Berm, o muro de Marrocos

O Conselho de Segurança das Nações Unidas decidiu prorrogar por mais um ano a Missão das Nações Unidas para a organização do referendo no Sahara Ocidental (a assim chamada MINURSO) no meio duma das fases mais difíceis durante o percurso para a autodeterminação do povo Saharawi, após a decisão de Marrocos, como potência ocupante, de expulsar 73 membros do pessoal civil da MINURSO em Março.

A Resolução nº 2285 sobre a continuação da MINURSO foi aprovada com os votos favoráveis de Espanha e França, três abstenções (Rússia , Angola e Nova Zelândia) e dois contra (Venezuela e Uruguai). A Resolução sustenta a “necessidade urgente” de que a missão multinacional, até agora totalmente ineficiente, recupere o seu pleno funcionamento dentro de 3 meses e o Secretário-Geral das ONU informou o Conselho de Segurança sobre a situação.

A história do povo Sahrawi (do árabe الصحراويون‎, al-ṣaḥrāwī) é parecida com outras igualmente ignoradas pelos órgãos de informação.


Os Sahrawi consistem em grupos tribais árabes-berberes que vivem na área do Sahara Ocidental desde o séc. VII d.C., nas zonas que até 1974 formavam o Sahara espanhol,
conhecido como Saqiyat al-Hamra (Saguia el Hamra em espanhol) e
al-Dhahab Wadi (Río de Oro). Após décadas de luta, em 1966 a ONU
ratificou o acto de autodeterminação do povo Sahrawi e em
1973 a Polisário (Frente Popular de Liberación de Saguia el Hamra y Río de Oro) organizava o seu primeiro congresso de
fundação; a Espanha, no ano seguinte, realizava o censo necessário para organizar o referendo. O resultado indicava a presença na região de 74.902
pessoas e em Agosto de 1974 a Espanha anunciava o seu parecer
favorável para a realização do referendo de autodeterminação.

Em 1975, enquanto a Espanha começava a retirar as suas tropas e funcionários, Marrocos enviou um exército de 25.000
homens na fronteira com o Sahara Ocidental e poucos meses mais tarde o rei Hassan II organizou a Marcha Verde,
na qual 350 mil marroquinos entraram na área dos Sahrawi para impedir o referendo e lançar as bases duma apropriação dos
territórios. Entretanto, do sul também a Mauritânia ameaçava o povo Sahrawi que em breve organizou-se para a resistência proclamando a República Árabe
Democrática Saharawi, RASD (em árabe الجمهورية العربية الصحراوية الديمقراطية).

A resistência armada prosseguiu ao longo de anos e viu também a utilização de napalm por parte do exército marroquino contra as aldeias do nativos. Em
1979, a Mauritânia assinou um acordo de paz em separado, reconhecendo
a RASD e deixando assim o peso do conflito em curso ao Marrocos, que logo invadiu a totalidade do território, forçando ao êxodo numerosos
combatentes com relativas famílias (na maioria refugiados na oásis de Tindouf, Argélia).

Campo de refugiados Sahrawi

Em 1991, com a
actuação do cessar-fogo, a ONU enviou uma missão no Sahara
Ocidental (a tal MINURSO), com a tarefa de monitorizar a situação e organizar o referendo previsto. Em
2003 (doze anos após o começo da missão), a ONU propôs um plano
em duas fases que, depois duma transição de 5 anos com Marrocos e Sahara Ocidental a governar em conjunto, deveria ter culminado com o referendo: mas o plano não encontrou o favor do Marrocos. O Conselho de Segurança das Nações Unidas prolongou
até 2004 o mandato da MINURSO à espera de um repensamento e desde então a situação nunca mais mudou.

Ao observar um mapa do Sahara Ocidental, aparentemente nada encontramos que possa justificar uma crise tão douradura: uma área excepcionalmente árida, com o deserto que chega até as ondas do Atlântico, nenhum cultivo possível, nenhuma floresta, apenas alguns pastos. Basicamente areia e rochas.

No entanto, a riqueza não está à vista: o grande recurso económico é constituído pelos fosfatos, dos quais pode ser extraído o urânio; e 85% de todo o urânio dos fosfatos (cerca de 7 milhões de toneladas no Mundo) se encontra no Sahara Ocidental. A principal mina a céu aberto é Bou Craa: ocupa uma área de 250 quilómetros quadrados, fica no centro duma vasta região toda para ser explorada (as estimativas apontam para 1.200 quilómetros
quadrados), é ligada ao mar com a correia transportadora mais comprida do mundo (cerca de 100 km).

No entanto, a extracção dos fosfatos por parte do Marrocos é ilegal, tal como seriam ilegais a exploração de petróleo e gás que, segundo novas pesquisas, abundam na região.

O Berm

O Berm

Hoje o território do povo Sahrawi está cercado por um muro, o maior entre todos após a Grande Muralha Chinesa: mais de 2.700 quilómetros de extensão. Construído pelo Marrocos
ao longo das décadas com a ajuda de israel e da Arábia Saudita, é
formado por seis principais linhas de pedra, arame farpado,
fortificações e campos minados: um complexo que atinge os três metros de
altura e é conhecido com o nome de Berm.

