O que é a inteligência artificial – Parte II

Portanto, até agora vimos basicamente o que não é a Inteligência Artificial (AI). Para entender o que ela é, temos que observar os citados três pilares que a compõem:

  • Machine Learning
  • Deep Learning
  • Artificial Neural Network

Machine Learning

Nascido no início dos anos ’80, o Machine Learning é a grande inovação que substitui os códigos de software, escritos à mão por programadores, com outro tipo de instruções para que o computador possa aprender sozinho. A ideia é que se uma máquina, em vez de ser 100% dependente dos softwares humano para saber como realizar uma tarefa, pudesse usar o seu enorme poder computacional para aprender, melhorar a sua avaliação e então completar uma determinada tarefa, obviamente os resultados seriam bem melhores e maiores. Então, ao invés de colocar um software tradicional no computador (Machine), os técnicos permitem que ele aprenda (Learning) inserindo uma grandes quantidades de dados e algoritmos que lhe permitem aprender sozinho como realizar uma determinada tarefa.

O que acontece na prática dentro do cérebro da máquina? Acontece que os algoritmos, que são em si instruções, estudam a massa de dados em entrada, tiram lições, selecionam o que é mais funcional e, em seguida, oferecem ao homem uma tarefa acabada ou uma decisão sobre como fazer algo.

Para dar um exemplo, consideramos a aplicação mais famosa do Machine Learning, que é a visão computacional que será aplicada aos meios de transporte sem condutor (Driverless). O computador usa o Machine Learning para entender os objectos e as formas que estão à frente do carro e executar a tarefa de conduzir. Como mencionado acima, o seu “olho” recebe dos técnicos imensas quantidades de dados sobre esses objectos e formas, aprende a distingui-los usando os seus algoritmos e, consequentemente, tem que completar a tarefa de dirigir o automóvel no meio destes objectos e formas, reconhecê-los e interpretá-los.

Não foi fácil para os pesquisadores no início: pegamos num pião. O pião é molesto: mexe-se, quer atravessar a rua, pára, espera, depois decide proceder mesmo que o semáforo esteja vermelho. Antes que o Machine Learning pudesse reconhecê-lo e evitá-lo, primeiro teve que aprender uma coisa tão simples como onde a sua forma começa e onde termina: só para isso foi necessário um trabalho computacional incrível. Aos nossos olhos, apreender onde uma forma começa e onde acaba parece absurdo, porque para nós a ideia é óbvia: mas não é nada óbvia aos olhos dum computador. Depois há as várias possibilidades: o pião imóvel, de lado, de frente, em movimento, enquanto corre… bilhões de “trivialidades”. Mas a velocidade dos processadores hoje é tal que o progresso do Machine Learning tem sido incrível, e já está a ser utilizado numa infinidade de aplicações industriais, comerciais e tecnológicas, a mais importante das quais é a Medicina de Diagnóstico. Graças ao Machine Learning, um computador pode “ver” milhões de imagens nas placas de raios-x, compara-las, usar esse conhecimento numa placa específica para descobrir o que o médico pode não ter visto. Ou pode conduzir e atropelar o pião, tal como aconteceu há poucos meses nos Estados Unidos. Uma vítima do progresso.

Deep Learning e Artificial Neural Network

São os gémeos dos quais sempre ouvimos quando o assunto for a AI. São, na prática, o mesmo conceito do Machine Learning, mas ainda mais sofisticados e muito mais poderosos.

Vamos começar com os segundos: Artificial Neural Network. Como o próprio nome diz, as Redes Neurais Artificiais são a reprodução (hoje absolutamente rudimentar) do sistema de neurónios que teoricamente cada ser humano deveria ter no cérebro. Uma reprodução que fica no interior dum computador. Em outras palavras: nanda mais códigos de software, mas uma biologia semelhante à humana para fazer as máquinas “pensantes” funcionarem. A ideia não é nada nova, tem cerca de 50 anos, mas só recentemente teve o início prático.

Os pesquisadores constroem camadas de neurónios artificiais (atenção: não são micro plásticos e cobre, mas sim algoritmos) que se conectam entre si. Essas conexões, é claro, não são sequer remotamente ramificadas e capazes como as biológicas, uma vez que são limitadas dentro dum número limitado de possibilidades. Agora, para entender o que acontece numa Rede Neural Artificial e para entender como é, vamos passar para um exemplo prático.

O computador tem que aprender a reconhecer instantaneamente o rosto de um cliente e o que este tem no carrinho de compras, para poder combinar as compras com o rosto e depois o rosto com a conta do banco enquanto o mesmo cliente sai duma loja inteligente, sem manusear dinheiro ou cartões. Começamos pelo reconhecimento do rosto: a imagem é decomposta em blocos que alcançam a primeira camada dos neurónios artificiais. Estes avaliam os blocos e emitem uma opinião chamada weighting (“ponderação”); então tudo vai para a segunda camada de neurónios que faz a mesma coisa, e assim por diante até o fim, quando todas as ponderações juntas chegam a uma conclusão “pensada”. Ou seja: a forma oval da imagem (crânio-mandíbula), o facto desta forma ter duas bolas coloridas paralelas (olhos), com algo colorido em volta (cabelo), outras coisinhas bilaterais (narinas, orelhas), movimentos (músculos faciais), etc., tudo isso é avaliado pelas várias camadas da Rede Neural Artificial e, no final, a máquina chega a uma conclusão: é um rosto.

