Rússia: sanções? Óptimo!

Em 2015 as exportações agrícolas da Rússia superaram as exportações de armas. Isso é de
fundamental importância para entender a complexa transformação que Moscovo está a tentar implementar na sua economia.

Segundo o alemão Der Spiegel, no ano passado a Rússia tem produzido mais trigo do que os Estados Unidos: 110 milhões de toneladas, um limite nunca alcançado antes e que faz da Rússia o maior produtor do mundo. O Ministro da Agricultura, Alexander Tkachev, disse recentemente que espera que as sanções ocidentais contra a Rússia sejam prolongadas por mais cinco anos, porque, como afirma:

Na verdade, tornaram possível mudar positivamente a condição do sector alimentar russo, aumentando a produção, implementando tecnologia […] e substituindo a importação, o que agora torna a Rússia auto-suficiente em agricultura.

A questão não está limitada ao sector agrícola e não está relacionado apenas ao problema das sanções: o rublo desvalorizou, a crise da Ucrânia e o petróleo excessivamente barato apresentaram uma economia russa com um dinamismo inesperado.

A crise do petróleo, por exemplo, está a empurrar a liderança russa a considerar seriamente a possibilidade de mudar o seu modelo de desenvolvimento, baseado na produção duma só energia (a que tem como fonte o petróleo): metade das receitas do Estado são hoje baseadas na venda de hidrocarbonetos e isso faz com que a economia russa seja altamente vulnerável a crises energéticas e dependente de recursos naturalmente limitados.

Herman Gref, ex-ministro da Economia e Comércio do governo Putin e agora chefe do Sberbank (o maior banco russo), lançou recentemente um grito de alarme:

A este ritmo, em 2030 os recursos energéticos russos (petróleo e gás) serão esgotado e, portanto, é preciso mover imediatamente o motor da economia para outras áreas.

O aviso de Gref é em parte desmentido pelo Ministério da Energia, para a qual os hidrocarbonetos continuarão a ser a base da energia mundial das próximas três décadas; e embora a produção de Moscovo tenha sofrido uma diminuição, a Rússia tem reservas suficientes para cobrir a demanda interna e as exportações para os próximos 40 anos.

Entretanto, os gigantes da energia de Moscovo continuam a estratégia de exploração de petróleo e gás: A Rosneft fechou acordos com empresas indianas para os campos de gás da Sibéria (em Vankor); a Lukoil anunciou o aumento da produção na Rússia e das operações no Irão; e o governo de Moscovo planeia a exploração do Ártico, onde, segundo o US Geological Survey, existem reservas estimadas em 90 triliões de barris de petróleo e cerca de 2.000 triliões de pés cúbicos de gás.

A Rússia está assim a confrontar-se com o dilema entre preservar o seu próprio modelo de desenvolvimento e a implementação duma transformação económica radical. Nas intenções a escolha parece clara: no último Fórum em São Petersburgo, Vladimir Putin colocou a diversificação da economia como uma prioridade para o futuro da Nação.

Normalmente, no Ocidente temos a ideia da Rússia como dum País monolítico, rígido, fechado dentro dum autoritarismo imutável; esta ideia é, em parte, herdada da antiga imagem soviética que ainda atravessa a Europa e os EUA, enquanto em parte é o resultado da constante manipulação dos meios de comunicação ocidentais e dos centros de interesse que os controlam.

Na verdade, em Moscovo o debate sobre a mudança parece muito mais vital do que na Europa dos tecnocratas, guardiões apáticos do fracasso do Euro e dum modelo que está a levar as economias europeias a entrar em colapso. Esta Rússia está a dar lições à Bruxelas.

Ipse dixit.

Fontes: Il Giornale, Der Spiegel, GTAI

7 Replies to “Rússia: sanções? Óptimo!”

  1. Leio aqui e acolá que Putin e seus conselheiros econômicos estão desacelerando o neoliberalismo econômico em prol de uma economia mais distributiva, que enfim proporcione melhorar a economia doméstica da população russa como um todo. Mas também é sabido que a Rússia está cheia de oligopólios poderosos, capitalistas rentistas e industriais que monopolizam setores fundamentais da produção, comércio e indústria. E a produção de alimentos? Funciona como a agricultura brasileira nas mãos de grandes proprietários de terras que se enriquecem barbaramente com a exportação e produzem a custa da morte da terra, do envenenamento dos produtos e da exploração dos trabalhadores? Qual a ingerência do Estado russo na grande agricultura? A alta produção/exportação reverte para uma melhoria das condições de vida da população?. Se alguém tem referências fidedignas sobre isso gostaria de saber.

    1. E quando foi diferente em algum país??? O únicos que investiram em desenvolvimento sustentável, de fato, são os que vivem dum Welfare State e seu capitalismo financeiro… os que vivem do capitalismo industrial continuam a poluir sem se preocupar com o futuro… afinal o importante mesmo é o agora; se vamos comer ou respirar aí já é outro debate…

    2. E quando foi diferente em algum país??? O únicos que investiram em desenvolvimento sustentável, de fato, são os que vivem dum Welfare State e seu capitalismo financeiro… os que vivem do capitalismo industrial continuam a poluir sem se preocupar com o futuro… afinal o importante mesmo é o agora; se vamos comer ou respirar aí já é outro debate…

    3. Olá Maria!

      A força motriz do desenvolvimento agricola não são pequenos agricultores, mas grandes empresas. Oligarcas como os bilionários Oleg Deripaska ou Roman Abramovich introduziram-se em larga escala no cultivo de trigo tal como o Grupo Miratorg atirou-se para a criação, mas o exemplos são muitos.

      A impressão é que não haja nenhum "novo sistema", exatamente como acontece na China: a rivalidade com os EUA é apenas uma guerra entre grupos de poderes, não entre novas visões da sociedade.

      Grande abraçoooooo!!!!

  2. Nada de novo esta a acontecer.
    Basicamente estão a tentar repetir a estrategia das decadas de 70 e 80 com o acirramento da concorrência com a União Soviética (agora a Rússia ) em 5 campos:

    – baixa do preço do petroleo (fonte importante de receitas da Federação Russa)
    – intensificação da corrida armamentista
    – ampliação de restrições econômicas e tecnológicas por parte dos países-membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan)
    – dilatação dos auxílios aos movimentos de guerrilha anticomunista (agora aos terroristas) na periferia.
    – atrair a União Soviética para a guerra no Afeganistão (neste caso a Russia para a guerra na Ucrania e/ou Siria) com os enormes custos financeiros, politicos e diplomaticos mais embargos que acarreta como aconteceu na intervenção de 1979–1989 no Afeganistão.

    Objectivos
    (…) sairia para a guerra em ruínas, exaurida e exausta, com a economia de tempo de paz em frangalhos
    (…) precisava de toda a ajuda que conseguisse obter e, portanto, não tinha interesse imediato em antagonizar a única potência que podia dá-la, os Estados Unidos
    (…) Washington só abriria mão de alguma coisa em troca de concessões, mas estas eram precisamente o que Moscou não podia dar o luxo de bancar, mesmo em troca de ajuda econômica, extremamente necessária.

    Só que ao contrario de nos "Ocidentais" os Russos não esquecem as lições que a historia lhes oferece e desta vez estão a fazer o possivel para não repetirem os erros do passado.

    EXP001

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