Coreia do Norte e Estados Unidos: o texto do acordo

O que foi decidido na cimeira de Singapura entre Kim Jong Un e Donald Trump? Após 40 minutos de conversa, foi assinado o seguinte documento:

O documento

O Presidente Donald J. Trump dos EUA e o Presidente Kim Jong-Un da ​​Comissão de Assuntos de Estado da República Democrática Popular da Coreia (RDPC) realizaram uma primeira cimeira histórica em Singapura em 12 de junho de 2018.

O Presidente Trump e o Presidente Kim Jong-Un realizaram uma troca de opiniões abrangente, profunda e sincera sobre as questões relacionadas com o estabelecimento de novas relações EUA-RPDC e a construção de um regime de paz duradouro e robusto na Península Coreana.

O Presidente Trump comprometeu-se a fornecer garantias de segurança à RPDC, e o Presidente Kim Jong-Un reafirmou o seu firme compromisso de completar a desnuclearização da Península da Coreia.

Convencidos de que o estabelecimento de novas relações EUA-RPDC contribuirá para a paz e a prosperidade da península coreana e do mundo, e reconhecendo que a construção da confiança mútua pode promover a desnuclearização da Península Coreana, o Presidente Trump e o Presidente Kim Jong-Un declaram o seguinte:

1. Os Estados Unidos e a RPDC comprometem-se a estabelecer novas relações EUA-RPDC de acordo com o desejo dos povos dos dois países pela paz e prosperidade.

2. Os Estados Unidos e a RPDC vão unir esforços para construir um regime de paz duradouro e estável na Península da Coreia.

3. Reafirmando a Declaração de Panmunjom de 27 de abril de 2018, a RPDC compromete-se a trabalhar para a desnuclearização completa da península coreana.

4. Os Estados Unidos e a RPDC comprometem-se a recuperar prisioneiros de guerra/desapareciados em combate, incluindo o repatriamento imediato daqueles já identificados. Tendo reconhecido que a cimeira EUA-RPDC – a primeira da história – foi um evento memorável de grande significado e superando décadas de tensões e hostilidades entre os dois países e para a abertura de um novo futuro, o presidente Trump e o presidente Kim Jong-Un comprometem-se a implementar o estipulado nesta declaração conjunta de forma completa e expedita.

Os Estados Unidos e a RPDC comprometem-se a realizar negociações subsequentes lideradas pelo Secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, e por um funcionário relevante da RPDC de alto nível, o mais rapidamente possível, para implementar os resultados da cimeira EUA-RPDC.

O Presidente Donald J. Trump dos EUA e o Presidente Kim Jong-Un da ​​Comissão dos Assuntos de Estado da República Popular Democrática da Coreia comprometeram-se a cooperar para o desenvolvimento de novas relações EUA-RPDC e para a promoção da paz, prosperidade e segurança da península coreana e do mundo.

Demasiado vago? Será que a montanha pariu o clássico rato? Talvez, sobretudo tendo em conta que nem o Presidente americano e nem o líder da Coreia do Norte são famosos pela coerência.

Diário português Público:

Em suma, o documento refere-se à total desnuclearização da Coreia do Norte e às garantias de segurança oferecidas pelos Estados Unidos, criando-se novas relações entre os dois países para promover a “paz, prosperidade e segurança”. Fica ainda a intenção de continuar as negociações entre os dois países o mais rapidamente possível, mas muitos assuntos são abordados de forma vaga e grande parte é deixada em aberto.

O que é verdade: fala-se de “desejos”, de “intenção”; não há datas, não há medidas concretas. Mas nada disso apaga a importância da cimeira, que é histórica. Até poucos meses atrás, este dois Países prometiam anular-se reciprocamente com ogivas nucleares: hoje assinam um papel em conjunto. Pode ser que amanhã voltem a ameaçar-se, no entanto hoje estão sentados à mesma mesa.

É uma vitória de quem? Sem dúvida do líder coreano. Tratado como um louco varrido, hoje sentou-se para discutir com o Presidente dos Estados Unidos, sendo reconhecido como figura-chave para qualquer processo de paz na região do Extremo Oriente. Os testes nucleares pagaram: sem os mísseis a sobrevoar o céu do Japão, hoje Kim Jong Un não teria o mesmo poder de negociação.