Esta sequência é repetida pelo computador milhões de vezes (Learning) até conseguir alcançar uma velocidade instantânea no reconhecimento dum rosto. Uma Rede Neural Artificial já experienciada combina esse rosto com o dono da conta do banco (porque tinha na memória, já carregados antes, os rostos dos clientes) e isso serve para completar a tarefa específica que era precisamente o reconhecimento do cliente e a cobrança na conta bancária relacionada. Agora é suficiente replicar essa incrível capacidade milhares de vezes em outros campos operacionais, industriais, sociais para entender por qual razão hoje o Machine Learning e o Artificial Neural Network estão à vista de todos.

Nesta altura é mais simples entender o conceito seguinte: o Deep Learning. Não é nada mais do que a ampliação da técnica descrita acima numa escada cada vez maior e confiando aos computadores algoritmos cada vez mais sofisticados. Foi a ideia do cientista Andrew Ng (da empresa chinesa Baidu) que entendeu como, para acelerar a aprendizagem das máquinas “inteligentes” (mas acima de tudo para permitir que aprendessem conceitos cada vez mais abstratos e portanto próximos daqueles do cérebro humano), era preciso equipá-las com Artificial Neural Networks gigantes e submete-las a doses colossais de dados. Foi Andrew Ng que, ao fazer engolir ao seu computador milhões de vídeos, permitiu que a Rede Neural Artificial aprendesse pela primeira vez a reconhecer um gato, enquanto o gato já reconhecia o computador mas não ligava muito. Replicar este método para permitir que as máquinas aprendam a “pensar” cada vez mais e, portanto, a realizar tarefas cada vez mais complexas, é o Deep Learning.

Estará em todos os lados. Mas agora sabemos o que é.

Mas afinal saber tudo isso serve para quê? Utilizamos o computador, sabemos onde fica a tecla On/Off, até aprendemos a navegar pela internet e agora circulamos com o smartphone no bolso. Não chega?

Não, não chega. Existem duas categorias de pessoas para as quais quanto exposto acima é essencial: os jovens e os adultos. Isso é: todos. Para os adultos, aprender sobre a AI e, em geral, sobre a avassaladora revolução global da novas tecnologias, chamada Disruption, tem um valor político indispensável. Para os jovens, isto é, crianças e adolescentes, é uma questão de entender que aqueles que permanecem fora do entendimento (pelo menos básico) da AI ​​e da Disruption são destinados à exclusão social: é uma questão de alfabetização, só que agora o alfabeto já não é aquele duma vez mas aquele computacional.

Não é preciso ser um génio para entender o valor político da AI. Essas tecnologias têm um poder de análise de dados ilimitado. Hoje a adesão à internet de quase todos os cidadãos (ou a simples posse de um telemóvel) significa que aqueles que têm o poder, possuem legalmente (nada de Cambridge Analytica ou NSA) e gerem milhões de dados por dia sobre nós: o que fazemos, onde estamos, quando; o que dizemos, o que lemos, o que compramos e quanto; descontentamento, mal-estar social, de quem e onde; e muito mais. Até muito recentemente, essa massa cósmica de dados era usada pelas classes dominantes e de forma amplamente incompleta porque não havia a tecnologia para analisá-la e tirar conclusões úteis. Hoje, no entanto, Machine Learning e Data Mining têm varrido a prática de realizar sondagens tal como a calculadora eliminou o ábaco, e permite que as classes dominantes tenham a previsão do poder político e, em seguida, o consenso obtido com uma mais simples e inimaginável manipulação. A própria essência dos partidos irá mudar: a AI é o primeiro instrumento com o qual estarão equipados. Não entendo hoje a ligação entre política e AI é exatamente a forma de pensar de quem, nos anos ’50, recusaram entender a conexão entre a chegada da televisão e a política.

Na economia nacional, que são os nossos empregos, rendimentos, pensões, habitação saúde, etc., a chegada da AI significa uma coisa simples: ampliar o poder de tudo. Isso porque qualquer desenvolvimento disruptivo que hoje se aplica à educação, agricultura, finanças, saúde, transporte, infraestrutura, indústria, a empresa, teria permanecido uma caixa vazia sem uma tecnologia que pudesse analisar e compreender a quantidade cósmica de novos dados e, em seguida, sugerir inovações. A IA existe precisamente para isso e mudará tudo. Para os jovens entender a importância da Ai é muito mais simples: a IA e a Disruption das novas tecnologias estão, já neste momento, a repintar o mundo do trabalho como nunca antes (ou bem poucas vezes) na história humana.

Podemos não concordar, dizer que não é justo, que não passa duma ilusão, que o sistema não vai aguentar. Mas por enquanto aguenta e é assim que vai mudando. E ao mudar põe as bases do amanhã, pelo menos até quando não for encontrado (e sobretudo implementado) algo melhor. A Inteligência Artificial fazem parte das novas regras do jogo. Quando um dos Senhores do mundo de hoje, Google-Alphabet, escreve na homepage:

65% dos estudantes de hoje irá trabalhar em empregos que ainda nem existe.

…bom, esta não é futurologia, é um aviso.

Agora o Leitor conhece pelo menos as bases, sólidas e informadas sobre o que é a Inteligência Artificial e porque não conhece-la já não é uma opção.

 

Ipse dixit.

Relacionado: O que é a Inteligência Artificial – Parte I

Fonte: Paolo Barnard

6 Replies to “O que é a inteligência artificial – Parte II”

  1. Uma palestra muito interessante de Nick Bostrom (Universidade de Oxford) sobre Superinteligência.

    1. Jam bom exemplo.
      Pois, pois…e as fontes são bem credíveis.
      Aguado uma resposta do Max imagina que eras a pessoa a que isto sucedeu?

      Abraços

  2. …outro aviso…

    ” o presidente Putin advertiu: A inteligência artificial é o futuro, não só para a Rússia, mas para toda a humanidade. Vem com oportunidades colossais, mas também ameaças difíceis de prever. Quem se tornar o líder nesta esfera se tornará o governante do mundo.”

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