Mongólia: a mina autogerida e sustentável

A nossa sociedade, embutida de gadget electrónicos, precisa de metais preciosos, raros e fornecidos ao mais baixo preço possível. Por esta razão as minas são verdadeiros infernos, sem as mínimas condições de segurança, onde muitas vezes trabalham crianças, em turnos de 12 ou 14 ou até mais horas por dia. Do ambiente nem se fala: é destruído, simplesmente. Estas minas estão espalhadas pelo planeta todo, desde as Américas até a Ásia, passando pela África. Mas as minas têm que ser assim mesmo? Nada mais do que um inferno?

Os ninjas são pessoas que cavam na mina a céu aberto em Uyanga, na província mongol de Ovorkhangaj: são assim chamado por causa do grande alguidar que carregam pendurado as costas e que faz lembrar as tartarugas da banda desenhada. “Carregam”? Não propriamente: “carregavam”, pois algo mudou nos últimos tempos.

Até poucos anos atrás, Uyanga era só mais um inferno, a clássica mina do Terceiro Mundo feita de desesperados que possuem apenas poucos instrumentos e a força do trabalho. Meios de produção e capital, segundo a lógica capitalista, tudo em condições de vida miseráveis: no meio da lama tóxica, os núcleos familiares competiam entre eles para conseguir mais metal. Os ninjas de Uyanga faziam buracos, viraram a terra, penetravam com mercúrio para separar o ouro das rochas, sugavam os recursos hídricos.

Depois, em 2010, o parlamento mongol aprovou algumas emendas às leis que regulam o uso de recursos minerais e do solo, reconhecendo as actividades de mineração como “artesanais” e “de pequena escala”. Na prática, dava visibilidade e status legal aos ninjas, desde que se juntassem para formar parcerias e se empenhassem na reconstituição do solo após a mineração.

No condado de Mandal, que faz parte da província de Selenge, chegou um projecto promovido pela Direção de Desenvolvimento e Cooperação da Suíça: e os ninjas foram transformados. Ao vê-los mais parecem funcionários de uma grande empresa: fardados, com capacetes, botas de segurança, luvas, coletes… mas não: são trabalhadores autónomos e auto-organizados.

A cooperação suíça proporcionou recursos económicos e um modelo de organização: um grupo de ex-ninjas cria uma parceria; várias parcerias convergem numa ONG, uma organização sem fim lucrativo que representa os trabalhadores perante as autoridades e também nos conflitos com as grandes empresas de mineração.

E os trabalhos procedem de forma diferente também. A mina de Mandal, por exemplo, não é ao ar livre, é preciso descer ao longo de um túnel na montanha e todas as medidas de segurança foram tomadas: o túnel foi reforçado, existem três equipes de cinco homens que se alternam em três turnos de três dias cada. O ouro que encontram é dividido entre as equipas: todos participam das despesas comuns com o equipamento e até criaram um fundo com o qual começaram a diversificar suas atividades. Os antigos ninjas agora produzem tijolos de construção também. Mas o dinheiro dá para apoiar as famílias pobres do condado, o que facilita a integração do grupo na área.

O método de trabalho mudou também: antigamente os ninjas cavavam buracos nos quais as ovelhas caiam ou onde os cavalos partiam as pernas. Agora removem o chão para cavar, colocam os torrões de lado, sem destruir a vegetação e a componente orgânica: continuam a cultivá-los durante as actividades de mineração. Uma vez acabado o trabalho, os torrões são colocados de volta nos lugares deles, como uma “tampa” biológica.

O programa suíço distribuiu panfletos: explica como solucionar os conflitos, como administrar uma reunião ponto por ponto, aposta na integração com a realidade local, nada bebidas alcoólicas.

Narmandakh tem 29 anos e procura ouro há cinco anos. É o responsável pela segurança do seu turno. É de Ulan Bator, a capital, e estudou arte e cultura na universidade:

Quando terminei não havia trabalho, então comecei a fazer o minador ao ir para onde era descoberta uma nova veia. Então conheci a minha mulher nesta área, o soum (distrito) de Mandal, é por ela que acabei aqui. Entrei na parceria e devo dizer que gosto de ser um minador. Aqui trabalhamos com segurança e a vida é pacífica, enquanto em Ulan Bator sofria de stresse da cidade e do desemprego. Tenho o meu rendimento seguro aqui. Consigo uma média de um milhão e meio de tugrik por mês [cerca de 500 Euros, ndt], não fico rico mas é mais ou menos o que um funcionário consegue na cidade”.

Conseguiu construir a sua pequena casa com o dinheiro ganho na mina. Onde antes havia barracas de chapa, hoje há casa de tijolo.

A responsável em Mandal é uma mulher, Tuya. É ela que representa a mina na ONG que reúne seis do concelho de Bayan-Ovoo, na província de Bayankhongor. E, tal como reza o panfleto suíço, conseguiu eliminar o álcool, não apenas na mina mas até nas lojas da área. Como? Também com a construção de um campo de basquetebol para garantir que o tempo livre seja bem gasto. Mens sana in corpore sano, como diziam os Romanos.

Entre a “luta do proletariado contra os patrões” e a globalização selvagem pode haver um meio termo: trata-se de unir as forças e dar-se um mínimo de organização. Esta é a base. O resto é apenas uma consequência.

 

Ipse dixit.

Fontes: Gabriele Battaglia via Internazionale, Swiss Agency for Development and Cooperation – Sustainable Artisanal Mining Project

2 Replies to “Mongólia: a mina autogerida e sustentável”

  1. É isso: me referi em post anterior à união de países pobres. Esse exemplo do post refere-se à união de pessoas pobres (lembrando que a proposta veio da Suiça ), mas…obteve a aceitação daquelas pessoas que viviam em condições miseráveis. Estavam elas zumbificadas? A Mongólia é longe demais, diferente demais do que vivo e conheço para ter qualquer opinião, mas é provável que não. Quem está totalmente zumbificado não funciona bem dentro de um projeto autogerido: precisa de ordens o tempo todo, não assume responsabilidades pelo grupo, desistiu de pensar, embora não tenha consciência disso, não inventa, repete, não toma iniciativas, não se determina.

  2. Este modelo de cooperativismo, que parece funcionar muito bem, pode dever-se em grande parte ao facto da atividade ser muito rentável para permitir a autogestão sem stress.
    Muitos outros modelos de cooperativismo falharam. No entanto, é sempre de louvar quando eles têm sucesso, como é o caso.

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