É uma vitória de Trump também? Definitivamente. Não tem a mesma amplitude da vitória norte-coreana, mas esta Administração passa para os livros de história como a primeira capaz de abrir um diálogo real com o regime de Pyongyang. Se tivesse acontecido com o simpático Barack Obama, já estaria em preparação o segundo Nobel da Paz mais aquele da Literatura. Como é Trump, voam as críticas.

Depois há a China. Que ganha, e bem. O incómodo aliado norte-coreano agora é mais apresentável: já não um regime de loucos mas uma contraparte com a qual é possível dialogar. A guerra na península coreana fica um pouco mais longe, o que é exactamente o que Pequim quer, porque a China usa a arma do comércio e não os tanques. E o comércio precisa de paz.

Os mercados? Quase indiferentes: após uma subida inicial, os valores voltaram à normalidade. Não deve surpreender: o texto do acordo é efectivamente vago, não é possível nega-lo, e os dois protagonistas são bastante “voláteis”. Mas há uma excepção: o Dólar ficou mais forte, isso porque os mercados apreciaram o papel da Administração americana, por uma vez empenhada numa atitude “pacificadora” sem o lançamento de bombas.

Problemas? Sem dúvidas.

Muitas pessoas no mundo vai pensar que este é algum tipo de filmes de ficção científica.

São as palavras do líder norte-coreano Kim Jong-Un ao Presidente norte-americano Donald Trump após o histórico aperto de mão.

Sentados à mesma, os dois líderes atacaram o coquetel de camarão com salada de abacate, polvo, carne costelas servido com batatas e brócolos com vinho tinto, porco em agridoce e arroz, bacalhau com rabanetes e, para sobremesa, bolo de chocolate, sorvete de baunilha e tropezienne (uma espécie de enorme bola de Berlim). Depois é altura de declarações que, como é lógico, seguem a mesma direção.

Kim Jong:

Tivemos uma reunião histórica, decidimos deixar o passado para trás, assinamos um documento histórico, o mundo vai ver uma mudança importante […] Gostaria de agradecer o Presidente Trump por fazer que este encontro acontecesse.

É a vez de Trump:

O nosso relacionamento com a Coreia do Norte será algo muito diferente do passado, desenvolvemos um vínculo muito especial. Há muita satisfação e muita alegria, quero agradecer o Presidente Kim. Passamos muito tempo juntos, foi muito melhor do que poderíamos ter previsto e isso trará muito mais. É uma honra estar com o Presidente Kim.

Estes são os mesmos dois homens que até poucas semanas atrás mediam as forças com base no tamanho das suas ogivas nucleares. Hoje partilham os louros com um aperto de mão de 13 segundos. Deve ser o efeito do tropezienne.

Amanhã? Os problemas voltam, todos. Kim continua a ser o líder dum regime que de democrático nada tem, onde as liberdades individuais são apenas teóricas. Trump permanece qual máximo representante daquela inculta barriga gorda tipicamente norte-americana. Não sabemos se a Coreia irá desnuclearizar, nem se os Estados Unidos estarão dispostos a abdicar da península coreana com função de portaviões avançado. Há dúvidas e são legitimas.

Mas para já, esta é uma das cada vez mais raras ocasiões em que dá para escrever algo positivo. Não é mal, pois não?

 

Ipse dixit.

Fonte: Público

Imagem: The Telegraph

6 Replies to “Coreia do Norte e Estados Unidos: o texto do acordo”

  1. Vitoria do líder Coreano ? Um peixinho vermelho negoceia com o tubarão e sai vencedor? A RPCN tem recursos naturais e mão de obra barata e as multinacionais americanas estão de malas feitas para os sugar até ao tutano, e maior evidencia consta do post, o dólar saiu reforçado. Kim é um respeitável atrasado mental , algum pais até hoje negociou com o império americano e saiu vencedor?

