Chechénia: entre campos de concentração e propaganda

Pergunta: na Chechénia (ou Chechênia ou Tchechênia ou Tchetchénia) existem campos de concentração
onde os homossexuais são presos, torturados e até mortos?

A denúncia está baseada em dois artigos do diário russo Novaya Gazeta: o primeiro, publicado no passado dia 3 de Abril, afirma que mais de 100 homens acusados ​​de serem homossexuais teriam sido presos pela polícia chechena que reconstruiu os seus relacionamentos através duma aplicação informática pensada para os encontros gay. O diário também afirma que pelo menos três pessoas teriam sido mortas no curso da operação.

Dois dias depois (5 de Abril), a Novaya Gazeta publica o segundo artigo, em que é relata as experiências de três pessoas naquela que é definida como uma “maciça repressão contra chechenos suspeitos de ter uma orientação homossexual”: os supostos homossexuais foram sequestrados ilegalmente pela polícia, ridicularizado, humilhados, torturados, violados com objectos e libertados somente após o pagamento de enormes resgates por parte das respectivas famílias.

O jornal é bastante sério e as informações parecem ser de confiança. Por qual razão? Porque a melhor prova foi dada pela mesma Chechénia.

Alvi Karimov, porta-voz do líder checheno Ramzan Kadyrov, rotulou as notícias da Novaya Gazeta como “uma mentira absoluta”. Até aqui uma normal desmentida oficial. Mas Karimov não deve ser propriamente um génio, porque continuou:

Não se podem prender e perseguir aqueles que simplesmente não existem na república. […] Se houvesse pessoas assim na Chechénia, a polícia não teria nenhum problema com elas, porque seriam as suas próprias famílias a envia-los para aquele lugar donde não há regresso.

Alvi Karimov

Esta declaração deveria entrar de imediato no manual das desmentidas mais idiotas alguma vez
publicadas. Ou naquele das melhores confissões, tanto faz.

Sobretudo: representa a melhor confirmação de que na Chechénia os homossexuais não gozam dos mesmos direitos reconhecidos aos outros cidadãos e que, com grande probabilidade, são perseguidos.

As primeiras reacções dos meios de comunicação russos foram geralmente muito sérias e cautelosas, tal como o estilo escolhido pelos activistas russos da Rossiyskaya LGBT-set (a rede LGBT russa): de forma firme foi pedida uma investigação sobre a situação, condenando também as graves palavras do governo checheno.

Depois a situação tem “piorado”. A razão?
Human Rights Watch, organização financiada por George Soros, e o International Crisis Group (ICG, mais uma vez: George Soros) têm realizado as suas próprias investigações. Human Rights Watch deixa entender nos seus comunicados que a culpa é também de Vladimir Putin, o qual apoia o líder cheheno responsável da violência, enquanto a jornalista Ekaterina Sokirianskaia do ICG, num artigo também publicado no New York Times, fala de pogrom, um tipo de persecução massiva aplicada ao longo da história contra os judeus.

Do progom até o campo de concentração o passo é breve. E, de facto, é o que faz o blog russo anti-Putin no dia 5 de Abril, o blog dos Estados Unidos Windows On Eurasia (dia 6 de Abril) e o britânico Daily Mail no dia 10 do mesmo mês. E no prazo de poucos dias, “o campo de concentração” torna-se “os campos de concentração”.

 Além da propaganda

O centro de detenção de Argun

Além da propaganda anti-russa em que esta história foi em larga medida transformada, o que temos?

Em primeiro lugar: não existem “campos de concentração” e nem a Novaya Gazeta (fonte primaria), nem as investigações de Human Rights Watch ou do ICG falaram de algo do assim.

Existe, isso sim, na cidade de Argun (a poucos quilómetros da capital Grozny), um ex-quartel militar convertido num centro de detenção temporária onde os homossexuais são efectivamente detidos, interrogados e torturados com fim de descobrir a identidade de outros gays.

Não será um campo de concentração, mas mesmo assim é algo abominável, disso não há dúvida. No centro de detenção de Argun os detidos são submetidos a violência, a fim de obter os nomes de outros homossexuais: são atingidos com paus e cassetetes nas pernas e, possivelmente, violados com objectos. Algumas testemunhas disseram que antes de serem presos a polícia fez chantagem para extorquir dinheiro; além disso, as autoridades usariam “agentes provocadores” (tanto no mundo real quanto nas comunidades online) ao fim de encontrar e apreender outros homossexuais.

