Juros: a dívida divinal

…e falemos de Dívida.
Com um curto exemplo.

Estamos no Médio Oriente, ano zero. A Virgem Maria tem que enfrentar a longa viagem até o Egipto para escapar do massacre dos inocentes ordenado por Herodes. Uma chatice.

Então, para enfrentar as pequenas despesas, pede emprestada 1 (uma) moeda de ouro de 5 gramas a um amigo mercante e este estabelece uma taxa de interesse particularmente vantajosa: apenas 4% ao ano.

Passam os anos, os séculos, e infelizmente a Mãe de Jesus esquece o empréstimo. Até que…
No ano do Senhor de 2017, Nossa Senhora de repente lembra-se: a dívida do mercante!
Então envia o Arcanjo Gabriel a buscar a alma do pobre desgraçado:

– Mercante, meu caro amigo! Olha, sinto muito mas nos últimos dois mil anos tive muito que fazer. Depois estou sempre em viagem, um dia Fátima, outro Lourdes, outro Medjugorje… enfim, esqueci-me da tua generosidade ao longo de dois mil anos, é verdade, mas quero resolver aquela dívida, lembras? A moedinha de ouro que me emprestaste! Não é que podes fazer duas contas e ver quanto tenho que devolver?
– Santa Maria Virgem, muito obrigado! Só que… olhe, infelizmente a dívida subiu muito por causa dos interesses, não tenho certeza que seja capaz de soldá-la …
– Ò mercante, estás a gozar, não é? Como podes dizer uma coisa dessas! Meu filho é o Criador do Universo, não há nenhum problema em pagar os interesses. Força, duas continhas e o assunto estará resolvido.
– Bem, então faço o cálculo … Você está a ver o planeta Terra? Tem um volume de cerca de 1.08×1021 metros cúbicos; se fosse completamente ouro maciço pesaria cerca de 2.09×1025 Kg.
– O quê? Está a dizer que a dívida acumulada é do tamanho dum planeta de ouro maciço grande como a Terra?!? Seu desgra… ehm, meu bom amigo, faça bem as contas por favor…
– Não, Santíssima Virgem, certamente que não: não é do tamanho da Terra! Para pagar toda a Sua dívida, são precisos mais de 5 milhões de planetas de ouro, cada um tão grande como a Terra…

Para quem gosta da matemática, eis o cálculo exacto deste resultado aparentemente absurdo:

Se o volume do Planeta Terra (PT) for de 1.08×1021 metros cúbicos (mc), dado que o ouro possui um peso específico de 19.300 Kg/mc, se fosse completamente de ouro maciço pesaria:

PT = (1,08×1021mc) x 19.300 Kg/mc = 2,09×1025 

 O que em gramas (gr) de ouro significaria:

Kg = 2,09×1028 gr

Uma moeda de ouro de 5 gramas emprestada durante 2017 anos com uma taxa de interesse composto com base anual de 4% provoca uma Dívida Total (DT) de:

DT = 5 x (1+0,04)2017 = 1,13×1035 gr

Portanto, dividindo a Dívida Total vezes o peso dum planeta é possível obter o Número de Planetas (NP) que são precisos para saldar a Dívida Total:

NP = DT / PT =  (1,13×1035gr) / (2,09×1028gr) = 5.431.820 planetas de ouro maciço

Utilizar uma moeda baseada na dívida faz com que ao longo dos anos seja acumulado um custo enorme sob forma de juros: um custo que ninguém é capaz de pagar, inútil iludir-se.

Hoje, boa parte do dinheiro utilizado (99% na Europa) é criado e emprestado pelo sistema bancário, ao qual são pagos juros, tal com os juros do mercante.

A coisa absurda? É que somos nós, todos nós a dar valor ao dinheiro, simplesmente aceitando-o; sem a nossa aceitação, o dinheiro não teria valor.

Não acham que há algo de errado neste sistema?

Ipse dixit.

17 Replies to “Juros: a dívida divinal”

  1. Tudo! Eventualmente existe algo lógico?
    Max bem vindo de volta essa analogia está 5 estrelas.

    Abraço

    Nuno

  2. Caro Max! Adivinha quem nos convenceu de que o dinheiro deveria deixar de ser uma mera função organizativa/facilitadora para se transformar no principal valor civilizatório?

  3. Faço minhas as palavras do Nuno e do Chaplin. Beleza de analogia. Só que gostaria de saber do Chaplin como e porque uma variedade da espécie humana a qual ele se refere se constituiu do jeito que é e sempre foi. Porque a usura parece estar nos gens dos judeus.
    Cito o exemplo de um grande amigo que namorou uma moça judia, uma boa jovem. Meu amigo passava por dificuldades financeiras e pediu para a menina um dinheiro que serviria para ornamentar o túmulo da ex companheira falecida, e que fora o grande amor da vida dele. Ao que, com toda naturalidade, a jovem prontificou-se a emprestar a quantia e já fazendo os cálculos dos juros que seriam acrescidos, caso meu amigo levasse um ano para devolver. Não preciso dizer que meu amigo levantou-se da mesa onde jantavam, num restaurante, e deixou-a fazendo os cálculos sozinha para nunca mais voltar a vê-la.
    Agora a pergunta para o Max. Como e porque nós ocidentais desde acho que antes do medievo aceitamos e continuamos aceitando as dívidas enriquecidas pelos juros estratosféricos, tanto a níveis individuais como coletivos?
    Se eu apreciasse as conjecturas marxistas, eu perguntaria a ambos: quais as condições objetivas e subjetivas que permitiram esse acontecimento? E aviso que não aceito a resposta simplista: múltiplas determinações. Abraços

    1. Olá Maria! Tentemos sintetizar. Hebreus eram tribos errantes que assimilaram comportamentos de várias culturas do médio oriente e foram forjados em situações adversas ao longo do tempo, tanto no ocidente como no próprio oriente, por serem extremamente sectários. Absorveram operações financeiras, hoje básicas, mas que na época eram complexas e serviam como ferramentas essenciais na atividade comercial. Com a expertise de ganhos obtidos junto a peregrinos cristãos que visitavam Jerusalém ao longo de séculos, e convictos do quanto poderiam expandir seus ganhos, sucessivas migrações desde o leste (antiga região da Kazaria) penetraram na Europa, mesmo que por vezes tendo que dividir espaços/ganhos com árabes. Ora, aquele conhecimento, assim como tantos outros trazidos do oriente, era um diferencial decisivo na busca por ascensão nas cortes europeias, e inserção nas elites intelectuais. Os processos inter-relacionados se desdobraram e ganharam vulto, envolvendo conspirações/protecionismos…sempre em favor dos mesmos…até chegarmos no ideário liberal, e no falso antagonismo entre capitalismo/comunismo… Abraço.

  4. É sempre bom lembrar estas coisas. Uma taxa de juro, por mais baixa que possa parecer, a longo prazo assume proporções muito grandes. Não é por acaso que se diz que, quando alguém pede dinheiro emprestado para comprar uma casa, a vai pagar varias vezes ao longo do prazo do empréstimo.
    Fazer um contrato de crédito com um banco, é deitar para o cano parte da nossa liberdade. Um contrato a 25 ou 30 anos vai condicionar toda uma vida.

    Abraço
    Krowler

  5. olá Max… obrigado por tudo… e neste caso: as dividas não são para contrair por 2000 anos… o resultado aberrante aparece pq não faz sentido falar em 1 emprestimo de 2000 anos. É uma historia bonita… mas vale pouco… vejo muita filosofia barata dos comentadores… que obviamente gostam de jogar no lixo o dinheiro dos outros… sempre muito bonzinhos, pacifistas, e amigos dos pobres… mas a verdade nua e crua continua… o Mundo inteiro quer ir viver para a Europa e Estados Unidos… arriscam a vida para isso… e não se cansam de os criticar… não dá para entender… em toda a historia do homem… esta economia moderna em que cospem com tanto gosto.. deixa viverem bem até voçes… mentes delirantes… envaidecidos com palavras caras… fingindo pensarem no bem do mundo… Se o Mundo fosse como queriam estes seus comentadores da "patetice"… não durava nem mais 1 ano sem guerras… A verdade é que todos gostamos de dinheiro emprestado… e poucos gostamos de pagar…
    bom dia a todos…
    Manuel…