    1. @P.Lopes (lol um dos velhotes dos marretas)
      Isso é a narrativa dos midia.
      Recursos? Alguns irrelevante, o mais importante é a localização geográfica.
      É estratégica para os 3 vizinhos.
      É um pouco como o canal do Panamá(tirando o resto e offshores etc)
      Quem faz fronteira com a Coreia (do Norte) e quem vai lá investir?
      Já combinado a tempos? Até se sabe em quê e onde.
      Daqui por uns anos(demora sempre) a Coreia é uma e repito a pergunta quem tem lá não um mas 2 portos, a quem interessa conectar com a China(trens de alta velocidade) e vice-versa, quem vai lá colocar indústria? Houve 2 cimeiras antes com estes “vizinhos”.
      Aos US pede-se que acabem com cowboyadas na península e ai até recebem parte do bolo.
      Simples e não morreu ninguém.

      Vamos a ver Trump ou quem está por trás não é burro, porque apostou e aumentou o orçamento da indústria de armamento?
      Por que tirando isso já não produzem nada ou quase, está tudo em locais com salários mais amigos da mesa dos principais accionistas, para desfrutar por várias vidas. Até agora já conseguiu trazer trabalho de volta? É algo pifio, são privados vão para onde tirarem mais lucro.(se conseguir parabéns)
      Mais tarde ou mais cedo quem vive exclusivamente de serviços, e quando a bolha da divida ou até a reserva federal começar a apertar (e são 320 milhões) vai dar confusão e da grande basicamente tudo ou vá 70% a 80% ou mais feito fora. Tirando armamento e r&d(que já começa a ser ultrapassado), mesmo esses r&d vão para outras latitudes, fica mais barato.
      O próprio sistema vai se auto destruir(só serve o chamado 1% e quem os serve) e depois algo diferente virá.
      Quando é que isso acontece é uma incógnita? Mais tarde pior.

  2. Não sei pq mas lembrei duma máxima de 1 estadista: “mais vale um inimigo honesto do que um aliado desonesto”.

    1. Olá Maria!

      O que acho é que a Coreia do Norte foi aquela quer ganhou mais nesta história da cimeira porque, com a série de ensaios nucleares, conseguiu obrigar os EUA a sentar-se à mesa das negociações. Os EUA poderiam ter recusado? Difícil. Notar que antes a Coreia do Norte estabeleceu contactos amigáveis com o governo da Coreia do Sul, só depois convidou Washington para um encontro: mas naquela altura, com os negociados em bom andamentos entre as duas Coreias, teria sido difícil recusar.

      Mesmo assim, os EUA poderiam ter ignorado os eventuais protestos internacionais e ter recusado na mesma, isso é verdade. Todavia, já na campanha eleitoral Trump fez questão de frisar como o seu empenho teria sido focado no interior e não no exterior. Uma mudança de paradigma fundamental. Trump vinha da derrota na Síria, pelo que um acordo de paz alcançado com um dos “piores” inimigos dos EUA não é tão mau todo somado.

      Acho que os EUA não vão perder a posição estratégica da península coreana com o sorriso nos lábios, pelo que esta história da paz entre os dois Países ainda tem muitos capítulos para escrever (os EUA tinha um acordo sobre o nuclear também com o Irão…). Muito dependerá do tipo de abertura de Pyongyang: se será possível abrir McDonald’s na Coreia do Norte então poderá ser paz, caso contrário o acordo terá as pernas curtas.

      Estamos habituados à linha das últimas décadas: Clinton, Bush, Obama… tudo muito previsível. Trump não é tão previsível assim, é mais errático. Também no caso da Síria: ameaçou uma espécie de Armageddon, afinal foram alguns foguetes que provocaram bem poucos danos. A razão deste ser errático pode prender-se com os inimigos internos: até a que ponto Trump controla a CIA ou a Nato? Quais e quantas são as lobbies americanas que trabalham contra o Presidente? Qual o verdadeiro poder delas?

      Na base há sempre o trabalho das elites, isso é claro. Mas no interior das elites há empresas mais próximas dos democratas, outras dos republicanos: perder um fornecimento à Defesa em prol dum concorrente (sempre americano e sempre ligado à elite) significa ter de abdicar dum oceano de dinheiro. A eleição de Trump deslocou o centro de gravidade da elite democrata para a republicana: sempre elite é, não há dúvida, mas os cofres não são os mesmos. As elites sempre trabalham para o bem delas, mas ganhar dinheiro e poder no interior das elites é também um desafio constante: e perder o referente político (ou apoiar um político perdedor, como no caso da Clinton) tem custos muito pesados.

      Grande abraçooooooo!!!!

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