Yemen: a guerra e a imprensa

É uma guerra da qual se fala pouquíssimo, quase nada. Mas o que se passa no Yemen é uma guerra verdadeira, com destruição, morte e feridos. Com dois defeitos:

  1. envolve um País sem recursos. Isso é: sem gás, sem petróleo, quem quer saber do Yemen?
  2. é uma guerra desencadeada pela Arábia Saudita com um único objectivo: controlar um País soberano. Dado que a Arábia Saudita é aliado ocidental, melhor não falar de certas coisas.

Lembramos: em 25 de Março de 2015, para travar o avanço dos Huthi na guerra civil do Yemen, 150.000 homens das forças terrestres e 100 aviões da Força Aérea da Arábia Saudita (com o apoio de 10 Países árabes: as monarquias do Golfo mais Egipto, Sudão, Marrocos e Jordânia) atingiram as posições dos Huthi na maior ação militar já realizada por Riad, na tentativa de trazer de volta ao poder o ‘Abd Rabbih Manṣūr Hādī, adquirindo o controle total do espaço aéreo iemenita.
A razão? A Arábia é sunita, ‘Abd Rabbih Manṣūr Hādī é sunita, os rebeldes são xiitas. Muito simples.
A intervenção (que conta com o apoio indirecto dos Estados Unidos) deveria ter sido coisa rápida, uma questão de semanas. Mas desde então passaram três anos e o fim ainda está longe.

Entretanto, várias organizações de direitos humanos fazem as contas: a campanha militar árabe contra outro País árabe matou ou feriu mais de 600.000 civis, incluindo mais de 250.000 crianças.
Num comunicado divulgado esta semana, o ramo iemenita desta organização informa que os bombardeios realizados sobre o Yemen produziram a morte directa de 38.500 pessoas.
Um total de 2.949 crianças e mulheres, além de 8979 homens, ficaram feridas ou foram mutiladas como resultado dos ataques aéreos.

Mas há também as vítimas indirectas. Mais de 247.000 crianças perderam a vida devido à grave desnutrição (o Yemen é País muito pobre) e 17.608 civis morreram por causa da impossibilidade de viajar para o estrangeiro e receber os tratamentos médicos dos quais necessitavam.

O relatório também destaca que a campanha militar saudita destruiu 2.641 escolas e centros educacionais, deixando 2.5 milhões de estudantes sem acesso à educação primária, secundária e universitária. Da mesma forma, foram destruídas 600 entre mesquitas e instalações turísticas, mais 393 sítios arqueológicos.

Em fevereiro, a ONU alertou que a situação no Yemen é uma autêntica catástrofe humanitária e que no País está a desenvolver-se uma epidemia de cólera: milhões de pessoas estão em risco por causa da doença e da fome. São estes os efeitos da guerra e do bloqueio naval que aperta o País.

A ONU apelou mais uma vez o regime saudita saudita para que ponha fim a essa “estúpida guerra”. São apelos absolutamente inúteis se não acompanhados por medidas coercitivas, tais como poderiam ser uma série de sanções. Mas na ONU assustam-se só a falar de certas coisas: um apelo é inútil mas custa muito menos.

Pena porque haveria razões para medidas mais sérias: além de ter atacado um País soberano, a Arábia viola o direito internacional humanitário pelo facto de utilizar armas proibidas, tais como bombas de fragmentação. Imaginemos o que aconteceria se o governo da Síria utilizasse apenas uma bomba de fragmentação contra os “rebeldes moderados” que disparam contra os cidadãos de Damasco. A Arábia utiliza um número indefinido de bombas de fragmentação contra as forças xiitas e os cidadãos do Yemen sem que haja consequências além dum “apelo”.

A posição da imprensa

Por outro lado temos o silêncio dos órgãos de informação. Seria simples falar de “media atlantistas” que obscurecem o conflito. Mas não é tão simples.

Decidi fazer uma pesquisa entre aqueles que são os diários mais lidos em alguns Países, principalmente aqueles que não fazem parte da Nato. Eis os resultados encontrados hoje (27 de Março de 2018) nas secções dedicadas aos acontecimentos do Mundo: quando possível foi procurada a última notícia publicada acerca da guerra no Yemen.

