A luta dos “outros” hebraicos

Para entender como “anti-semitismo” e “anti-sionismo” sejam dois subjectos distintos, a coisa melhor é deixar falar as principais vítimas do Estado de israel (além dos palestinianos, como é claro): os hebraicos não-sionistas.

Totalmente ignorados pelos órgãos de comunicação oficial, não apenas existem mas estão bem activos na luta pela libertação do País deles e na defesa dos seus valores. Não há no Ocidente media que expliquem o drama dos autênticos judaicos, por exemplo, perseguidos nas terras deles ou simplesmente dos hebraicos que não conseguem reconhecer-se num regime anti-democrático: estas lutas são totalmente ignoradas na tentativa de apresentar o Estado de israel como algo compacto, monolítico, todo junto na defesa do sionismo. Assim não é: em israel há quem lute para defender a liberdade contra a opressão sionista.

O trecho a seguir pertence à declaração de princípios que podemos encontrar no site Israel versus Judaism, um dos sites mantidos pela comunidade hebraica (e judaica neste caso) anti-sionista. As imagens que acompanham o artigo retraem os confrontos durante as manifestações anti-sionistas no passado mês de Novembro, em israel.

Porque os judeus ortodoxos recusam servir no exército israelita?

Provavelmente nenhuma legislação na história do Estado de Israel gerou tanta
controvérsia e protestos públicos quanto a lei aprovada em 12 de Março de 2014, que exigia que os judeus ortodoxos servissem na Força de Defesa Israelitas [IDF]. Por qual razão os judeus anti-sionistas recusam-se servir no IDF? Porque estavam isentos até agora? E porque o governo estava tão determinado em aprovar essa lei, que ainda é causa de protestos em massa e prisões quase todas as semanas?

Os religiosos judeus vivem na Terra Santa há centenas de anos, pacificamente. Eles vieram para estudar a Torah, rezar e absorver a sua atmosfera santificada. Eles vieram para viver pacificamente ao lado dos moradores da terra, sem aspirações políticas.

Infelizmente, o movimento sionista veio depois, com um propósito diferente em mente. Chegou para dominar a terra e criar um Estado. Rapidamente, foram instigados conflitos e envolveram-se em guerras contra a população local não-judia e com os Países vizinhos.

Também em outro nível, o objectivo dos movimentos sionistas era transformar a religião judaica num secularismo, um nacionalismo. Estavam empenhados em arrancar e destruir as comunidades judaicas ortodoxas.

Desde o início do conceito sionista, a população judaica indígena esteve em total oposição perante o novo movimento sionista.

O movimento foi veementemente denunciado por todas as autoridades rabínicas como uma violação do judaísmo. A Torah ensina que a Terra Santa foi dada aos judeus pelo Todo-Poderoso e tirada deles há 2000 anos pelo Todo Poderoso. Desde que o Todo-Poderoso enviou os judeus em exílio, somente Ele pode redimi-los do exílio; não devemos aspirar ao nacionalismo político. Somos obrigados pelo juramento divino a aceitar o jugo da diáspora e viver em paz e harmonia nas nações em que o destino divino nos colocou. Os judeus estão proibidos de criar um Estado soberano próprio, de rebelar-se contra qualquer nação, de derramar qualquer sangue ou de combater contra qualquer nação.

Escusado será dizer que a comunidade ortodoxa judaica na Terra Santa viveu nos melhores termos com os seus vizinhos não-judeus. Essa coexistência pacífica era típica dos judeus que viviam em todo o Médio Oriente nos Países muçulmanos antes do sionismo.

Quando o Estado foi fundado, em 1948, por meio de crimes, injustiças e violações contra a religião judaica, a comunidade ortodoxa foi repelida pela conduta imoral dos sionistas e recusou-se a servir no exército sem lei, a enganosamente definida como “Força de Defesa de Israel”.

Os sionistas na altura entenderam que não podiam forçar a antiga comunidade religiosa a participar no seu exército e nas suas guerras. Os líderes sionistas sabiam que não estavam poderosos o suficiente para forçar os judeus a rebelar-se contra o Todo-Poderoso. Aqueles judeus religiosos não transgrediam as leis da Torah que haviam defendido por gerações.

As décadas passaram, a comunidade ortodoxa cresceu, e a liderança israelita mudou de tom. Não suportava ver uma grande comunidade de judeus antiquados no meio deles, judeus que mantinham os ideais do judaísmo, vivendo calma e pacificamente com os seus vizinhos árabes, seguindo a Toras, sem interessar-se no poder político e opondo-se à existência do Estado. Eles queriam que a comunidade religiosa se juntasse a eles e abandonasse a sua religião. E qual melhor maneira de mudar a comunidade religiosa do que alistar os jovens no exército e doutriná-los?

Durante décadas, o chamado governo israelita tentou, com todos os meios, mudar a visão e destruir os valores do verdadeiro judaísmo. Mas a comunidade religiosa permaneceu sem ser influenciada por esta propaganda. Agora eles decidiram o recrutamento forçado no exército imoral como meio de doutrinar a nossa juventude.

