5G: a China na frente

A Administração Trump está a preparar uma ordem executiva que pode inibir significativamente as empresas de telecomunicações estatais chinesas de operarem nos Estados Unidos por questões de segurança nacional. Esta, aos menos, a explicação oficial.

Alcançado por Bloomberg, um porta-voz do Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca não confirmou se uma medida está de facto a ser elaborada, mas afirmou que “os Estados Unidos estão a trabalhar ao nível do governo e com os nossos parceiros e aliados para atenuar os riscos da implementação do 5G e de outras infra-estruturas de comunicação”. No comunicado, o porta-voz Garrett Marquis também afirmou que “as redes de comunicação são a espinha dorsal da nossa sociedade e apoiam todos os aspectos da vida moderna. Os Estados Unidos garantirão que as nossas redes sejam seguras e confiáveis​​”.

A entrevista era só escrita, não vídeo, pelo que não sabemos se o porta-voz da Casa Branca falou em “redes confiáveis” enquanto estava a rebolar-se no chão às gargalhadas ou se era sério. O que conta é que, como muitas vezes acontece, o que não é dito é mais importante do que o que está dito.

Existem dois principais objectos de disputa entre Estados Unidos e a Huawei: a tecnologia 5G e as backdoors.

A primeira: Huawei está muito à frente de qualquer outra operadora no âmbito da tecnologia 5G, pois é a única empresa a dispor de tecnologia stack em modalidade end-to-end. Eu não sei o que raio possa ser uma stack end-to-end, mas se a Huawei decidiu investir nisso significa que, além de ter nome bonito, para alguma coisa deve servir. E mais: por incrível que pareça, os Estados Unidos não têm esta tecnologia (pode-se viver sem stack end-to-end, pergunto eu?!?).

Agora, é verdade é que todos os Países da aliança FiveEyes (os que mais espiam: Echelon, etc.) anunciaram a proibição do equipamento Huawei 5G nas suas redes, mas o verdadeiro problema fica: em pouco tempo, a Huawei tornou-se líder mundial no campo da tecnologia 5G, enquanto Estados Unidos e sócios estão a ficar para trás. Como responderam os EUA até agora? Com a prisão de Meng Wanzhou, vice-directora da empresa e filha do fundador da mesma, por ela ter alegadamente violado as sanções contra o Irão (isso porque, contrariamente ao que acontece com os outros Países, as leis estabelecidas em Washington têm valor universal: é por isso que uma cidadã chinesa pode ser presa no Canada por ter negociado com o Irão contra a vontade dos Estados Unidos). As acusações caíram todas no tribunal e Meng voltou a estar livre, mas a dúvida permanece: é esta a maneira com a qual os EUA pretendem derrotar a concorrência?

Na verdade há algo mais que ferve na panela. E aqui entra em jogo um termo novo: backdoor, amigo da stack end-to-end mas mais simples. Uma backdoor (termo em inglês que indica uma porta de serviço ou porta dos fundos) é um método, muitas vezes secreto, para contornar a normal autenticação num computador: isso permite ultrapassar as defesas do sistema (como um firewall) e aceder remotamente a tal computador. Uma backdoor pode ser escondida dentro de um programa ou até pode ser um componente hardware.

Tanto para fazer um exemplo simples e tornar a ideia mais clara: todos os sistemas operativos Windows 10 reservam 20% da largura de banda (a largura que nós pagamos ao nosso fornecedor internet) para as suas próprias operações, comunicando com o exterior através duma porta. A maior parte dos utilizadores Windows nem sabe disso, portanto esta porta é como se fosse uma backdoor: actua sem o conhecimento do utilizador, o qual também ignora os conteúdos que são aí transmitidos ou recebidos. A diferença é que aquela de Windows não é uma backdoor secreta (e tenho uma dúvida: será analisada pelo firewall? Se sim, então não é uma backdoor).

Ora bem: Huwaei sempre recusou disponibilizar as suas backdoors aos técnicos da NSA e da aliança FiveEyes, e isso importuna profundamente os Estados Unidos, ao ponto que é possível falar de paranóia. Isso revela insegurança e insensatez que toma conta de todas as sociedades nos últimos estágios do imperialismo: à medida que a vantagem competitiva é perdida, a ameaça da concorrência alimenta a paranóia e a necessidade de controlar tudo. E esta necessidade de controle implica o desvio de uma fatia cada vez maior de recursos.

Em suma: capital que não está destinado para a inovação que tem como único objectivo a defesa da trincheiras. Mas pôr trincheiras em torno dos negócios não é coisa que possa durar: para permanecerem sólidas, também as trincheiras exigem manutenção e inovação.

Trump afirmou enfaticamente que tudo o que precisa realizar é implementar o seu  “America First”. E todos os novos produtos também devem repetir em coro “America First”. Não sendo Trump um pensador profundo, tudo o que ele quer saber é como vender isso na sua conta Twitter. E a narrativa “A China tem hackerado tudo” funciona bem neste sentido.

Mas proibir a tecnologia 5G terá outros efeitos: aumentará a distância entre os Estados Unidos e o resto do mundo, já que os melhores produtos não estarão no mercado interno americano para estimular a concorrência, baixar os preços e os custos que alimentam o próximo ciclo de inovação. Mesmo que os patriotas listas e estrelas estejam preocupados com os planos mais nefastos da China (planos que, diga-se, ainda é preciso provar), não podem aplaudir tais medidas porque é claro desde já que a 5G é uma tecnologia do futuro, mais à frente de onde estamos agora: implica uma arquitectura internet completamente diferente.

A tecnologia 5G não é segura? Porque, a 4G é saudável? Não brincamos: nem aos chineses nem aos Estados Unidos interessam tais “pormenores”. E se a 5G for mais eficiente (e é muito mais eficiente, de facto), será implementada naqueles Países menos paranóicos que, assim, irão gozar duma infraestrutura internet melhor, com tanto de assistência chinesa. Com boa paz dos americanos.

A maior largura de banda significará redes peer-to-peer extremamente rápidas, com partilhas quase imediatas: já não será necessário YouTube para fazer jornalismo participativo, os dados poderão ser armazenados de forma descentralizada em blockchain que não podem ser hackeadas, etc.

A tecnologia 5G não é toda rosas e flores: além das problemáticas relativas à saúde, implica novos problemas, novos desafios. A China está na frente, os Estados Unidos arrancam, tergiversam, serram as fileiras mas não avançam. É a atitude dos perdedores. Também assim muda a História.

 

Ipse dixit.

Fontes: Bloomberg, Huawei, Tom Luongo, The Register

4 Replies to “5G: a China na frente”

  1. O problema é o sistema de distribuição e o que a Microsoft, Apple e Google pedem aos fabricantes na China +/- 95% do hardware existente ou fabricado/manufacturado para fora e para dentro (2 coisas diferentes) a nível global.
    O hardware e até o software:

    Sistema operativo win 10, ninguém é obrigado a usar 20% processador(muito) para backdoors e processos que o usuário não permitiria se tivesse conhecimento mais técnico por isso, alem de ter de pagar licença em uso comercial. 20% de desuso sem justificativa devia ser ilegal.
    O usuário paga para 1/5 que não usa?

    https://en.m.wikipedia.org/wiki/Usage_share_of_operating_systems

    Acima referido:
    “For public Internet servers Linux is generally counted as dominant, powering about twice the number of hosts as Windows Server—which is trailed by many smaller players including traditional mainframe OSs.

    The supercomputer field is completely dominated by Linux—with 100% of the TOP500 now running on this OS.”

    O IOS é mais do mesmo de forma diferente.

    O estranho nisto tudo:
    Amazons ou as empresas de Ti topo que vivem da net usam linux, o tal de Max e muitos outros sabem disso e é gratuito/ou quase e o mais seguro.

    Hardware
    Intel-backdoors desenvolvidas em Haifa-Israel e por subcontratados pela NSA e a própria com selo da FCC ou da CE mas na verdade NSA/CIA (Snowden, Wikileaks e outros) aprovados.(desabilitadas na China e opcinal em outros mercados)
    Amd – a estrutura é semelhante um pouco menos intrusivo
    Espera-se e aguarda-se autorização para a comercialização de processadores chineses lá para 2020, acabava o monopólio ou duopolio.
    Isto em computadores. Seria bom num mercado dito livre e aberto em teoria

    Em celulares(br) ou telemóveis(pt) que é onde tem havido maior crescimento a história já mudou e vai mudar mais:

    Lidera (a perder share) Samsung, Huawei, Apple(a estagnar, tem o seu OS) e seguem-se chinesas.

