Arábia: as torturas do Ritz e a venda da Aramco

O Hotel Ritz em Riad

O Príncipe saudita Mohamed bin Salman está de visita no Reino Unido, onde foi
recebido pela Rainha Elizabeta. Não é uma visita de cortesia: o Príncipe quer colocar na Bolsa de Valores a Aramco, a empresa petrolífera saudita mais importante. E a Bolsa escolhida terá assim uma importante mais valia.

Apesar de Donald Trump ter pedido ao Príncipe para escolher Wall Street, Mohamed bin Salman parece intencionado a preferir a City londrina. E, pontual como um relógio suíço, eis que o New York Times publica um artigo venenoso acerca da Arábia. Quando se diz “o acaso”…

Foi no início de Novembro passado, quando mais de duzentos dignitários sauditas mais influentes foram trancados no hotel de cinco estrelas Ritz e obrigados a aceitar penas severas.
Escreve o NYT:

Os empresários que já foram considerados gigantes da economia saudita agora usam fitas nos tornozelos que seguem os seus movimentos […] Os Príncipes que geriam o aparelho militar e apareciam nas revistas cor de rosa são controlados por guardas que não comandam.

E ainda:

Famílias que voavam em jatos privados não podem acessar as suas contas bancárias. Mesmo esposas e filhos estão proibido de viajar.

As autoridades sauditas justificaram o ataque como sendo uma operação anticorrupção.
Na realidade, como o NYT reconstrui, o jovem e desenfreado Mohamed Bin Salman queria garantir o seu papel como sucessor do trono, eliminando os parentes do rei, mesmo que estes já tivessem indicado ele como o próximo monarca. Evidentemente, Mohamed bin Salman queria ficar bem mais descansado.

Não só sucessão: como já relatado, naqueles dias bilhões de Dólares foram transferidos das contas dos homens presos para o controle do Príncipe Herdeiro, aumentando a sua riqueza privada.

Mas há mais um lado obscuro nesta história: o NYT detalha como os quartos do hotel Ritz foram o cenário de “coação e abusos físicos”, de modo que alguns dos presos foram obrigados a recorrer ao tratamento hospitalar, enquanto um deles morreu com o pescoço “não naturalmente torcido” e o corpo cheio de golpes e queimaduras.
Continua o diário americano:

Os parentes de alguns dos presos disseram que os detidos foram privados do sono, espancados e interrogados com a cabeça fechada num capuz.

Tudo, obviamente, sem qualquer base ou proteção legal.
E o pesadelo continua: a maioria dos prisioneiros foram liberados, mas não estão livres, são continuamente vigiados e o de represálias evita que falem livremente.
Conclui o NYT:

Ninguém pode falar sobre o que aconteceu no Ritz.

Embora as autoridades sauditas tenham negado esta versão dos factos, o
NYT defende as suas fontes sauditas. Pelo menos até quando o Príncipe
não escolher Wall Street para a sua empresa petrolífera.

Doutro lado, o Príncipe saudita é considerado pelo Ocidente como um aliado indispensável na luta contra a influência iraniana no Médio Oriente e para obter a mudança de regime na Síria. Ryad financia as milícias jihadistas na região e, com a entrada em guerra no Yemen, é também um óptimo cliente das industrias dos armamentos.

Será por causa disso que o País saudita é definido como sendo uma “monarquia” e não um “regime” como aquele de Damasco. Potência das palavras.

Bin Salman, o Príncipe filantropo

Mohamed bin Salman

Mas afinal: quem é o Príncipe Mohamed bin Salman?

Mohammad bin Salman bin Abdulaziz Al Saud (também conhecido como MBS) nasceu em 31 de Agosto de 1985 e é o Príncipe Herdeiro da Arábia Saudita; também é Vice-Primeiro Ministro, Presidente do Conselho dos Assuntos Económicos e Ministro da Defesa. Filho do Rei Salman, na verdade é MBS o verdadeiro titular do poder no País, sendo que o pai sofre de demência.

A carreira dele tem sido aquela dum “normal” príncipe árabe: boas escolas, vários cargos no sector privado, depois a entrada no mundo da política. No Ocidente são frisadas algumas suas reformas bem-sucedidas, que incluem a limitação dos poderes da polícia religiosa,  a remoção da proibição de conduzir das mulheres, os primeiros concertos públicos duma cantora, o primeiro estádio desportivo a admitir
mulheres. Mas há outra face também.

MBS é acusado de provocar a instabilidade no Médio Oriente e vale a pena lembrar neste âmbito a detenção de ativistas de direitos humanos, a intervenção militar no Yemen, a crise diplomática saudita com o Qatar, o início da crise diplomática com o Líbano, sem esquecer o financiamento que a Arábia proporciona aos “rebeldes moderados” (terroristas) da Síria e o financiamento do defunto Estado Islâmico.

Filantropia ao vivo na Arábia

Na vertente interna, apesar das reformas prometidas, a taxa de perseguição e prisão de ativistas de direitos humanos e opositores políticos aumentou sob a sua governação. Isso sem esquecer das condições nas quais são mantidos os trabalhadores estrangeiros e o tráfego de escravos, sobretudo pro motivos sexuais.

Obviamente, é MBS um filantropo.
Mohammad bin Salman é o Presidente da Fundação Príncipe Mohammad bin Salman, que visa ajudar as novas gerações e é parceira da UNESCO. Mas nem todas as novas gerações podem ser incluídas no programa.

Por exemplo, no estrangeiro ficam excluídos os jovens do Yemen (pelo menos os que ainda sobrevivem apesar das bombas de Riad) enquanto na Arábia não podem ser ajudados os rapazes condenados à morte por não concordar com a política do filantropo bin Salam.

É este o caso de Ali Sa’eed al-Ribh (condenado à morte por decapitação e crucificação, nesta mesma ordem), de Dawoud Al Marhoon, de Abdullah al-Zaher, de Abdulkareem al-Hawaj: todos de menor idade na altura do julgamento, todos responsáveis por ter protestado contra o regime, todos condenados à morte.

Ipse dixit.

Relacionados:
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Fonte: The New York Times

8 Replies to “Arábia: as torturas do Ritz e a venda da Aramco”

  1. Alguém que faça o trabalho sujo é sempre um excelente aliado.
    'Wich path to Persia' – Este projeto precisa deste príncipe e este príncipe precisa deste projecto. Não existe, por isso, motivo para não se entenderem.

    Krowler

  2. A história envolta pela busca de dominação sempre esteve cheia de usurpadores e fantoches…

    1. Não e nem foram alguns transponders, foi o aparelho(todos os satélites possuem múltiplos transponders)

      Se foi porque estão estes todos a reclamar:
      https://www.spaceintelreport.com/brazils-satellite-operators-protest-telebras-viasat-deal-demand-contract-transparency/

      http://www.conversaafiada.com.br/brasil/empresas-estrangeiras-querem-melar-entrega-do-satelite-a-cia

      E a Embraer? Com link para o globo
      https://www.conversaafiada.com.br/economia/ja-venderam-a-embraer-a-boeing

      Isso sim é filantropia

  3. O Reino da Arábia Saudita assim como Israel, só existem graças ao regime da Inglaterra que os criou, através do suporte financeiro e militar do Estados Unidos da América (EUA).

    Sem o regime da Inglaterra e o dinheiro dos Estados Unidos da América (EUA), o Reino da Arábia Saudita e Israel, não faziam nada.

    1. Confundes ingleses e estadunidenses com judeus ingleses e judeus estadunidenses…os tais regimes não são ditados por países (leia-se governantes fantoches) mas por segmentos dominantes nos mesmos, tão discretos quanto "filantrópicos"…

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