Na rede da polícia são presos homossexuais e não: as autoridades usariam os telefones celulares dos homossexuais para reconstruir a rede de amizades e relacionamentos. O resultado é que qualquer indivíduo masculino listado entre os contactos telefónicos é considerado suspeito.

Os detidos não são assassinados: o governo prefere delegar às famílias a tarefa de encontrar uma solução para a situação dos
gays, sendo explicitamente convidadas a cometer “crimes de honra” para resolver o problema.

Tudo isso seria parte dum plano para “defender” a sociedade chechena contra o perigo da homossexualidade em nome de uma suposta “pureza” da mesma sociedade chechena.

As razões

Gay perseguido no Iraque

Como é possível isso?
Em Moscovo ninguém sabia de nada?

A quase totalidade da população (95%) é islâmica, mais precisamente sunita. E na religião islâmica a homossexualidade não apenas não é permitida como é perseguida.

O que acontece na Chechénia não é uma excepção; eis as principais penas aplicadas em alguns dos Países muçulmanos que mais lutam contra a homossexualidade:

  • Arábia Saudita: exílio, chicoteadas ou morte por apedrejamento
  • Emirados Árabes Unidos: prisão, multas e/ou pena de morte
  • Irão: pena morte para homens e chicoteadas para mulheres
  • Maldivas: exílio ou chicoteadas para homens, prisão domiciliar para mulheres
  • Mauritânia: morte por apedrejamento para homens
  • Nigéria: pena de morte para homens e chicoteadas e/ou detenção para
    mulheres em 12 estados. No resto do País, até 14 anos de prisão.
  • Qatar: até 7 anos de detenção (para os gays muçulmanos: chicoteadas ou execução)
  • Sudão: chicoteadas e prisão; em caso reincidência prisão perpétua ou execução
  • Serra Leoa: prisão perpétua
  • Somália: morte por apedrejamento nas regiões ao Sul e até 3 anos de prisão no resto do País
  • Tanzânia: detenção de 30 anos ou até prisão perpétua para homens; multa ou detenção por 5 anos para mulheres
  • Yemen: até 7 anos de prisão, 100 chicoteadas e/ou morte por apedrejamento
    Uganda: prisão perpétua, tortura e execução

Então, qual a razão desta vaga de indignação (justificada, que fique claro) só no caso da Chechénia?
Porque atingir a Chechénia significa atingir indirectamente Vladimri Putin. O qual tem as suas sérias responsabilidades.

E aqui chegamos à segunda pergunta: em Moscovo ninguém sabia de nada?
Claro que em Moscovo sabiam, claro que Putin sabia. Mas foi decidido não intervir por uma questão de estratégia, tal como os Estados Unidos não intervêm no caso da Arábia Saudita ou do Qatar.

O Exército Vermelho teve que intervir duas vezes na Chechénia: a primeira vez entre 1994 e 1996 (Primeira Guerra da Chechénia: mais de 250 mil mortos), a segunda vez entre 1999 e 2009 (Segunda Guerra da Chechénia: mais de 50 mil mortos). A partir de 2007, o País começou a ser controlado por Ramzan Kadyrov, o qual geriu também a fase da reconstrução e normalizou o relacionamento com Moscovo.

Vladimir Putin e Ramzan Kadyrov

Kadyrof é um tirano com o culto da personalidade, que ameaça de morte os opositores políticos e aprova o delito de honra perpetrado contra as mulheres. Resumindo: uma besta.

Mas é tolerado por Putin porque consegue controlar a Chechénia, onde o fogo da rebelião ainda não está totalmente apagado e donde partem numerosos voluntários que se juntam ao Estado Islâmico, contra o qual a Rússia está militarmente empenhada.. É uma história que bem conhecemos aqui no Ocidente: um ditador tolerado porque útil à nossa causa.


Seja como for, estamos perante um crime hediondo: qualquer que seja a nossa opinião pessoal acerca da homossexualidade, falamos de seres humanos com direitos (como o respeito da dignidade) que deveriam ser universalmente reconhecidos. A questão não pode ser enfrentada e ainda menos resolvidas com detenções, chicoteadas ou penas de morte. Neste aspecto, tanto o Ocidente quanto o bloco ex-comunista (Rússia, China em primeiro lugar) deveriam antepor aos interesses estratégico, políticos ou económicos, a defesa da dignidade humana. Seria também “simpático” que estas delicadas questões não fossem utilizadas apenas como instrumentos de propaganda.


