O genocídio dos povos indígenas dos Estados Unidos – Parte IV

A terceira fase do genocídio dos índios da América do Norte (entre 1763 e 1840), aconteceu após o
desaparecimento dos Franceses do território dos actuais Estados Unidos e viu a expansão das colónias britânicas.

Como vimos, o Rei britânico tinha declarado a cadeia dos montes Allegheny e o rio Ohio qual fronteira perpetuidade entre os colonizadores e os nativos: mas a transgressão desta disposição com o tempo tornou-se uma constante: os recém chegados iam cada vez mais longe na conquista de novas terras e novos lucros e utilizaram a força para impor-se sobre os nativos.

Estes últimos reagiam atacando os colonos, que nestes casos retiravam-se para deixar o campo às forças armadas regulares. A táctica era simples: provocava-se um casus belli, geralmente um acontecimento de segundaria importância, a seguir os índios eram caçados, morto, privados de qualquer forma de subsistência e forçados a assinar um tratado em que eram obrigados a ceder vastos territórios. Depois disso, os colonos avançavam para repetir tudo outra vez.

O episódio que abriu esta fase foi a famosa revolta de Pontiac, chefe do povo Ottawa. Perante a arrogância
dos colonialistas britânicos, que ocupavam muitas mais terras do que os predecessores franceses, Pontiac pus em marcha um projecto que previa a união de todas as tribos do Noroeste contra os britânicos. E conseguiu, reunindo 12 nações indígenas (Chippewa, Ottawa, Delaware, Shawnee, Fox, Kickapoo, Miami, Potawatomi, Menomini, Iroqueses, Seneca, Mingo e Hurons) para um total de 10.000 guerreiros: o objectivo era expulsar os colonos das que ficavam a Oeste da cadeia dos montes Allegheny.

Alegado retrato de Pontiac

Em Maio e Junho de 1763, os exércitos dos guerreiros assaltaram todas as principais fortificações da área: nesta luta perderam a vida 2.000 colonos enquanto outros 20.000 retiraram-se para Leste. A contra-ofensiva britânica começou em Julho de 1763. No comando do exército britânico ainda uma vez encontrava-se o general Jeffrey Amherst: novamente foi dada a ordem de espalhar a varíola entre os nativos, definidos, nas palavras do mesmo Amherst: “Não um inimigo, mas a raça mais vil que já contaminou a terra, cuja eliminação deve ser considerada como um acto de libertação para o benefício da humanidade”.

O exército inglês reocupou Detroit e, em seguida, tentou fazer o mesmo com Fort Pitt: depois duma dura luta, que matou 110 britânicos e 60 índios, estes últimos foram forçados a recuar e Fort Pitt voltou nas mãos do inglês. Após uma série de choques, em Setembro de 1763, os britânicos prepararam uma enorme expedição para reprimir a rebelião uma vez por todas. Os seguidores de Pontiac estavam cada vez mais desgastados e desanimados: alguns deles aceitaram assinar tratados de paz em separado: deixado com poucos fiéis, o chefe Pontiac capitulou em 1766. No entanto, apesar da derrota, Pontiac tinha mostrado como uma união das nações indígenas era importante para uma melhor resistência perante os invasores.

Em 1773 eclodiu a Guerra da Independência Americana, que viu um pesado envolvimento dos índios. A razão era simples: apesar dos vários choques, o governo britânico estava inclinado à preservação da paz na América, ficando mais interessado na expansão em outras zonas do planeta, fonte de mais receitas: a ideia não era uma vaga migratória para Oeste mas limitar a movimentação expansionista das colónias. Pelo contrário, os colonos estavam interessados a eliminar os obstáculos impostos pela Coroa e ocupar assim quantas mais terras possíveis no Leste.

Thayendanegea

Uma vez que tanto o Exército Continental de George Washington quanto as forças dos britânicos eram limitados, ambos os lados tentaram envolver os índios, empurrando-os cada um para escolher o seu lado. Com medo de ficarem sozinhos contra a cobiça dos colonos, a maioria escolheu o mal menor, ou seja lutar ao lado dos ingleses. Aqueles que tinham em campo a maior força eram os Iroqueses, que ainda representavam a mais poderosa nação indiana: sob a orientação do líder Thayendanegea, travaram uma luta sangrenta contra os colonos de Washington.

Durante alguns anos, o confronto permaneceu em condição de igualdade entre as duas facções, mas a derrota do General britânico Burgoyne em Saratoga (17 de Outubro de 1777) marcou a fase descendente dos Iroqueses. Em 1779, Washington enviava contra eles um exército de 4.600 homens sob o comando do General Sullivan com ordens claras: invadir o território dos índios, queimar todas as aldeias, capturar todos os sobreviventes e matar os que demonstrassem vontade de resistir. Contra esta força, Thayendanegea dispunha de 1.000 combatentes auxiliados por 500 britânicos. Apesar da resistência, 50 aldeias índias foram completamente arrasadas e todos os produtos alimentares, colheitas e gado destruídos. Durante a expedição, Sullivan conseguiu capturar ou matar bem poucos índios, porque estes se tinham afastados após o desastroso resultado dos primeiros confrontos; mas a dizima-los foram o frio, a fome e as epidemias de vários tipos.

Apesar deste golpe, os Iroqueses não desapareceram e reagiram na Primavera seguinte: depois de ter reunido 1.500 guerreiros, atacaram o vale de Schoharie, destruindo todos os fortes com a exceção de um. Mas foi um sucesso de curta duração, porque já em 1781 o exército dos colonos contra-atacou expulsando-os e empurrando-os para Oswego, no Oeste. Após a derrota britânica de 1783, os Iroqueses foram divididos: alguns seguiram Thayendanegea no Canadá, onde obtiveram a terra que ainda hoje os seus descendentes ocupam; outros permaneceram nos Estados Unidos, sendo mais tarde completamente despojados dos seus haveres e confinados em pequenas reservas.

Significativo o episódio do massacre perpetrado contra a comunidade de índios da tribo Delaware que se tinha convertido ao Cristianismo e que vivia em algumas aldeias ao longo do rio Muskingum, Ohio, após ter sido obrigados a abandonar a terra de origem (que, ironicamente, hoje é conhecida como o Estado Delaware) com o tratado de Fort Pitt (1778). Em Março de 1782, o comandante americano de Fort Pitt, Irvine, deu ordens para destruir as aldeias: os ataques resultaram no desaparecimento de 62 adultos e 34 crianças, tendo escapado apenas duas crianças que fingiram estar mortas. O coronel Crawford empenhou-se na destruição completa da tribo, perseguindo um grupo de Delaware que tinha procurado refugio numa ilha no rio Allegheny. O resultado dessa barbárie foi que os Delaware, que até então haviam lutado ao lado das forças de Washington, viraram-se contra os colonos: uma coluna militar comandada por Crawford e composto por 480 soldados, foi atacado perto de Sandusky e cerca de 180 soldados, incluindo o próprio Crawford, perderam a vida no ataque.

Litografia de Little Turtle

Enquanto isso, a guerra de independência tinha acabado e os colonos, agora livres dos limites expansionistas
impostos pela Coroa, iniciaram o avanço nos territórios do noroeste. Inicialmente os EUA encontraram uma dura resistência por parte de todas as tribos da região: estas estavam agora bem conscientes do perigo mortal que corriam e estavam determinados a não desistir das suas terras. Entre 1783 e 1790, 1.500 colonos foram mortos ou capturados pelos índios, e muitos destes ataques foram realizados pelo chefe da tribo Miami, Little Turtle.

Contra estes resistentes, os comandantes dos EUA enviaram algumas expedições mas sem conseguir o desejado sucesso: a primeira expedição, comandada pelo general Harmar, voltou para a base com um total de 183 mortos e 31 feridos, a segunda, comandada pelo geral Saint-Clair, acabou ainda pior. Saint-Clair enfrentou os índios de Little Turtle numa batalha perto do rio Wabash, em 04 de Novembro de 1791: foi a maior vitória dos índios sobre os colonizadores e uma das piores derrotas em percentagem sofrida pelo exército dos EUA, com 637 mortos no campo e 263 feridos.

Galvanizado por este sucesso, Little Turtle decidiu voltar a lutar para expulsar os colonos dos seus territórios de forma permanente mas cometeu um erro: atacou Fort Recovery ignorando que este se encontrava defendido por canhões e sofrendo assim uma pesada derrota. Os soldados aproveitaram a oportunidade para chegar a um acordo com os líderes das tribos que apoiavam Little Turtle: este, deixado sozinho, foi convidado a assinar um tratado de paz mas foi substituído na liderança pelo chefe Turkey Foot. O novo chefe optou para uma resistência sem compromissos e foi finalmente derrotado nos confrontos com as tropas do geral Wayne.

A paz assinada em Fort Greenville em 1795 estipulava que “para sempre” os índios teriam mantido as terras além do rio Ohio. Na verdade, a expressão “para sempre” assumiria o significado de “alguns tempos”.

Ipse dixit.

Relacionados:
O genocídio dos povos indígenas dos Estados Unidos – Parte I
O genocídio dos povos indígenas dos Estados Unidos – Parte II
O genocídio dos povos indígenas dos Estados Unidos – Parte III
O genocídio dos povos indígenas dos Estados Unidos – Parte IV

Fontes: na última parte do artigo.

5 Replies to “O genocídio dos povos indígenas dos Estados Unidos – Parte IV”

  1. Espero com curiosidade os últimos capítulos da história desse genocídio porque o pessoal da minha geração cresceu assistindo filmes de bandido e mocinho onde invariavelmente o mocinho era o branco e o bandido sempre índio. Ninguém estudou a história dos índios. No Brasil a justificativa dos alunos mais curiosos sempre foi que as tribos que aqui viviam eram nômades, portanto ainda mais atrasadas e indolentes. Quando capturados nas "gloriosas" entradas e bandeiras, preferiam morrer ou fugir a ser obrigados a trabalhar como escravos. Eram perigosos a ponto de muitos serem canibais. Fala-se das missões jesuíticas para enaltecer o trabalho de aldeamento e catequese dos índios "selvagens". Quando nós, brasileiros (as) ficamos adultos, dependendo do grau de curiosidade ou envolvimento crítico político-sociológico com premissas de justiça social, lemos antropólogos como Darcy Ribeiro, e aí descobrimos o "povo" brasileiro e suas histórias. E nas escolas dos Brasileiros(as) que têm idade para serem hoje nossos netos, continua-se com a mesma "estória", festejando-se o dia do índio e cantando: "nosa nina ore cua cua, casa ete ete, nosa anina tera rau rarau, oloriti niti…" sem saberem o que estão dizendo.

  2. Importante salientar também , o extermínio dos Índios Charruas, que habitavam a região do baixo Uruguai e o pampa gaúcho.
    Foram ludibriados e traídos em um dos episódios mais revoltantes da absurda Guerra do Paraguai.

  3. Bem lembrado Sergio. Os "primitivos" gaúchos, Charruas e Minuanos sonharam uma vez com Artigas (herói uruguaio "para alguns") uma terra de liberdade para todos e todas, gado criado sem alambrados, terra de todos na mesopotâmia gaúcha (atual norte da Argentina), mas como o destino de todas as verdadeiras anarquias é serem esmagadas, o sonho dos gaúchos ancestrais desapareceu com eles.

  4. O pior é que a História é contada no passado, e nós sabemos que até hoje os nativos vivem ainda perseguidos. No Brasil as terras indígenas ainda não foram totalmente demarcadas, tivemos há pouco ataques sangrentos contra o povo Guarany Kaiowá; na Argentina os Mapuche ainda são perseguidos, e os orgulhosos Sioux norte-americanos vivem em casebres caindo aos pedaços e sem aquecimento na Reserva de Pine Ridge – Dakota do Sul, eua, só para citar alguns exemplos.

  5. A dizimação de nativos em várias regiões do mundo transformadas em colônias para que fossem exploradas em suas riquezas naturais ocorrem, basicamente por dois motivos: de um lado, a rejeição dos nativos à escravidão, e de outro, colonos cuja maioria eram ignorantes imbuídos por fanatismos religiosos onde se consideravam missionários de Deus (puritanismo)e que doutrinados, viam os nativos como animais selvagens ,e alguns líderes que sabiam muito bem o propósito real de suas incursões.

Obrigado por participar na discussão!

This site uses User Verification plugin to reduce spam. See how your comment data is processed.

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.

%d bloggers like this: