Anselmo, a ilha e o banco

Imaginem um navio de cruzeiro no qual o bom Anselmo, que nada tem que fazer na vida, decide
descansar ao longo de alguns dias. O navio afunda, mas com outras mil pessoas Anselmo consegue alcançar uma ilha deserta. Um boa ilha, onde há de tudo um pouco.

Após uns tempos, é criado um mini-sistema económico e Anselmo pensa bem formar um governo de forma que os esforços de cada um consigam favorecer a comunidade. Dado que Anselmo é democrático, há eleições para que sejam os cidadãos a escolher. E Anselmo ganha.

Assim, Anselmo nomeia-se Primeiro (e único) Ministro do pequeno Estado; dado que é bom, decide iniciar algumas obras públicas, como estradas, pontes, uma escola, um hospital, etc. Mas aqui há um problema: na ilha há pessoas que sabem fazer tudo isso, mas para tal deveriam abandonar temporariamente o trabalho deles e dedicar-se às obras públicas. Portanto, querem ser recompensadas para não ficar sem meios de subsistência.

No princípio, Anselmo tenta convence-las a aceitar 3 couves por cada um, mas dado que estes querem 1.000 couves e 75 ovos por cada trabalhador, o simpático Anselmo decide introduzir a moeda: com esta, os trabalhadores poderão adquirir comida ao longo da duração do trabalho, também escolhendo qual comida comprar e, além disso, a moeda simplifica o pagamento pois ninguém tem que ir a juntar milhares de couve, ovos e entrega-los.
Dado que na ilha não há ouro, é emitida moeda fiat, (isso é: sem cobertura áurea, portanto criada a partir do nada), com um valor pré-estabelecido. Anselmo fala com o mineiro o qual irá providenciar o ferro necessário e até os moldes para cunhar as moedas.

Entretanto Segismundo, um dos sobreviventes, resgatou do navio naufragado alguns computadores e painéis solares, o suficiente para construir um sistema bancário e manter as contas electrónicas de todos os habitantes da ilha. Segismundo é um antigo funcionário dum banco comercial e, falando com o Anselmo, afirma existirem dois sistemas monetários possíveis.

1º Sistema Monetário: o governo (Anselmo) cria apenas uma pequena parte do dinheiro na forma metálica, o banco privado (construído pelo ex-banqueiro) o empresta à ilha toda sob forma de moeda, papel ou dinheiro electrónico, em troca de juros.

2º Sistema Monetário: o governo (Anselmo) cria todo o dinheiro (metal, papel ou electrónico) do qual o sistema económico precisa, gasta-o na despesa pública ou vai distribuí-lo em partes iguais a todos os habitantes da ilha.

Análise do 1º Sistema Monetário

O primeiro Sistema Monetário é baseado neste conceito: o Estado não é capaz de gerir de forma eficiente a sua soberania monetária, por isso deixa o controle e a gestão da criação do dinheiro a um sistema bancário privado.

Neste caso, a propriedade da moeda ainda é do Estado, mas este cunha apenas uma pequena quantidade, deixando ao sistema bancário privado a capacidade de criar notas e dinheiro, especialmente electrónico, em grandes quantidades e sem qualquer controle .

Característica fundamental deste sistema é que o dinheiro criado pelo banco privado, não tendo este soberania monetária, é criado exclusivamente através de empréstimos e implica o pagamento de juros.

Desta forma, o Estado e os cidadãos da ilha têm uma dívida pública e privada que cresce constantemente (o dinheiro é obtido apenas com os empréstimos do banco privado) e existe moeda apenas se houver dívida (criada pedindo os empréstimos ao banco privado).

Isso cria um problema fundamental: dado que o banco privado cria o dinheiro emprestado mas não os juros (estes têm que ser pagos pelos habitantes que recebem os empréstimos: realce para o facto do Estado também receber empréstimos), a dívida pública e privada é matematicamente inextinguível, cresce exponencialmente e, eventualmente, força todos a trabalhar para pagar a dívida em vez de usar as energias para melhorar as suas condições de vida na ilha.

Assim, em poucos anos, na ilha haveria a concentração de toda a riqueza nas mãos de uma única pessoa (o banqueiro) e o empobrecimento de todos os outros, incluindo o Estado que será forçado a aumentar os impostos, reduzir os serviços e privatizar as actividades públicas na tentativa de pagar apenas uma parte da sua dívida.