Mas em ambos os casos entramos no campo da mera ficção…

Ipse dixit.

Fontes: Novaya Gazeta, Ansa, International Crisis Group, IXTC – Artigo traduzido com Google Translate, Windows On Eurasia, Daily Mail, Euronews – Russia: Manifestazione di solidarietá con lgbt ceceni, Independent, The New York Times 

14 Replies to “Chechénia: entre campos de concentração e propaganda”

  1. Interessante a sua avaliação com uma visão global no tocante aos interesses. É de uma tristeza enorme perceber que o campo da política virou escancaradamente um jogo de poder (antes pelo menos tinham a elegância de esconder)e que o ser humano, como irmão, como próximo, tenha sido relegado à uma mera lembrança.

    1. Ola Anónimo 5.5.17

      Ao dizer "Interessante a sua avaliação com uma visão global no tocante aos interesses" deixou-me com a sensação que descobriu este blog agora. Caso afirmativo, dou-lhe os parabens pois descobriu um local onde tera muito para ler aprender e trocar ideias. Tanto pelos artigos do autor como pelos comentarios e torcas de ideias dos visitantes habituais.
      Quando diz " o campo da política virou escancaradamente um jogo de poder " eu creio… minha opiniao…. que sempre foi assim a diferenca é que voce se comecou a aperceber, chamo eu a esse evento "despertar". Aconteceu-me o mesmo ha cerca de 6 anos 🙂

      "antes pelo menos tinham a elegância de esconder"
      creio que é apenas uma impressao … olhando para tras no tempo para as ditaduras da america latina (que nao foram assim a tantos anos quanto isso) para nem falar em africa, diria mesmo que agora tentam fazer a coisa menos a descarada.

      "que o ser humano, como irmão, como próximo, tenha sido relegado à uma mera lembrança"
      Creio que sera apenas outra impressao. Realmente houve epocas de maior ou menor solidariedade e compaixao (actualmente vivemos numa de menor) mas sempre foi assim na historia da humanidade. Olhando para tras nos tempos desde os Maias aos Europeus quando encontravam um povo mais fragilizado aproveitavam-se dele. No mundo em que vivemos nao existe preto e branco, caminhamos numa zona de varios tons de cinzentos 🙂

      Abraço

      EXP001

  2. A forma como cada um(a) atinge orgasmo, só diz respeito à pessoa, como é óbvio e ninguém tem o direito de censurar ou perseguir o que pessoas adultas fazem entre si e em comum acordo.

    Mas não podemos deixar ir mais a fundo na questão; como sabemos a filosofia uranista ou homossexualismo é uma prática comum na Oligarquia, amplamente praticada e incentivada no seio do regime e famílias monárquicas e do poder financeiro e clerical, tendo tido um dos seus auges durante o Nacional-Socialismo e o Fascismo, que promoviam fortemente este comportamento e respectiva filosofia.

    Com a vitória da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) na 2ª Guerra Mundial (1939 – 1945) e derrota do Nacional-Socialismo e os seus aliados, o neoliberalismo é quem passa a assumir a bandeira do uranismo e respectiva corrente de pensamento.

    Tendo em conta que a Federação da Rússia (ex-URSS) e a área dos países que viriam a constituir as ex-repúblicas soviéticas, ter sido invadida pelo exército Nacional-Socialista e os seus aliados durante a 2ª Guerra Mundial (tendo perdido a vida 26 Milhões de cidadãos soviéticos durante o conflito) é normal que não vejam com bons olhos a interferência do uranismo/homossexualismo na sua vida económica, política, e social.

    Em baixo deixo uns links que vão de encontra ao tema:

    The Strange, Strange Story of the Gay Fascists
    http://www.huffingtonpost.com/johann-hari/the-strange-strange-story_b_136697.html

    Fascismo e homossexualidade no imaginário da esquerda
    https://pt.wikipedia.org/wiki/Socialismo_e_direitos_dos_homossexuais#Fascismo_e_homossexualidade_no_imagin.C3.A1rio_da_esquerda

    Mundo: LGBT lado a lado com os nazistas ucranianos
    https://apaginavermelha.blogspot.pt/2014/06/mundo-lgbt-lado-lado-com-os-nazistas.html

  3. O sujeito homossexual é uma invenção moderna. As práticas sexuais entre machos e fêmeas, fêmeas entre si e machos entre si são tão velhas como os mamíferos e os bípedes humanos incluídos.Inventa-se idiossincrasias para estigmatizar, separar, diferenciar, restringir, hierarquizar…Mesmo entre os muçulmanos nunca ouvi falar de ricos e poderosos sendo apedrejados por serem homossexuais. Trata-se de uma estratégia de identificação, seleção e caracterização de pobres. E por incrível que me possa parecer são os próprios pobres que fazem questão de diferenciar-se enquanto homossexuais como se estas práticas fossem eternas em cada indivíduo. Nunca ouvi alguém dizer: estou sendo bissexual, estou homossexual ou assexuado, quando toda e qualquer pessoa está sujeita a mudanças de acordo com os humores que condicionem seus prazeres. Ahhh…essas invenções modernas do ocidente são fatais…

    1. Olá Maria.

      A homossexualidade não é uma invenção moderna. Já na antiga Grécia havia tanto que existia a paiderastia e havia os rituais de passagem de virtudes.

      Pessoalmente sempre achei a luta Greco Romana algo muito duvidoso com aquelas tecnicas de pegar alguem por detras :))

      EXP001

    2. Dizem até que, no Japão, os mestres tinham sexo com os samurais, e que na Grécia, Aristóteles teve sexo com Sócrates, este com Platão, e este com Alexandre o grande. Era considerado como mais puro até do que o sexo heterossexual, uma vez que não seria feito com a energia fraca das mulheres.

      Uma aberração.

      E este caso só vem ajudar a agenda gay.

  4. Olá EXP001. Quando digo que é uma invenção moderna refiro-me a homossexualidade como dispositivo de segregação, vista inicialmente na modernidade ocidental como doença e posteriormente como desvio de conduta. No mesmo comentário afirmo que tais práticas existem desde sempre. Por sinal ao dizer que é uma invenção moderna estou "roubando" a afirmação de Michel Foucault, historiador da sexualidade e escritor da História da Sexualidade em 3 volumes, faz muito traduzidos do francês para o português e que recomendo a leitura por todos nós que estejamos interessados no assunto. De qualquer forma, agradeço a intervenção porque me possibilita esclarecer melhor sem deixar dúvidas.

  5. Para entender uma parte da influência e estrutura política/filosófica do uranismo/homossexualismo, recomenda-se o filme "Salò – 120 Dias de Sodoma" de Pier Paolo Pasolini, que denuncia a violência e insanidade desta corrente comportamental.

    1. Esse filme é de dar vómitos! Na década de 70 foram faitos os filmes sadomasoquistas e violentos de que há memória, até coprofagia incluiam: 120 dias de Sodoma, Calígula, Pink Flamingos…
      E quanto a 120 dias de Sodoma, não se esqueçam de que este foi escrito pelo pai do sadomasoquismo: o marquês de Sade. E a história da publicação desse livro ainda é espantosa…

  6. Toda a tortura, perseguição e violação, é censurável, claro que é.

    Mas a oposição aberta, não é.

    Eu já deixei aqui esta mensagem escrita várias vezes e o Max já sabe há muito tempo quem eu sou: o ânus nem sequer é órgão sexual, é excretor, foi feito para deixar sair, não entrar. O próprio tecido orgânico não foi feito para permitir penetração nem relações sexuais, pois é muito mais frágil e sangra com muito mais facilidade. As feridas resultantes disto permitem a entrada de bactérias intestinais no sangue, e que, levadas pela corrente sanguínea, podem levar a infeções em lugares distantes no corpo. Houve um caso em que várias pessoas estavam num hospital com uma rara infeção cardíaca e proveniente de bactérias intestinais. A causa comum? Eram todas homossexuais. Recentemente, Elton John foi internado por causa do mesmo. Não me espanta que a causa também fosse a mesma.

  7. O que me parece estar aqui em discusão, não é tanto a homosexualidade em sí, mas a hiopocrisia politica que utiliza todos os meios acusatórios possíveis para tirar vantagem.
    Temas como os direitos das minorias que são tratadas de forma bárbara, os direitos das mulheres, a energia Nuclear, etc. tudo serve como veículo de propaganda para tentar erudir a imagem dos adversários politicos ou países inimigos.
    Seja como for, os interesss estratégicos vão sempre sobrepor-se aos direitos das pessoas.

Obrigado por participar na discussão!

This site uses User Verification plugin to reduce spam. See how your comment data is processed.

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.

%d bloggers like this: