O genocídio dos povos indígenas dos Estados Unidos – Parte III

Cherokee, 1836

A segunda fase do genocídio pode ser individuada entre os anos de 1689 e de 1763: corresponde a uma fase que viu as guerras entre as potências europeias, empenhadas na tentativa de ocupar as terras do Novo Mundo.

Não poucas vezes estes choques eram a extensão das guerras travadas na Europa, mas interessaram os índios porque nas terras da América do Norte os nativos foram chamados por duas razões:

  1. ultrapassar a falta de eficácia dos exércitos regulares (os índios tinham um melhor conhecimento do território)
  2. aumentar o número de efectivos

Nesta fase as potências colonizadoras exploraram os antagonismos já presentes entre as várias tribos indígenas, muitas vezes levando os nativos para verdadeiras guerras que custaram milhares de mortes. Foi desta forma que inteiras nações indígenas foram dizimadas: é o caso dos Abenaki, que lutaram ao lado dos franceses, dos Choktaw (ainda ao lado dos franceses) e dos Chickasaw (aliados dos ingleses). Para ter uma ideia desse envolvimento, são emblemáticas das palavras do general britânico James Wolfe, após a derrota francesa no Quebec (1759) que declarou:

Os Iroqueses têm conquistado um império pela coroa britânica

Significativa também a derrota do general britânico Edward Braddock no rio Monongahela, em 1755, tornada possível pela fundamental presença dos índios que lutaram ao lado dos franceses.

O final desta fase na prática coincide com o abandono da França da cena americana. É um ponto de viragem que os nativos irão pagar caro: a partir daqui ingleses antes e estadounidense depois terão como objectivo a ocupação de mais e mais terras, aquelas mesmas terras que sempre tinham sido ocupadas pelas várias tribos índia.

Todavia, ao rever os acontecimentos que caracterizaram a conquista do território americano nesta fase, não podemos pensar que as tentativas de ocupação já experimentadas na primeira fase tivessem parado. Apesar das guerras entre europeus empenharem os exércitos (regulares ou milicianos), continuava a chegada dos colonos e a procura para novas terras. Foi neste contexto que se deu a Guerra Cherokee, conhecida também como Cherokee Uprising.

A revolta dos Cherokee

Esta nação indiana do território norte-americano do sudeste era poderosa e os britânicos, inicialmente, procuraram uma aliança através da assinatura dum tratado em 1645. Mas, mais tarde, um episódio aparentemente secundário marcou o fim do acordo.

Em 1751, alguns Cherokee tinham roubado uns cavalos para substituir aqueles perdidos durante os confrontos com a tribo dos Shawnee (contra os quais tinham combatido por estes serem aliados dos franceses). Em reação, a milícia da Virgínia atacou e matou um grupo de Cherokee pacíficos, o que desencadeou uma nova reação, desta vez por parte dos nativos (o que provocou 10 mortos entre os colonos). Este último facto determinou o verdadeiro início das hostilidades.

Jeffery Amherst

O comandante inglês Jeffery Amherst enviou um exército de 1.700 homens e atacou os Cherokee. Durante o ataque inicial, os britânicos destruíram quatro aldeias indígenas, matando todos os habitantes. Perante a recusa dos índios a render-se, os militares continuaram a avançar até serem travados perto da aldeia indígena de Etchoe, que conseguiram conquistar somente depois de sofrer pesadas perdas.

Mas a guerra ainda não tinha acabado. Em 1761, Amherst, que agora tinha a disposição um maior número de homens (a guerra contra a França tinha acabado), rejeitou qualquer proposta de paz do chefe Attakullakulla e formou um exército de 2.800 homens que penetraram nas terras dos Cherokees.

Apesar da feroz defesa, os nativos foram forçados a recuar nas montanhas mais altas enquanto os britânicos devastavam as aldeias (um total de 15) e, sobretudo, destruíram todas as formas de cultivo. O Cherokee foram assim atingidos por uma carestia e morreram em massa: os poucos sobreviventes tiveram de pedir uma paz que custou milhões de milhas quadradas de território.

Foi durante as operações contra os nativos que apareceu a guerra biológica: a sugestão tinha sido avançada pelo próprio Amherst em cartas ao coronel Henry Bouquet. Amherst, tendo aprendido que a varíola tinha quebrado as forças das guarnição de Fort Pitt, Venango, Le Boeuf e Presqu ‘ Isle, escreveu ao coronel Bouquet:

Não seria possível enviar a varíola entre as tribos descontentes de índios? Devemos, nesta ocasião, usar todos os estratagemas ao nosso alcance para reduzi-los.

Bouquet, que já se encontrava em marcha para atacar os nativos, concordou com a sugestão num pós-escrito alguns dias mais tarde (13 de Julho de 1763):

P. S. Vou tentar inocular os índios por meio de cobertores que podem cair nas mãos deles, tendo o cuidado, contudo, de não transmitir a doença para nós. Como é pena opor bons homens contra eles, gostaria que pudéssemos fazer uso do método do espanhol e caçá-los. Com a ajuda dos Rangers e de alguns homens da Cavaleira Ligeira, acho que efectivamente podemos extirpar aqueles vermes.

Em resposta, também num pós-escrito, Amherst:

P. S. Você faz bem a tentar inocular os índios por meio de cobertores, bem como experimentar todos os outros métodos que podem servir para extirpar essa raça abominável.

Com a rendição dos Cherokee acaba a segunda fase do genocídio dos nativos americanos. E até parece um fim positivo: apesar das perdas sofridas, o quadro geral apresenta-se como positivo aos olhos dos índios: os franceses abandonaram e o soberano do Reino Unido declara os montes Allegheny (parte da cadeia dos Apalaches) e o rio Ohio quais fronteiras perpétuas entre os colonos e os nativos.
Na verdade, este era apenas o começo da última e mais feroz parte do genocídio.

Ipse dixit.

Relacionados:
O genocídio dos povos indígenas dos Estados Unidos – Parte I
O genocídio dos povos indígenas dos Estados Unidos – Parte II
O genocídio dos povos indígenas dos Estados Unidos – Parte III
O genocídio dos povos indígenas dos Estados Unidos – Parte IV

Fontes: na última parte do artigo.

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