Análise do 2º Sistema Monetário

O segundo sistema monetário é baseado neste conceito: a propriedade da moeda é do Estado e o
Estado são todos os cidadãos; portanto, a soberania monetária é exclusiva do Estado que representa os cidadãos e deve ser este o único capaz de criar o dinheiro utilizado no sistema económico.

Este dinheiro, uma vez criado, é inserido entre os activos do orçamento e utilizado tanto para o investimento quanto para a construção de obras públicas, bem como para a despesa pública corrente.

Desta forma, o Estado não tem dívida pública e os cidadãos têm uma dívida privada limitada apenas aos casos de real necessidade económica: além de que existe dinheiro independentemente da dívida (no 1º Sistema Monetário, pelo contrário, todo o dinheiro criado implica o pagamento de juros).

O dinheiro é introduzido no sistema económico mediante a despesa do Estado, que pode ter a necessidade de aplicar impostos para equilibrar a massa monetária em circulação (nota: “pode criar impostos” e não “precisa” ou “deve”, porque um Estado não tem necessidade de pôr as mãos nos bolsos dos cidadãos a não ser, como afirmado, para limitar o perigo da inflação. Mas este é um assunto que será aprofundado duma próxima vez. Agora, só desejo lembrar que apesar das Quantitative Easing do Banco Central Europeu, na Europa há casos de deflação e não de inflação…).

E o banco privado? Pode existir, o importante é que não tenha a capacidade de criar dinheiro do nada e que os empréstimos sejam para a economia real, não para a produção de pedaços de papel úteis apenas à Finança. O que importa, na ilha, é a produção de bens e serviços que podem melhorar o bem-estar de todos, não apenas os poucos privilegiados.

Com o 2º Sistema Monetário, em alguns casos especiais (no início deste sistema monetário, por exemplo), pode ser preciso criar uma certa quantidade mínima de dinheiro depois distribuído a todos em partes iguais, de modo que o sistema económico possa rapidamente começar; ou também em situações de grave recessão, onde é preciso aumentar rapidamente a quantidade de dinheiro em circulação e o poder de compra dos cidadãos.

Conclusões

O nosso actual Sistema Monetário é, obviamente, o primeiro: e o facto do dinheiro ser criado do nada por parte de bancos privados tem uma enorme responsabilidade no surgimento e na manutenção da actual crise económica. Se o desejo for implementar uma  qualquer reforma do Sistema Monetário, são indispensáveis algumas medidas:


1. O dinheiro deve ser criado livre de dívida e de juros

De facto, se o dinheiro criado for imediatamente usado por cidadãos, empresas ou Estado, entra na economia sem empréstimos e sem interesses, isso é: sem juros. Então não cria dívida, nem pública nem privada. Este dinheiro será depositado em bancos, que por sua vez o emprestarão aos clientes, mas só nesta caso criaria uma dívida, privada e muito limitada.

2. O dinheiro só pode ser criado por um organismo público, democraticamente controlado e independente

É claro que o dinheiro não deve ser criado por particulares, mas é igualmente verdade que é o Estado que o cria e o gasta pode criar conflitos de interesse que são difíceis de evitar. Por isso o dinheiro deve ser criado por um organismo público, democrático, independente com o fim de evitar possíveis “abusos”.

3. O dinheiro criado deve ser injectado exclusivamente na economia real

Hoje estamos a testemunhar a financeirização da economia real, o que provoca o crescimento anormal da economia financeira e, consequentemente, distribui a riqueza de forma absolutamente desigual, concentrando-a naquele 1% da população que controla directa ou indirectamente o Sistema Monetário.

Hoje, boa parte do dinheiro criado pelos bancos privados acaba no mundo da Finança e o mesmo acontece com os Quantitative Easing das várias instituições monetárias. 

Considerando que a nossa prosperidade deriva dos produtos e dos serviços que somos capazes de produzir e distribuir de maneira uniforme, é necessário que o dinheiro criado seja inicialmente destinado exclusivamente a cidadãos e empresas; estes poderão decidir livremente se usá-lo para produtos e serviços reais ou para comprar produtos financeiros.

Ipse dixit.

Moneta Positiva, International Movement for Monetary Reform, Boa Moeda

2 Replies to “Anselmo, a ilha e o banco”

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