    1. Cara eu ganho o salário mínimo e não tenho nada contra quem tem mais ou menos! Isso que diz é uma verdade de Se de La Palisse.
      Como entende p.exemplo a R.D do Congo viver na miséria quando é um dos se não o maior produtor de metais raros além de muitas mais riquezas. Multinacionais?…Congolesas?
      A manipulação do preço do petróleo para beneficiar um dos estados mais medievais e que mais terroristas/mo financia a Arábia Saudita?
      Não é preciso muito inteligente para ver que
      não bate certo grande parte do que nos é imposto certo.
      É só isso…e não é ser bonzinho quem me pisa eu piso duas ou mais vezes.
      Agora faço a pergunta porque acha que o preço do petróleo está por baixo? Vou dar uma ajuda quebrar as economias de…

  6. Obviamente e quando se mencionam "Santa Maria virgem" e "marcante" que duram 2 mil anos não é para ver de uma forma literal, é pura e simples ironia.
    O mundo todo quer ir viver para a Europa e Estados Unidos?
    É para rir? Se lugares do 3°mundo incluindo um certo país com complexo de vira lata se virasse e fosse realmente independente, um bom exemplo B… Acho que dá para adivinhar qual é…assim como a grande maioria do dito 3°mundo acho que seria o oposto. Onde estão as riquezas/ quem as explora?
    Porque o projeto Brasil nunca passa disso? Com golpes internos ajudados por interesses externos?
    Mas se são felizes assim…ok continuem a tentativa de projetos.
    Crédito de onde vem como funciona realmente até rebentar.
    Link:
    https://youtu.be/iFDe5kUUyT0

    Isso é o mundo no seu ponto de vista. Chama-se endoutrinamento e parece que não existem alternativas. Nada mais errado, como pode falar sobre algo que nunca experimentou? É assim porque é assim? "Patetice" será viver em constante dívida e ser "escravo" do agiota que ainda vai cobrar juros para prolongar o seu lucro e consequentemente ser um escravo quase toda a vida? Só vive assim quem quer ou pode.
    Guerras? Elas sustêm o status quo disfuncional. Deixa ver nos últimos anos foram precisamente EUA com apoio da UE(ou vice versa) que esteve ou está por trás das mesmas direta ou indiretamente(ou interesses corporacionais). Só o dinheiro gasto atualmente (só -5% é de facto dinheiro físico +95% são zeros e uns electrónicos) no complexo Militar americano dava para construir muita coisa e no entanto:

    https://en.m.wikipedia.org/wiki/Military_budget_of_the_United_States

    +700 mil milhões(bilhões) anuais mais um 1 trilão ja aprovado para os próximos anos.

    Realmente a guerra é um grande negócio nada como dividir para conquistar.
    Se acha isso normal é consigo. Só porque não entende não é necessário chamar patetas aos outros.

    Nuno

  7. Max, já havia visto um exemplo similar a este que aborda a questão dos juros.

    Também interessante porque compara o tipo de juros: simples e composto.

    No caso, Maria teria depositado uma moeda de $0,50 numa poupança em nome do menino Jesus a uma taxa de juros anual de 4%.

    O que teríamos hoje aplicando juros simples e compostos:

    Depósito Inicial (C) = $0,50
    Taxa Juros Anual (i) = 4,00%
    Prazo Anos (n) = 2017

    Montante no Vencimento (Juros Simples)
    M = C x (1 + i x n)
    M = $40,84

    Montante no Vencimento (Juros Compostos)

    M = C x (1 + i)^n"
    M = $11.355.738.158.577.100.000.000.000.000.000.000,00

    A sua pergunta permanece: Não acham que há algo de errado neste sistema?

    – Marco –

  8. Compreendo o principio mas não posso concordar com a analogia, é distorcida da realidade, Max, contrair um empréstimo não é uma coisa má, tal como em quase tudo na nossa vida o mau está no excesso, o exemplo trata de uma divida de um particular, um particular não vive 2000 anos… nem mesmo uma empresa ou um estado e ainda que vivesse a divida seria renegociada ou haveria uma insolvência, o problema da analogia é que todas as analogias exageradas são tendenciosas, estou de acordo que a nossa sociedade esta sufocada pela divida, mas a divida pode em muitos casos servir de alavanca e impulso económico. Max o regulador da actividade bancaria é uma raposa a guardar um galinheiro, creio que o problema estará ai. ok ?

    1. O problema é precisamente esse P. Lopes
      Isso gostava de ver o Max re-explicar.

      Nuno

    2. Estimular o endividamento de vulnerável, e é disso que estamos tratando, deveria ser considerado o maior crime civilizatório…

Obrigado por participar na discussão!

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