O que é o populismo

O que é o “populismo”? Por qual razão há cada vez mais movimentos políticos acusados de ser “populistas”?

O populismo (do Inglês populism, tradução do Russo narodničestvo) é uma atitude política e cultural que exalta princípios e programas geralmente baseados no Socialismo, mas não numa forma específica do mesmo.

Na América Latina designa um conjunto de práticas políticas que consiste no estabelecer uma relação directa entre as massas e uma liderança política sem a mediação de instituições políticas como os partidos. Em qualquer caso, o termo é utilizado em forma menosprezativo: os movimentos acusados de ser populistas recusam tal adjectivação.

O populismo antes

A origem do populismo pode ser encontrada no bonapartismo (altura de Napoleão I) e na Revolução Francesa, especialmente em facções que tinham sido
fortemente influenciadas pelas ideias políticas do filósofo Jean-Jacques
Rousseau, como os Jacobinos.

Populistas na Ucrânia em 1868

No entanto, o termo “populista” nasceu com o movimento desenvolvido na Rússia na segunda metade do século XIX e que propunha uma melhoria das condições de vida das classes rurais e dos servos, através da criação dum Socialismo baseado na comunidade rural russa, em contraste com a sociedade industrial ocidental.

Um Partido do Povo (People’s Party) foi fundado em 1891 nos Estados Unidos por grupos de trabalhadores e agricultores que lutavam para a livre cunhagem da prata, a nacionalização dos meios de comunicação, limitações na Finança, impostos de herança mais favoráveis, eleição do Presidente, vice-Presidente e Senadores com voto popular direto.

O termo passou depois a ser utilizado em relação às práticas políticas de Juan Domingo Perón (o “Peronismo”), o bolivarianismo e o chavismo, já que muitas são enfatizadas as consultas e os plebiscitos populares para que as pessoas possam decidir directamente nos limites da Constituição.

O populismo hoje

O amplo uso que os políticos e os meios de comunicação fazem do termo “populismo” tem ajudado a divulgar um significado fundamentalmente desprovido de significado: o actual “insulto” de “populista” pouco ou nada tem a ver com o movimento originário, tendo perdido com o tempo também as referencias aos princípios socialistas.

Hoje é “populista” quem é um político com uma linguagem não-ortodoxa e agressiva, que demoniza as elites e exalta “o povo”; o termo é utilizados entre os adversários políticos para denegrir os outro; “populismo” é muitas vezes considerado pelos políticos quase como sinónimo de “demagogia”, o que é um erro (demagogia: uma forma de actuação política na qual existe o interesse em manipular ou agradar a massa popular, incluindo promessas que provavelmente nunca serão realizadas, apenas para conquistar o poder político).

Na realidade, o sentido moderno de “populismo” é extremamente vago, tornando-o conveniente como uma categoria residual boa para catalogar uma variedade de esquemas difíceis de ser classificados de maneira mais precisa. No entanto, há alguns elementos em comuns: o nacionalismo, a retórica anti-imperialista, o apelo constante às massas e o poder dum líder carismático. Pelo que, no populismo moderno entram Benito Mussolini, Hitler, Salazar, os já citados Perón e Chaves, Nasser no Egipto, Nehru, na Índia.

Em qualquer caso, a utilização do termo “populista” se encontra em constante crescimento tal como a literatura dedicada ao fenómeno. Qual a razão? Provavelmente há mais do que uma explicação: eis algumas das possíveis.

As razões do populismo

Um dos problema é que o mundo político está atrasado: raciocina segundo esquemas do século
passado (ou ainda mais velhos). As democracias contemporâneas também ficaram paradas: um atraso mental que obriga a raciocinar como se estivéssemos ainda no século XX, ou até no XIX. Oferecem soluções ambiciosas mas totalmente desligadas da realidade.

Isso abre um imenso espaço de frustração entre os cidadãos, os quais voltam às origens: pedem uma política que fique mais perto deles, das suas necessidades.

Outro problema é o facto da Economia e da Finança ter tomado posse da discussão política nos Parlamentos: hoje tudo o é Dívida Pública, orçamento de Estado, interesses das multinacionais, de bancos e Finança. Criou-se uma política escrava duma forma mental que tem como única base o lucro, o que contrasta com a vida real, onde os problemas que devem ser encarados têm outros objectivos.

Mais: consequência parcial (mas não exclusiva) do ponto anterior é a clara sensação de que o mundo político-empresarial represente hoje uma casta, um bloco de interesse fechado que opera de forma impune e não no interesse da sociedade soluções.

Depois não podemos esquecer a falta de alternativas: o actual sistema democrático é visto como único percurso possível, mas ao mesmo tempo é evidente que o mesmo é a causa das inúmeras falhas presentes na sociedade, falhas que não podem ser solucionadas sem pôr em causa todo o sistema democrático tal como é conhecido hoje. E dado que nenhum sistema gosta de auto-destruir-se, as falhas são aceites como partes inevitáveis do sistema, o que alimenta ainda mais a frustração dos cidadãos.

Por fim: o atraso das massas. E as massas somos nós.
Muitos entre os cidadãos continuam a raciocinar como se o tempo não tivesse passado: há ainda fascistas, comunistas, socialistas, conservadores, pessoas que seguem o partido porque convencidas de que este tem as chaves para melhorar a situação. O debate no interior da sociedade (e não em âmbito estritamente político) é quase nulo, delegado a uma minoria que, paradoxalmente, é a parte mais conservadora neste aspecto (independentemente da sua posição política, que pode ser tanto fascista quanto comunista, só para fazer um exemplo).

Anti-política? Nem por isso…

É neste quadro que surgem os movimentos “populistas”, muitas vezes definidos como “anti-políticos”. Erro: não apenas não são partidos “anti-política” mas até são o que mais perto há da verdadeira política, entendida como esforço para individuar soluções mediante a troca de opiniões, tendo em consideração ideias novas e soluções concretas, sem a pesada capa duma ideologia.

Questões reais exigem respostas reais e, possivelmente, rápidas.

Pegamos num típico caso de “populismo” moderno: o sucesso do movimento Frente Nacional de Marine Le Pen na França. Enquanto as Mentes Pensantes de Bruxelas elaboram inúteis planos para solucionar a crise migratória na Europa, enquanto o Presidente Francês Hollande tenta mediar entre a necessidade de maior segurança no País dele dum lado e o mais progressista “sejam todos bem vindos” do outro, a Frente Nacional elegi a questão da segurança nas ruas como objectivo prioritário e propões soluções práticas.

Podemos concordar ou não com tais soluções, mas não é possível negar que a Frente Nacional apresenta soluções realísticas, simples de entender e de imediata aplicação. Exactamente o que falta às ruminações mentais dos burocratas de Bruxelas ou ao Presidente Hollande.

Há partidos “populistas” um pouco em todos os lados: o Danish People’s Party na Dinamarca, o Finns Party na Finlandia, o Sweden Democrats na Suécia, o já citado Front National na França, o Alternative für Deutschland na Alemanha, o UKIP no Reino Unido, o Movimento Cinque Stelle em Italia, o Podemos em Espanha… são um perigo do ponto de vista democrático?

O erro de base

Um artigo do The Guardian, assinado por Cas Mudde, Professor de Negócios Estrangeiros na Universidade da Geórgia (EUA), autor dum livro no qual são analisados os partidos populistas europeus:

Até um par de anos atrás, o consenso entre as elites europeias de Esquerda e Direita era que o populismo era maioritariamente mau. Foi descartada como uma “patologia da democracia” ou, como tinha escrito o historiador americano Richard Hofstadter em 1960, “o estilo paranoico da política”. A ascensão de movimentos populistas tem visto uma mudança no debate público, especialmente empurrado pelos seguidores de Chantal Mouffe e do falecido Ernesto Laclau, que argumentam como o populismo constitui, na verdade, a essência da política democrática. […]

O principal problema é que o populismo é uma ideologia monista e moralista, que nega a existência de divisões de interesses e opiniões dentro do “povo” e rejeita a legitimidade dos adversários políticos. Como os populistas são a vox populi, ou seja, a voz de todas as pessoas, qualquer indivíduo com uma visão diferente fala por “interesses especiais”, ou seja, da elite. Dado que a distinção fundamental é entre as pessoas “puras” e a elite corrupta, qualquer compromisso levaria à corrupção do povo e, portanto, é rejeitado. Esta posição inflexível leva a um cultura política polarizada, em que o não-populista se transformar em anti-populista.

O populismo tende a ficar feio quando chega ao poder. Se tem que dividir o poder com os não-populistas, os efeitos, positivos ou negativos, tendem a ser pequenos (pensemos aos Governos Schüssel com a Direita populista radical FPO, na Áustria). […]

No entanto, a actual situação da Hungria e da Venezuela mostra o que o populismo pode fazer quando toma o controlo total de um País. Apoiados por maiorias impressionantes em eleições populares, os líderes populistas como Viktor Orbán e Hugo Chávez têm introduzido novas constituições que minam um número significativo de freios e contrapesos da democracia liberal.[…]

Em suma, o populismo democrático é uma resposta não-liberal ao liberalismo antidemocrático. Critica a exclusão de questões importantes da agenda política por parte das elites e apela à sua re-politização. No entanto, isso tem um preço. A visão ou preto ou branco e as posições inflexíveis do populismo conduzem a uma sociedade polarizada Porque, é claro, ambos os lados compartilham a responsabilidade e o extremismo maioritário nega legitimidade aos opositores e enfraquece os direitos das minorias.

Muito engraçado, sem dúvida. Mas errado.

Em primeiro lugar: definir como negativas “maiorias impressionantes” frutos de “eleições populares” é, no mínimo, alucinante. Significa negar aos cidadãos o direito de escolher com (quase) uma só voz o seu próprio governo. É anti-democracia ao estado puro. O problema do populismo não é este, como é óbvio, mas uma tal afirmação tem sentido desde que nas democracias, especialmente as dos últimos anos, é “necessário” que haja uma forte oposição, por razões que não vamos tratar nesta sede.

A seguir: o autor toma como exemplo um par de casos-limites, Chávez na Venezuela e Orbán na Hungria (que, dito entre nós, tão ruim não é). Na Italia, o Movimento Cinque Stelle nunca pensou em limitar os poderes da oposição, pelo contrário, pede o cada vez maior respeito da Constituição.

Mas o erro do autor e da maioria dos críticos do populismo é outro e é fundamental: o populismo não ultrapassa uma democracia onde os partidos, populistas ou não, têm demasiado poder. Um partido populista, uma vez chegado ao poder, após algum tempo será um partido como qualquer outro, com interesses pessoais, corrupção, formação duma elite que domina todas as escolhas do movimento. Isso porque é o nosso sistema “democrático” que cria todas as condições para que isso aconteça.

E a razão principal, como veremos num próximo artigo, o erro conceptual que estraga todo o andaime democrático, é a mesma existência dos partidos políticos, sejam eles “normais”, sejam eles “populistas”.

Ipse dixit.

Fonte: The Guardian

12 Replies to “O que é o populismo”

  1. Aqui em Portugal a ideia que se tem de "populismo" é "basear-se naquilo que as pessoas querem ouvir para conseguir votos", ou seja, o próximo passo a seguir à demagogia, que, por sua vez, consiste em mentira e engonhanço: dizer que sim sabendo que não, ou dizer que não sabendo que sim, prometer mundos e fundos sabendo de antemão que não dá.

    1. Em parte é verdade em parte rotunda mentira porque só quando vir populistas (verdadeiros e sem demagogia) no poder sem boys e interesses interligados. Isso como o Max diz com razão vem mais tarde. Globalismo atual assim funciona. Poderei ter opinião formada. Em relação ao não alinhamento recordo a ex-I(J)ugoslávia. Pagou caro não estar ligada nem com uns e outros. E era bem mais democrática e permissiva que muito país ocidental. Nos anos 70 o meu pai e e mais familiares passaram lá e viram praias de nudistas, rodovias melhores (para a altura), e muitas mais coisas que aqui nem sonhavamos. Um tio meu só confirmou e disse e ainda recordo antes da desintegração: porque não os deixam em paz. Esse gostava de nudismo ahah e provavelmente Yugos-veiculo 😉