    Sim a Huawei está a frente em tudo o que é comunicação uns 2/3 ou mais anos, também espia, mas menos. O Sillicon Valley chinês uns 5 e vizinhos Ásiaticos o suficiente.

    O 2° mercado é a Índia(desde topos de gama ao essencial) a seguir a europa e depois os EUA.

    https://en.m.wikipedia.org/wiki/Smartphone

    Tirando a Apple (caros ou prestações) montam-se com pecas originais a 1/4 do pvp em Cantão. Samsung(está a perder mercado e por ser caros), Lg(o mesmo) , Nokia e pouco mais.
    *Da china OnePlus, Huawei e submarca Honor, Oppo, Xiaomi, Motorola(é da Lenovo) etc… são muitas.
    **Todos ou quase todas funcionam num sistema android (incentivam o Super User como no linux, nos outros até é motivo para perder a garantia, tipo coreanos ou japas) modificado, muito personalizável e com menos intrusão da Google(não gosta mas legalmente nada pode fazer, e desde que usem gapps *opcional* -google apps tudo bem) mas quem explora as backdoors é lógico que não goste.

    E também não gostam de estar atrás em tecnologia, mas quem gasta mais em marketing que em r&d vive numa ilusão e é ultrapassado pela realidade factual, por muito marketing quando a coisa não é aquilo que promete vai para o esquecimento.
    É como um automóvel por muita promoção,
    é o utilizador que vai usar e veificar defeitos, limitações, gastos e manutenção dispendiosas(não vende ou é um flop).

    Resumindo é caricato pois quem mais espia é quem se queixa.

  2. Eles estão 5 anos atrás e não conseguem ir para o 5G e pior mete guerra comercial.
    Agora vão diabolizar é esperar as maiores palermices vindos de pseudo experts.
    Os EUA não, paciência são o 4°mercado atras de Índia e Europa e outros mercados da Ásia e até parte de África
    Gastem dinheiro em r&d em vez de marketing publicidade e propaganda.

    Nuno

  3. Gostei da expressão que as leis (e desejos) dos EUA são universais. Mas penso que as leis e os desejos dos poderosos do mundo inteiro é que são universais. Depende de quem está acumulando mais poder no momento. Só que os poderosos competem violentamente entre si. Uma das armas utilizadas na guerra competitiva para a moda do discurso que arrasta mais, e um número maior de escravos no mundo. Na era do consumismo volátil, o consumo da palavra, do símbolo, e da imagem deslocam os sentidos humanos para universos mentirosos e desejáveis para a conveniência dos poderosos. Não sabemos do que se trata, porque foi desenvolvido, e para que… mas queremos, para dar sentido as existências vazias: a última tendência, o último artefato, o último mentefato. Enquanto isso a guerra tecnológica entre os poderosos continua: sanções, restrições, aberturas comerciais, traições, espionagens, boicotes, prisões, assassinatos, roubo, corrupção, tudo vale mediante a competição do produto mais avançado, que obviamente precisa ter compradores, sejam empresas, Estados, grupos ou indivíduos.E como estes são capturados? Pela ditadura da palavra, o convencimento, o consenso. Para os reais protagonistas, o controle, o domínio, a preponderância.

    1. É assim com tudo a moda o que fica fora de moda(é a mesma questão e é sem qualquer aparelho ou coisa é psicológico).
      Não é a tecnologia é preencher o vazio criado seja com o que for, conhecendo e testando aí com uso de tecnologia(neurociências estudos cognitivos e psicológico levados até onde possível), a coisa ou processo acelera e só.
      E ninguém quer ou até pode ficar completamente excluído, é saber explorar também isso.
      Enquanto a maioria está entretida ou dopada ou ainda pior luta entre si, (como naquele artigo do chimpanzés) os reais protagonistas dificilmente serão incomodados assim como o controle questionado e terão o momentâneo domínio e preponderância(começo-reinado-fim como os impérios e como a vida) é igual(outra vez os chimpanzés).

      N

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