Eles não apenas insistem para que seja aceite o seu movimento, mas tentam forçar o nosso povo a participar activamente nas suas ações perversas e, ao fazê-lo, violam o judaísmo. Além disso, eles só precisam desses recrutas, rapazes judeus vestidos com yarmulkes e barbas, a fim de reforçar a afirmação de que eles representam o judaísmo e todo o judaísmo.

Dezenas de judeus ortodoxos foram recentemente presos por causa da recusa em servir na Força de Defesa de Israel. Os judeus religiosos que defendem as suas crenças estão a ser brutalizados. A polícia israelita invade as casas das pessoas no meio da noite, arrastando-as para fora e atirando-as nas prisões por meses e até anos.

Mas as nossas comunidades recusam participar no imoral exército israelita. Nós não abandonaremos os nossos valores da Torah! Não vamos mudar as nossas crenças. Fieis à Torah, nunca serviremos nas forças armadas dum Estado que não reconhecemos.

Como um membro da comunidade judaica de Jerusalém comentou:

Durante todos esses anos sofremos de forma indescritível sob o domínio israelita, mas perseveramos isolados nas nossas comunidades e preservando o nosso modo de vida. Agora querem nos forçar a lutar no exército deles. Querem a nossa rebelião contra o Todo-Poderoso, para oprimir e massacrar outro povo, para ajuda-los a criar inimigos no mundo e para retratar-nos como parceiros nas campanhas militares deles.

Os judeus ortodoxos da Terra Santa, com a ajuda do Todo Poderoso, continuarão a ir para a cadeia e submeter-se a quaisquer punições que o Estado possa inventar: não sucumbirão a este decreto de recrutamento forçado. Nós rezamos o Todo-Poderoso para um rápido, pacífico e total desmantelamento do Estado sionista de Israel.

Pessoalmente não concordo com o desmantelamento do Estado de israel: se for verdade que durante centenas de anos os hebraicos conseguiram viver na Terra Santa ao lado dos árabes de forma pacífica e sem a necessidade de constituir um Estado soberano, a formação duma nova realidade institucional hebraica (não sionista!) no Médio Oriente não deve assustar.

As soluções dos dois Estados (um hebraico, outro palestiniano) ou dum Estado único (que possa hospedar tantos os hebraicos quanto os muçulmanos) são ambas viáveis: é uma questão de pura e simples vontade. Quando houver vontade, encontra-se também o mútuo respeito. Todavia, premissa inevitável é a destruição do actual Estado sionista: não pode haver paz, tolerância ou convivência no interior duma realidade que é por sua natureza opressora.

Ipse dixit.

18 Replies to “A luta dos “outros” hebraicos”

  1. Dúvida crucial Max: existe dois Torah, um dos judeus ortodoxos e outro dos judeus sionistas? Nunca li Torah algum. mas sempre recebi informações que o dito cujo era um livro de ódio racista que tratava pejorativamente os outros (não judeus, o povo eleito) como gentios a serem exterminados, escravizados e outros privilégios. Estou tão enganada assim? Por favor, alguns esclarecimentos seriam bem vindos e agradeço antecipadamente.

    1. Gostava de saber também, tenho essas mesmas dúvidas que foram colocadas em cima pela Maria?

      ps:Só a Bíblia é o Corão e já bastou.
      Tem "valores básicos" de resto fábulas retorcidas, sujeitas a múltiplas interpretações. E o cómico é que muitos que pregam nunca leram. Ou conhecem mas deturpam para receber o dízimo.
      E antigamente controlar e assustar as pessoas com outro produto da imaginação um tal de inferno.

      Venham daí esses esclarecimentos
      nuno

    2. O que fala que gentil vale menos que um cachorro, que gentil foi criado para ser serviçal e que tem mais que ser é roubado é o talmude babilonico!

    3. Torá (5 Livros de Moisés): teria sido ditada p/Deus. O Devarim (testemunho de Moisés), escrito por ordem expressa de Deus, que ditou o livro como se Moisés se dirigisse ao povo. [cfe Aryeh Kaplan/Handbook of Jewish Thought]
      Junto com a Torá, Deus deu a Moisés uma explicação oral. São duas Toras, a Escrita e a Oral, que se complementam. Alguns dos 613 preceitos (mandamentos) na Torá escrita não possuem detalhes.
      A Torá Oral era transmitida boca a boca, de prof. para aluno.
      Moisés teria recebido regras hermenêuticas para derivar as leis da Torá Escrita e interpretá-la. Os 2 tipos de leis têm mesmo status que as leis bíblicas e igual importância.
      A Torá oral passada por Anciãos/Profetas/sacerdotes até a Grande Assembleia liderada por Ezra no início do 2º Templo que codificou grande parte da Torá Oral para que pudesse ser memorizada p/alunos. Esta codificação é a Mishná.
      Variações na Mishná surgiram entre mestres. Para acabar com disputas, Rabi Yudah, o Príncipe, redigiu uma edição definitiva da Mishná acabada em 188, publicada após 30 anos e que vinga até hoje. Dividiu a Torá em 6 ordens e subdividiu estas ordens em 63 tratados.
      Até posições rejeitadas foram reconhecidas para não mais serem revividas.
      Além da Mishná, outras obras foram compiladas por alunos de Yudah na época. Obras fora da escola de Yudah chamavam-se Baraita.
      No período que precedeu Yudah, leis memorizadas se desenvolveram na Mishná, ao passo que suas análises criou uma 2ª disciplina, a Guemará, desenvolvida oralmente por cerca de 300 anos após a redação da Mishná. Qdo em risco de ser esquecida/perdida, Rav Ashi, em sua escola na Babilônia, coletou/ordenou estas compilações, completada em 505.
      Juntas, Mishná e Guemará são chamadas de Talmude. Ambas contêm regras legais/discussões antigas e futuras.
      A comunidade em Israel compilou 1 Talmude no séc. 3, o Talmude Jerusalém. O Talmude Babilônico foi compilado 200 anos depois e é universalmente aceito como autoritativo. Em questões de concordância, ambos são consultados. Qdo se trata de disputa, o Babilônico tem precedência, e com freqüência é chamado simplesmente de Talmude.
      Na Torá Oral há 2 componentes, Halachá e Agadata. A Halachá constitui cerca de 90% do Talmude e quase todo Midrashim Haláchico. A Agadata forma os outros 10% do Talmude, com tratados/outras obras Midráshicas.
      A Halachá consiste de definições/fontes/explicações da Torá. A Agadata consiste do mundo de ideias judaicas. Basicamente lida com princípios da fé/filosofia/ideias éticas do Judaísmo. Inclui interpretações dos versículos/histórias bíblicas não relacionados com a Lei Judaica; exposições da importância das leis e recompensas/punições que acarretam; conselhos práticos s/assuntos mundanos, como negócios e saúde.
      Agadata é muitas vezes intencionalmente obscura e sua mensagem, uma das ideias básicas do Judaísmo, é revestida no que parece ser parábolas/enigmas/conselhos práticos sem conteúdo religioso aparente. Textos escriturais geralmente são entendidos de modo exegético.
      O Talmude é complemento da Bíblia. Preenche lacunas e explica leis da Torá. Inclui histórias/ditos que oferecem filosofia/sabedoria ao Judaísmo. Mas difícil de ler pq contém discussões (ocorridas em séculos) como forma de prova ou refutação.
      O Judaísmo considera a Torá sua obra mais sagrada, e as leis bíblicas as mais importantes. Os Profetas (Yehoshua/Shemuel/Melachim/Yeshayáhu/Yirmiyáhu/Yechezkel e os 12 Profetas) são palavras divinamente inspiradas ao povo e as Sagradas Escrituras (Tehilim/Mishlê/Job/Shir Hashirim/Rut/Echá/Cohêlet/Esther/Daniel/Ezra/Divrê-Hayamim) são divinamente inspiradas dos profetas escribas. Sob a perspectiva legal, leis bíblicas são mais importantes que leis rabínicas. A proibição bíblica supera a proibição rabínica.

  2. O sionismo é tão descolado do semitismo que os dois territórios cogitados para implantar o novo Estado de Israel eram a Palestina e…a Argentina, dos argentários portenhos…Assim como o território brasilis, los hermanos são dominados por sionistas… A mesma Argentina que acolheu inúmeros nazistas…mera "coincidência"…

    1. Chaplin… A obra prima do mestre não ė a mesma coisa que a prima do mestre de obra

  3. No contexto do rescaldo nazista, inúmeros oficiais e cientistas negociaram seus futuros com o sionismo, e entre os principais destinos estava a Argentina…

  4. Chaplin: mil agradecimentos pelas explicações que desconhecia totalmente. Mas se tu, o Max ou outro que conheça/pesquise o assunto puder me dizer em que livro, em que lugar e usando quando, a partir de quando, aparece a tal divisão entre "povo eleito" com determinação de submeter os demais da humanidade, eu agradeceria.
    Por sinal, a história do sionismo me parece um conteúdo fantástico que enriqueceria, pelo menos, os meus conhecimentos e encantaria os demais comentaristas e leitores de II. Que tal Max!?

    1. Olá Maria! Difícil resumir. O conceito de "povo eleito" surgiu na própria tradição oral, como forma de sensibilizar/apaziguar/unificar tribos dominadas. Uma espécie de propaganda pioneira. Vindos do Egito, era um contingente composto por judeus e egípcios com ferramental diferenciado, observado com desconfiança pelas tribos da região palestina. Pela dificuldade de encontrar terras férteis desabitadas, passaram a atacar tribos mais desprotegidas, sucessivamente, e assim se agigantaram perante as demais tribos. Perceberam o sucesso do efeito da tal "supremacia" e desde então seus serviços de inteligência (para usar definição atual)trataram de desenvolver o que seria a mais importante propaganda elaborada da espécie humana: A Bíblia Hebraica.

  5. Maria, foi lá na babilônia ou cercanias que deus escolheu um tal de abrão que depois passou a se chamar de abraão que, depois de muito tempo, deus engravidou a idosa esposa deste que teve um filho que o mesmo deus mandou matar, mas deus mudou de ideia na ultima hora.
    Esse espcapou por um triz!

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