      Nuno

  2. No Brasil muita gente tem sido chamada de populista com sentido quase pejorativo, algo que se aproxima muito do demagógico. Getúlio, Brizola, Lula, Jango, todos populistas cada vez que a governança fosse levemente torcida no sentido de permitir através do Estado, melhores condições de vida para a maior parte da população. Uma coisa compreensível na terra brasilis, quando se considera que qualquer medida favorável às grandes maiorias é causada por puro interesse eleitoreiro ou de manutenção no poder do cidadão já eleito, no caso, preparando a próxima eleição. Melhorias não são entendidas como cumprimento de deveres para com os cidadãos, mas como esmolas que o beneficiado retribuirá com o voto. E em uma certa medida funciona mesmo assim, especialmente nas cidades quando a rua é calçada, a areia é cedida, os botijões de gás aparecem em qualquer choupana, o baner no carro representa a semana de gasolina paga pelo pretendente ao cargo político municipal. Isso sempre foi assim e continua sendo. É diferente quando determinadas atenções são determinadas à população como políticas de governo em vistas de se tornarem políticas de Estado, como bolsa família, cotas para universitários negros e ou carentes, atendimento de saúde domiciliar para idosos e população de risco. Isso enfurece os elitistas pois toda carência é entendida como deficiência individual, despida de história, de cultura, de impossibilidades. E supostamente apenas com o esforço pessoal galga-se padrões educativos e econômicos aceitáveis.

    1. Pois populistas quando os poucos que alguma coisa fizeram a favor do todo e não só de alguns…agora com um governo não eleito pelo povo a comandar, o próximo alvo é o Lula e com a imprensa mais retardada(ou para isso bem paga), para retardar o funcionamento cerebral e movimentos de extrema direita(sim e 50% são pardos/negros/asiáticos) e com pastores evangélicos no poder de grandes cidades. O qi vai baixar mesmo. Olha tive ainda cá familiares daí que finalmente cá vieram. Pessoas sinceramente do melhor que conheci, ainda bem que os tenho como família. O meu sobrinho estuda/trabalha aí (+/-)400km a sudeste em Curitiba.
      Só desejo o melhor mas não é através do caminho do governo não populista e não eleito, capacho não da América mas de wall street que lá vão! E agora com o pec… mas a culpa é do populista Lula e Dilma(afinal nada fez segundo o Temer, apenas não cedeu a algo),só não vê e ouve quem não quer, ele próprio disse mais que uma vez:
      https://theintercept.com/2016/09/22/michel-temer-diz-que-impeachment-aconteceu-porque-dilma-rejeitou-ponte-para-o-futuro/

      …Resumindo convidaram-me a ir aí, se fosse à uns anos em Janeiro já aí estava, mas agora sem os populistas fica para um dia destes, infelizmente…
      Abraço e tudo de bom
      Nuno

  3. Olá Max, comentaristas e leitores de II. Estou comemorando 5 anos de apetitoso convívio virtual com vocês. Então resolvi alterar a figurinha que antecipa os comentários porque a menina que aí aparecia, a Mariazinha já é uma moça. E o querido amigo cão Alfa, faz muito tempo já morreu. As orquídeas, as rosas e eu somos versão primavera de 2016 por estas terras.Abraços a todos.

  4. A essência do populismo foi degenerada/depreciada pelos formadores de opinião, prestamistas das minorias dominantes, pelo fato de impedir qualquer sinalização de oposição consistente e real. Transito neste blog há algum tempo, e se tem algo que ainda tenho muita dificuldade em identificar em seu autor é seu entendimento de "democracia". Quando se refere ao sistema, invariavelmente cola tal definição, sistema "democrático". Ora, democracia, assim como liberdade, igualdade e fraternidade (lembram?) são retóricas criadas pela franco-maçonaria (e suas duas ramificações principais, a latina/francesa e a anglo-saxônica/inglesa), exclusivamente em seu benefício, e que serve, desde então, como "capa" para suas ações pelo mundo. Um mundo cujas populações desconhecem ou desprezam tamanha interferência há séculos…

  5. Exato, sem tirar nem por.
    Aliás a própria democracia é mais democracia se vender os interesses de alguns a um todo é uma espécie de bandeira que todos usam inclusive aqueles que usam a dita palavra para vender e iniciar guerras às vezes contra os verdadeiros populistas(sem segundos interesses a não ser o bem estar do seu povo). A palavra populismo foi torcidada pelo sistema ao longo do tempo. Porque não pegam os exemplos de sucesso? Porque não convém lógico.

    Nuno

  6. Olá Nuno: concordo por inteiro. Qualquer pessoa com juízo que chegue no Brazil hoje, depois de ter conhecido o país em outros tempos, vai ter vontade de chorar. E a gente viaja em geral para conhecer, ver amigos, sentir-se bem. Conhecer e ver amigos é possível…mas sentir-se bem vai ser muito difícil. Abraços

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