A derrota dos Estados Unidos e de israel

Pela primeira vez, os EUA admitem oficialmente o fracasso na Síria: o Presidente Donald Trump decidiu retirar as tropas americanas do País árabe após quase [wiki title=”Guerra Civil Síria”]oito anos de conflito[/wiki]. O pretexto para a decisão de Trump é a derrota sofrida pelo Daesh ou [wiki title=”Estado Islâmico do Iraque e do Levante”]Isis[/wiki]: missão cumprida é o lema. Mas a verdade é um pouco diferente: trata-se duma redonda derrota americana, a enésima.

Os objectivos de Washington e de israel sempre foram claros: obrigar [wiki title=”Bashar al-Assad”]Assad[/wiki] a abandonar o poder na Síria, afastar a guerra das fronteiras de israel e transferi-la para perto da Rússia e do Irão. No meio, fidelizar dois regimes, aqueles turco e o iraquiano, que nos últimos tempos têm revisto os seus relacionamentos com o Ocidente. Para alcançar estes resultados não foram poupados meios: mísseis do céu, uma detalhada obra de controle da informação e, sobretudo, rios de dinheiro para estabelecer um Estado fictício, aquele Isis que tinha a missão de desestabilizar Síria e norte do Iraque, contribuindo a partir o País de Assad em três zonas de influência.

Nenhum dos objectivos foi alcançado. E a decisão de Trump é agora fortemente criticada pelas autoridades israelitas bem como pelo Pentágono (cujo líder, [wiki title=”James Mattis”]Jim Mattis[/wiki], acaba de demitir-se) que vê em perigo os interesses militares americanos na região.

O mais afectado é sem dúvida Netanyahu, que tinha jogado todas as suas cartas na queda do governo de Damasco: com o apoio aos 12 grupos terroristas presentes na área, Tel Avive apostava em manter a Síria, o Iraque e o Irão sob a ameaça dos radicais islâmicos, a Turquia empenhada num estado de guerra sem fim contra os curdos e, cereja no topo do bolo, anexar definitivamente as alturas do [wiki title=”Colinas de Golã”]Golã[/wiki] sírio.

Agora israel é confrontado com o eixo da resistência formado por Síria, Hezbollah e Irão, tudo apoiado pela Rússia, cuja capacidade militar preocupa muito os líderes militares israelitas. Não será simples manter os territórios do Golã, sobretudo em caso de problemas nas fronteiras: o espaço aéreo da Síria está selado, as baterias anti-aéreas de Moscovo dão conta do recado.

O que podemos esperar é uma consolidação da aliança entre israel, Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos: são estes dois Países aqueles habituados aos trabalhos sujos, deles provinha a principal fonte de financiamento dos terroristas. Ao mesmo tempo, a casa de Saud precisa dum aliado forte nesta altura, alguém que possa ajuda-la a sair do buraco no qual enfiou-se nos últimos tempos (o caso do jornalista [wiki title=”Jamal Khashoggi”]Khashoggi[/wiki], a guerra sem fim no Yemen). E israel ficou não tanto surpreendido pela retirada americana (a hipótese pairava no ar há alguns tempos) quanto pelas modalidades: Netanyahu queixa-se de ter sido avisado “cinco minutos antes”, o que significa que não houve tempo para implementar um Plano B. E o único Plano B possível agora passa por apertar os laços com as monarquias do Golfo.

Mas o principal dado a reter é sem dúvida a derrota americana. Os EUA criaram o Isis, financiaram directa e indirectamente os grupos terroristas locais, transferiram grandes quantidades de armas e meios para o Médio Oriente, treinaram os radicais islâmicos, até criaram uma nova Al-Qaeda (Al Nusra). Tudo isso deu um nada: o fracasso é total. Aliás, a situação é pior agora do que no início da guerra: o povo da Síria reuniu-se em volta de Assad, que agora é mais forte do que antes; a mesma Síria apertou os relacionamentos com a Rússia, que por sua vez aproveitou para modernizar as defesas do País amigo; a Turquia, antes solido aliado ocidental, viu crescer a ameaça curda, apoiada por Washington e Tel Avive, e aproximou-se de Moscovo.

Não é uma retirada que possa ser lida como movimento estratégico: Washington percebe que a situação no terreno não é favorável em nenhum aspecto, a manutenção das tropas na Síria coloca o risco de oferecer um alvo fácil para a retaliação de sírios, turcos, iranianos, milícias xiitas iraquianas e russos. Muito perigoso e inútil, dado o fracasso de toda a estratégia: trata-se duma humilhante derrota geopolítica diante da Rússia e da China, mas os perigos provocados por uma inútil permanência na região podem ser ainda piores. A questão curda, por exemplo, arrisca pôr definitivamente em causa a lealdade da Turquia que, pelo menos nominalmente, ainda é um membro da Nato.

Não é uma escolha simples aquela de Trump: o Pentágono não gosta da retirada, o bloco democrata inserirá a “rendição” na conta para as próximas eleições, israel está desiludido. Mas a verdade é que Washington tinha apenas duas hipóteses: continuar a proteger israel e a apoiar um Estado curdo (o que teria significado perder a Turquia) ou sair. Preferiram a segunda hipótese, mascarada de vitória por ter “derrotado o Estado Islâmico”.

Acaba assim o sonho do Grande israel à custa de outros povos. Tel Avive tem que aceitar o papel daquele que é o novo árbitro da região: a Rússia. É claro que Netanyahu não irá baixar os braços tão facilmente, nem pode fazê-lo porque o seu poder interno está baseado em boa medida na estratégia seguida até aqui. Pode ser que a retirada americana seja também o início do fim político do actual líder israelita, mas em qualquer caso a agenda de Tel Avive não prevê a rendição. O problema é que, além de revigorar a aliança com os sauditas, as opções disponíveis são bastante limitadas: é provável que a guerra mude do terreno para outros campos.

A propósito: esta derrota americana (que nem é a primeira) deveria fazer reflectir os que veem o bloco anglo-sionista como entidade suprema, omnipotente e causa primária de todos os acontecimentos planetários passados, presentes e futuros. Os factos são simples: estamos perante uma derrota estrondosa, dos Estados Unidos e de israel. Os planos eram outros e não há como negar isso.

Não há dúvida de que exista uma forte lobby sionista que opera em território americano; mas também não há dúvida de que esta lobby tem que fazer as contas com a realidade. O grupo sionista não foi capaz de envolver os EUA mais profundamente na luta no Médio Oriente; e nem é capaz de impedir a retirada agora, precisamente na altura em que Tel Avive requer mais presença americana perto das suas fronteiras.

O desfecho da guerra na Síria mostra que os jogos estão longe de ser predeterminados. Não existe uma máquina sionista que faz e desfaz a História: existe um grupo sionista que luta para implementar os seus planos, tal como fazem os outros grupos de poder. Vistos do nosso ponto de vista, “de fora”, todos os grupos parecem iguais e podem ser confundidos numa só entidade, genericamente definida como “elite”. Mas não podemos ficar deslumbrados com as aparências: a elite não é algo monolítico, há divisões no seu interior porque diversos são os seus interesses. Com a eleição de Trump, muitos nós estão a chegar ao pente.

Duas coisas dizia o célebre Sun Tzu. A primeira era:

Se conheces o inimigo e a ti mesmo, a tua vitória é certa. Se conheces a ti mesmo, mas não o inimigo, as tuas chances de ganhar e perder são iguais. Se não conheces o inimigo e nem a ti mesmo, vais sucumbir em todas as batalhas.

E a segunda era:

Tenho fome.

Mas isso era mais perto da hora de almoço, pelo que é outra história. Bom fim de semana.

 

Ipse dixit.

5 Replies to “A derrota dos Estados Unidos e de israel”

  1. Sempre alguém tem de sair para fazer funcionar a máquina de guerra. Sou levada a crer que o próximo que tem de sair seja Maduro da Venezuela. Só não sei se aí também os planos do Pentágono também serão frustrados. As medidas iniciais de ambos os lados foram já tomadas. Do lado venezuelano, o pecado capital foi cometido quando o petróleo da Venezuela que era entregue de mão beijada aos yanques por firmas particulares foi estatizado por Chávez, que, com os lucros do petróleo conseguiu tirar da miséria os 47% da sua população, e levar escolarização para a maioria dela. Tornou seu país o que mais poderia se aproximar de democracia direta com profusão de referendus e consultas populares, além de descentralização da administração, confiada a uma federação de “missiones”, bairros populares com novas moradias. Mas sempre fica faltando algo, e a dependência quase que única do petróleo foi um erro tremendo que deu asas à oligarquia venezuelana para tomar a comercialização de alimentos em suas mãos, e submeter a maioria ao regime de terror, além das crises de preço de petróleo no mercado internacional. Maduro fez pior, comercializando o petróleo venezuelano com a Ásia e em moeda chinesa. Pelo lado norte americano, mais do mesmo: demonização do regime “bolivariano”, rotulado de ditadura e concertação de guerra hibrida por todo continente, que vem substituindo a desejável integração soberana da América Latina em dependentes coloniais dos EUA. Para tanto, Maduro tem de sair.

  2. Após esta estrondosa derrota diante da resistência heroica dos cidadãos Sírios, do Exército Árabe da Síria, e do Presidente Bashar Assad, o regime da Inglaterra e os seus aliados irão virar batarias para a América-Latina, mas penso que vai-lhes correr muito mal.

  3. Mas já repararam que o processo é sempre o mesmo.

    Será que os EUA perdem sempre. Ou será mesmo propositado?

  4. Moon of Alabama em 24 de dezembro, no Blog do Alok, dá interessante contribuição sobre porque Trump resolveu tirar as tropas da Síria

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