Argentina: o fracasso neoliberal do costume

Como era amplamente previsível, o programa neoliberal imposto por [wiki title=”Mauricio Macri “]Mauricio Macri[/wiki] na Argentina está a produzir os seus efeitos nefastos. O Instituto Nacional de Estatística e Censos (INDEC) de Buenos Aires anunciou os resultados que marcam o difícil desempenho sócio-económico do País nos últimos meses.

A economia do País contraiu 3.5% no terceiro trimestre em relação ao mesmo período do ano passado e caiu 0.7% em relação ao trimestre anterior. Outro índice relevante é aquele relativo à taxa de desemprego, que subiu para 9% no terceiro trimestre do ano. Durante o terceiro trimestre do ano passado, o valor tinha sido de 8.3%.

O mesmo órgão indicou que o preço da [wiki title=”Cesta de consumo”]cesta de consumo[/wiki] de alimentos (CBA, o conjunto de alimentos suficientes para satisfazer as necessidades calóricas de uma família média, mas não representativo de uma dieta com todos os nutrientes) em Novembro teve um aumento de 4%; durante o último ano, a CBA aumentou 54% e a cesta total (a CBT, bens e serviços não alimentares, como vestuário, transporte, educação, saúde, etc.) aumentou 57%. O INDEC afirma que uma família média no País precisa de um rendimento de pelo menos 25.206 Pesos (583 Euros, quase 2.600 Reais) para cobrir o custo total da CBT e não cair no estado de pobreza.

Mas as notícias que chegam do mundo do trabalho não são positivas. No mesmo dia em que o INDEC divulgava as estatísticas, a empresa de calçados Paqueta, que produz os sapatos da Adidas, fechou as portas na província de Buenos Aires, demitindo 397 trabalhadores. De facto, a recessão atingiu duramente a indústria dos calçados: de acordo com os relatórios do sector, as importações aumentaram 45% nos últimos dois anos, com a entrada de produtos acabados ou semi-acabados vindos do Brasil, que aumentaram 116%. Muitas das empresas do sector estão localizadas em cidades pequenas e médias, onde o impacto económico dos despedimentos é muito profundo.

O enésimo fracasso do neoliberalismo é evidente: a receita da austeridade não funciona. Não funcionou na Europa, não funcionará na Argentina: a crise que o País enfrenta hoje não é uma crise “natural”, mas uma directa consequência de escolhas específicas e da política económica imposta com o governo Macri. Decidiu-se reduzir os impostos para os mais ricos e garantir os lucros dos grandes grupos económicos e dos investidores; e o resultado é que, depois de anos de relativa tranquilidade e crescimento, as contas dos argentinos (gasolina, alugueres, etc.) aumentaram cerca de 60% em 2016, 55.6% em 2017 e 17.2% só nos primeiros meses de 2018.

A inflação neste ano será de 40.6% e em 2019 é esperado um pouco simpático 25.5%. O PIB? Negativo: -1.2, com as últimas estimativas que apontam para -3.5%.

Fonte: La Nacion

O estado social que tinha sido implementado nos últimos anos pelo governo [wiki title=”Peronismo”]peronista[/wiki] está a ser desmantelado, todas as conquistas da política [wiki title=”Escola keynesiana”]neo-keynesiana[/wiki] (que se opõe ao neoliberalismo) eliminadas. O actual governo argentino é um governo de ricos que actua em favor dos ricos com a bênção do Fundo Monetário Internacional.

O Presidente e os seus ministros argumentam que a crise económica acelerou o ritmo devido às condições internacionais, ao aumento das taxas de juros nos Estados Unidos e ao aumento dos preços do petróleo. Uma explicação já ouvida em outros Países também, uma espécie de grande álibi que deveria justificar as debilidades sistémicas e nunca enfrentadas das economias sul americanas. Mas, no caso argentino, isso não explica a razão duma especulação concentrada principalmente na Argentina e não em outros Países, com uma fuga de capitais de 8 mil milhões de Dólares: dois anos de Macri significaram um deficit fiscal superior a 7% do PIB e um deficit comercial recorde que ronda os 18 bilhões de Dólares anuais.

E no País surgem as dúvidas: difícil acreditar que a Argentina, tão rica em matérias-primas, fique ciclicamente refém de graves crises económicas. Então observa-se o executivo: ex gestores de grandes grupos internacionais ficam sentados nas poltronas mais importantes da Casa Rosada. Josè Aranguren, Ministro da Energia, era um alto funcionário da Shell. As contas de gás e luz aumentaram em 300%, a extração de gás em Argentina custa ao Estado três vezes mais do que os EUA pagam.

Instantânea do actual governo argentino: o Ministro das Finanças, Luis Caputo, tem uma empresa offshore; o Ministro da Economia contas escondidas e evasão fiscal; a Ministra da Segurança, Patricia Bullrich, apoia a repressão armada e indiscriminada tanto por crimes comuns quanto por protestos políticos; o Ministro do Interior, Rogelio Frigerio, fez assumir pelo Estado tanto a esposa quanto o tio, o Ministro dos Transportes,  . … como diz Macri: “a melhor equipa de governo dos últimos 50 anos”.

Entretanto, como relata o diário Pagina 12, quase 6.000 pessoas vivem nas ruas de Buenos Aires. Na cidade há três estruturas para os sem-abrigo, duas para homens e uma para mulheres, todavia a capacidade é limitada e é preciso fazer a fila para poder entrar. No ano passado, o número de pessoas sem um abrigo cresceu quase 30%, e outras 20 mil estão em risco de ficar na rua.

 

Ipse dixit.

Fontes: L’Antidiplomatico, Quotidiano.net, Il Fatto Quotidiano, Pagina 12, La Nacion,

5 Replies to “Argentina: o fracasso neoliberal do costume”

  1. Pois, quanto ao Brasil daqui a uns tempos estaremos a assistir a algo semelhante.
    Esta alternância, entre modelos assim e modelos assados, faz parte do sistema representativo. Modelos Neoliberais alternando com modelos keynesianos é um luxo que alguns países não têm.
    Isto só é possível porque a memória colectiva é curta, e os maus de hoje serão necessariamente os bons de amanhã.

    Krowler

  2. Usar a palavra “fracasso” depende do lado que se está.
    Para um país e seu povo é um massacre, para quem interessa, é adquirir mais um país inteiro ao preço de saldo.

    1. https://data.worldbank.org/indicator/NY.GNP.PCAP.KD.ZG?end=2017&locations=AR&start=1995

      De 1995 a 2017

      Agora depois de 2015, o que se observa, no sobe e desce (artificial)? Especulação?

      2000(o delírio) a seguir Kitchners crise de 2008, mas recuperação, Macri(2015 no poder) bolsa de valores a brincar/especular com os preços(brincadeira de bolsa)
      Só vai até 2017 e depois em 2018 (fmi a toda a força) e agora é impossível sequer onde vai parar.

      Mas vindo do Banco Mundial: em inglês ou espanhol(é ler e ver em espanhol)

      http://www.bancomundial.org/es/country/argentina/overview

      Quem somos nós para contestar?

      Provavelmente o B.Mundial é esquerdista, comunista etc…se lerem até o world bank discorda, mas a terra é deles, agora que se amanhem/desenm***m e o mesmo para uma série de vizinhos iluminados.

      Capachos

  3. Também acho o mesmo dos comentários anteriores…mas,mas me parece que por baixo de tudo isso existe uma coisa corroída pelo seu falseamento, as instituições democráticas. E o mito da democracia representativa, chamada a grosso modo democracia, valor que paira como um dogma acima de tudo, não importa que ela seja apenas formal. E esses enganos confundem a cabeça das pessoas em qualquer lugar.
    Desde os tratados internacionais, sistematicamente descumpridos. (no post anterior o Max está tratando disso) até as instituições nacionais, não é mais nem a casca da democracia que é vilipendiada, é a própria república que desmorona. (ontem entre as 15h e 17h30min, o juiz Mello do Supremo Tribunal Federal concedeu liminar, libertando da prisão pessoal da segunda instância, que incluía Lula. Modificar a determinação ou mantê-la seria cargo do colegiado do tribunal, mas o juiz Toffoli, revogou-a) Então é um desvairado jogo de poder que não tem absolutamente nada a ver com democracia representativa e suas instituições,nem com república constitucional. Para mim, o problema de fundo não está na governança que é um jogo de poder um pouco mais ou pouco menos sujo, que por vezes constrange a subsistência da maioria, outras vezes, a distende. O problema é que as pessoas acreditam que estes monstros sagrados funcionam a seu favor, e qualquer desregulagem é jogada no balaio da corrupção, que existe e sempre existiu em todos os lugares, mas que serve para legitimar o desastre de alguns indesejáveis, corruptos ou não, e privilegiar outros, corruptos ou não.
    Hoje as eleições são fraudulentas, quase sempre, em todos os lugares, seja pelos motivos que forem, do primeiro ao quarto mundo e, nos mundos da ignorância mais ainda.
    Se querem um exemplo que eu possa descrever porque funciona bem perto de mim, eu explico, pedindo desculpas por me alongar. Tenho perguntado para alguns vizinhos que se mostram já medrosos, porque votaram no Bolsonaro. Eles me explicam que como recebiam no celular em média de 5 memes por dia valorizando o tal e desvalorizando os outros, então devia ser porque o tal era melhor. Precisa desenhar porque votos assim nascem fraudados, embora consumados?
    Infelizmente eu não tenho respostas, apenas poucas conjunturas, mas ainda penso, (bem ou mal, sei lá).
    A Argentina não é o Brazil. Lá, uma boa parte da população tem opinião, seja ela autoritária ou não, e embora tenha decaído muito dos bons tempos, mantém um razoável população educada, escolarizada e politizada Então…votaram no Macri, muitos ouvi dizer que a Cristina era uma louca!!. No Brazil, a maioria esmagadora não é politizada, um crime, que do meu ponto de vista, sempre foi cometido, com uma pequena lacuna entre 62 e 64. Não são só os despossuídos que não sabem em que mundo estão vivendo, são inclusive os poucos de boa vontade que tem algum poder de mando.
    Só para dar fim ao palavrório, acho que um caminho é tentar explicitar isso que realmente acontece, que não chega à superfície. E mais um é lutar para re pensar as tais instituições democráticas. Pessoalmente vivi 30 anos na universidade não apenas falando disso, mas atuando onde eu estava. Nunca mudei nada na instituição, mas na cabeça de alguns, acho que sim. Outros 15 anos tenho vivido aqui, experimentando outras cotidianidades. Acho que deu em nada, não tenho certeza. Mas também foi aqui, em II, que encontro uns e outros para pensar junto. E, como diz o Sergio, para me aguentarem.

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