas a três anos de terror por forças intimamente ligadas a Washington; o governo Clinton recusou entregar ao Haiti 160 mil páginas de documentos sobre o terrorismo de Estado criados pelas forças militares dos EUA.

Em 2004, após a derradeira derrota de Aristide, nova ocupação militar dos Estados Unidos, a terceira (oficial) em menos de 90 anos de história. Em 2004 partiu também a primeira ocupação da ONU (Operação UNSTAMIH), sucessivamente estendida até 2017, e depois foi a vez da Operação MINUJUSTH, prorrogada até 2019.

 

Ipse dixit.

Fontes: La Riscossa, Alba Movimientos

One Reply to “As revoltas em Haiti”

  1. Bom dia II: Muito boa descrição do Haiti, ótimo Max. Charles é um haitiano em Sto. Amaro/SC, um dos poucos negros por aqui, faz já 4 anos. Diz conseguir enviar dinheiro para mulher e dois filhos todos os meses, com pequenos serviços de corte de grama, limpeza de jardins, serviços gerais. Aqueles que o contratam dizem fazê-lo porque “esses haitianos são honestos, só falta iniciativa”. Para mim, Charles é uma incógnita: alto, forte, totalmente ereto, todos os dentes brancos e fortes na boca, barba aparada, trajes miseráveis cobrindo um comportamento sóbrio e educado.Difícil definir sua idade, sua origem de classe, sua escolarização. Fala francês, creole, e aprendeu português aqui. Depois de algumas conversas aleatórias que mantive com ele,referindo-me a Anuse e outros haitianos que moram por perto, passou a me chamar por tu, sinal importante de aproximação, mas fala pouco, pergunta menos. Nossa última conversa foi reveladora. Eu disse textualmente, ao me referir à derrocada do Brazil, que o Haiti, um país de escravos, foi o primeiro a se rebelar contra a dominação nas Américas. Pela primeira vez observei um largo sorriso de consentimento, de conhecimento, e seus olhos brilharam. Então arrisquei perguntar sobre a situação atual: alguma possibilidade de redenção? Ele parece ter pensado longamente, passando a mão pela barba, depois encarou-me dizendo: “aucun Lula chez nous maintenant”. Depois das informações do post, é a única contribuição que eu posso dar.

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