A cada quatro ou cinco quilómetros é presente um quartel que funciona como posto de observação, geralmente constituído por 40/50 tropas de infantaria. Atrás dos maiores quartéis, uns quatro km afastados do Berm, existe um posto de reacção rápida, que inclui forças móveis como tanques e paraquedistas.

A cada 15 km de extensão do Berm há também um radar: alguns são móveis, outros são mais sofisticados tal como o Rasura y AN/PPS-15 que dispõe da capacidade de vigiar os primeiros 60 km do território
controlado pelo Polisario: as informações dos radares são analisadas
pelos comandantes dos principais quartéis que podem contactar as
unidades de artilharia na retaguarda.

No total são mais de 100.000 os soldados utilizados pelo Marrocos na defesa do muro, coadjuvados pelo maior campo minado do Mundo: não há números oficiais mas as estimativas apontam para não menos de 10 milhões de minas, com um máximo de 40 milhões.

A RASD

Hoje a RASD é um Estado parcialmente reconhecido (é membro da União Africana mas não é reconhecido pela ONU) que reivindica a soberania sobre todo o Sahara Ocidental; controla apenas entre 20% a 25% do território que reclama como seu,
sendo que o Marrocos controla, administra e explora o resto (definido
como Províncias do Sul). O governo da RASD considera esses territórios
como regiões ocupadas.

Auto-proclamado em 1976, o RASD tem como capital nominal Laayoune (a capital temporária é Tifariti, na área controlada pelo Polisario) e uma população de pouco inferior a 600 mil habitantes; mas quase 100 mil ainda moram no campo de refugiados em Tindouf.

Não é simples determinar o número dos Sahrawi, sendo que muitos deles vivem fora da RASD: por exemplo, no Marrocos são entre 90 mil e 200 mil, na Argélia entre 90 mil e 184 mil, na Mauritânia cerca de 26 mil. No total, as estimativas variam entre pouco mais de 200 mil até 1 milhão.

As condições de vida são precárias: no territórios estrangeiro os Sahrawi moram em centro de acolhimentos e a crise económica dos últimos tempos europeia limitou a ajuda recebida; delicadas é também a situação em pátria, pois a RASD ocupa o interior da província do Sahara Ocidental, composto pela hamada do Draa. A hamada é um tipo de deserto pedregoso, caracterizado por uma paisagem árida, solo duro, com mesetas rochosas e muito pouca areia.

Os fosfatos

A nova Resolução não passa dum adiamento. Estados Unidos, israel, Arábia Saudita e França são os principais apoiantes da ocupação marroquina e a abstenção dos outros Países (como a Rússia) não ajuda. O Marrocos ao longo das décadas tem recebido apoio militar e técnico, podendo hoje contar com sistemas da ponta tanto na “defesa” do Berm quanto na exploração dos fosfatos. Mais uma vez, o problema está nestes materiais: os fosfatos têm várias aplicações.

Comunemente usados ​​como detergentes sob a forma de fosfato de sódio, na agricultura o ião de fosfato é um dos três principais nutrientes para as plantas e este é um componente de diversos fertilizantes. Sais de fosfato são adicionados à água potável pública para reduzir a quantidade de chumbo dissolvido. A indústria alimentar também utiliza fosfatos para diferentes fins: por exemplo, na produção de carne, para solubilizar as proteínas ou em produtos de panificação, tais como biscoitos e bolachas, para a criação de fermento químico, mais rápido que o natural.

Mas além do emprego directo dos fosfatos, as rochas que os contêm apresentam elevados teores de cádmio, chumbo, níquel, cobre, crómio e urânio, metais que encontram inúmeras aplicações na indústria:
acumuladores (cádmio, chumbo, níquel), fissão nuclear (cádmio, urânio), semicondutores, plásticos ou robótica são apenas alguns dos exemplos possíveis.

Não acaso, o OCP Group (Office Chérifien des Phosphates), a agência de Estado marroquina que trata da extracção e da comercialização dos fosfatos, tem como principais partneres a Dupont e a Jacobs Engineering Group Inc., esta última um dos principais contractor do Ministério da Defesa dos EUA.

Ipse dixit.

3 Replies to “Berm, o muro de Marrocos”

  1. Fico imaginando extraterrestres com tecnologias físicas e políticas diferentes "descobrindo" um muro desta envergadura, o tal Berm. Inicialmente talvez exclamassem como se diz na terra gaúcha onde nasci: "baita estância, tchê!!", quando nos referimos a um vasto território alambrado dentro do qual o gado de corte nasce e cresce no descampado e só é buscado pelos irmãos bípedes que chamam a si próprios de humanos quando são encaminhados para a morte. Então, chegando mais perto se surpreenderiam ao perceber que lá dentro do muro esperam a morte um gado bípede/humano. Entenderiam com certeza a realidade que muitos bípedes/humanos "conscientemente críticos do sistema" preferem não saber: o fato de que os bípedes/humanos transformaram esse planetinha num enorme açougue onde alguns bípedes/humanos encarceram, matam e fazem desaparecer os cadáveres de mamíferos de todo tipo.
    Ótimas informações, Max. Sugiro um levantamento de refugiados de todo mundo hoje no mundo> números, localizações, determinantes dizíveis e não, movimentações em andamento para saber das "estâncias" de gado bípede e relativas tecnologias de "manejo". Obrigada de antemão.

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