Venezuela
2001: nada
El Nacional (secção Médio Oriente): nada (última: 6 de Dezembro de 2017)
La Verdad: nada
Panorama: nada (nenhuma notícia encontrada em arquivo)
Versión Final: nada (13 de Março de 2017)
El Impulso: nada (10 de Dezembro de 2017)

Bolívia
El Diario Intenacional: nada (6 de Outubro de 2016)
La Razón: nada (13 de Março de 2018)
Los Tiempos: nada (28 de Dezembro de 2017)

Cuba
Granma: nada (4 de Dezembro de 2017)
Tribuna: nada (23 de Abril de 2015)
Prensa Latina: Sim

Índia (só diários em língua inglesa)
The Indian Express: ontem
Deccan Chronicles: ontem
Industan Times: Sim
The Hindu: ontem
Times of India: Sim

Japão (só diários em língua inglesa)
The Japan Times: ontem
Japan Today: Sim

Brasil
Folha de S. Paulo: nada (19 de Dezembro de 2017)
Estadão: Sim
O Globo: nada (22 de Março de 2018)
Jornal do Brasil: nada (16 de Dezembro de 2017)

Agências de imprensa
RT (versão internacional): Sim
Sputnik (versão internacional): Sim

Estados Unidos
The New York Times: Sim
The Washington Post: ontem
Los Angeles Time: nada (22 de Março de 2017)
Daily News: ontem (3 artigos)
New York Post: nada (28 de Dezembro de 2017)
Chicago Tribune Sim (três artigos)

O resultado desta breve pesquisa é decepcionante. Há notáveis excepções (as agências de imprensa russas, a agência cubana Prensa Latina, a imprensa da Índia, os diários ingleses do Japão e o surpreendente Estadão do Brasil), mas muitos dos diários online parecem não estar interessados no que se passa no Yemen.

E a decepção aumenta ao constatar que é mais fácil encontrar notícias acerca do assunto nos diários de Portugal, Italia, França ou Espanha, Países que fazem parte da Nato. Nomeadamente, Le Figaro (França) e La Repubblica (Italia) dedicam amplo espaço e especiais de aprofundamento à guerra no País árabe.

Como interpretar isso? Não sei, esta não foi uma pesquisa “científica”: limitei-me a procurar a palavra “Yemen” (ou “Iemen”) nos diários mais lidos em alguns Países. Agora, que os resultados são interessantes, isso sim.

Ipse dixit.

Fontes: no artigo. 

8 Replies to “Yemen: a guerra e a imprensa”

  1. Olá Anónimo!

    Pequena correção: a Arábia Saudita não interceptou nada pela simples razão que os mísseis Patriots (Patriot Advanced Capabilities-2, PAC-2) não conseguiriam ver um elefante parado no céu. Moon of Alabama (http://www.moonofalabama.org/2018/03/two-failures-in-one-day-missile-defense-is-an-embaressment-it-wont-work.html) acaba de publicar um ótimo artigo com imagens do embaraçoso falhanço.

    Pergunta: então por qual razão são disparados os Patriots?
    Porque custam 2-3 milhões de Dólares cada e a empresa produtora Raythen (contractor da Defesa dosa EUA) é propriedade de nomes quais BlackRock Institutional Trust Company, BlackRock Advisors, Bank of America, Bank of New York Mellon, Deutsche Bank, Wellington Management Company (finança), Vanguard Group (finança), State Street Corporation (banco e finança), Macquarie Group (finança).

    Abraçoooo (e obrigado)!!!!

    1. o que é muito estranho, é que aconteceu um massacre com mais de 10.000 mortos e nada de virar notícia, mas 7 mísseis com um morto tava em destaque em vários sites.

  2. Faltou mencionar o blog Informação Incorrecta que fala da guerra no Yemen.
    De resto temos a habitual hipocrisia internacional.
    O Yemen precisava de uma estrela aos comandos do país, para saltar para as primeiras páginas dos jornais. Um Cristiano Ronaldo da politica como o Kim Jong-Un, um Bashar al-Assad ou um Kadafi.

  3. Pois é Krowler. E estrelas nacionalistas a serem demonizadas. Esta é uma função primordial da imprensa: louvar quem precisa ser louvado e demonizar que convém ser demonizado, em especial em países ricos em gás e petróleo e/ou dispostos a negociar em outras moedas que não o dólar. Não tenho muita certeza mas quem sabe ninguém a demonizar na Somália, no Timor Leste, naquelas ilhotas (cheias de gente) que estão a afundar, nas Guianas.no Butão… Tem tanto lugarzinho miserável insonso que, pelo menos aqui, não se houve falar nestes tempos. Alguns por sinal nunca me lembro de terem sido mencionados.Por sinal também quem se alimenta e se educa da mídia majoritária vive em outro planeta: o mundo habitado e com história corresponde aos pontinhos fulgurantes que se mostram ao observador de fora do planeta, o resto é breu, sem vida e sem história que começou com a escrita, e a maior selvageria que aconteceu foi o holocausto judeu durante o apogeu do nazismo na Alemanha. Não é mesmo uma coisa interessante?

Obrigado por participar na discussão!

This site uses User Verification plugin to reduce spam. See how your comment data is processed.

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.

%d bloggers like this: