O genocídio dos povos indígenas dos Estados Unidos – Parte II

Eis a segunda parte da série dedicada ao genocídio dos povos indígenas dos Estados Unidos.
A conquista do solo da América do Norte pode ser dividida em cinco fases principais.

A primeira fase: 1512 – 1689

Iroqueses

A primeira fase (1512-1689) é caracterizada por empresas isoladas de vários pioneiros (normalmente espanhóis, ingleses, holandeses e franceses), muitos dos quais eram pessoas que tinham escolhido este caminho para evitar as prisões da Europa. No início, os nativos recebiam bem os recém-chegados, mas em breve, perante os evidentes objectivos hegemónicos mostrados, assumiram uma posição mais dura que depois teria alcançado a verdadeira resistência.

Iroqueses

O episódio que mais caracterizou esta primeira fase de resistência foi a tentativa de invasão francesa contra os Iroqueses. Na altura, este povo constituía o nível mais avançado entre os nativos da América do Norte e formavam a “Liga da Longa Casa”, com um sistema jurídico bastante evoluído, que incluía cinco tribos (por esta razão é também conhecida como “Liga das Cinco Nações”): Mohawk, Oneida, Onondaga, Cayuga e Seneca, estes últimos mais numerosos e mais agressivos.


Deve-se dizer que, no geral, os relacionamentos dos nativos com os Franceses foi relativamente bom (especialmente com as tribos dos Algonquian, inimigos históricos do Iroqueses). Isso porque os interesses dos Franceses estavam mais voltados para o comercio e menos para a aquisição de terras. Mesmo assim, os chefes Iroqueses desconfiavam e no início da resistência podiam contar com 12.000 indivíduos, dos quais cerca de 1.200 guerreiros. As primeiras acções foram dirigidas contra tribos vizinhas, amigas dos Franceses, na maioria Hurões, que foram batidos; em seguida, os guerreiros da Liga dirigiram os seus ataques contra os Erie, também vencidos e cujos guerreiros foram engrossar as fileiras da Liga.

A verdadeira guerra contra os Europeus começou em 1652, quando um índio dos Seneca foi preso e queimado vivo pelos Franceses em Trois-Rivieres. Sedentos de vingança, 600 guerreiros Iroqueses devastaram a cidade. Em 1660, um exército de 1.200 Iroqueses liderado por Aharihon tentou assaltar Quebec, mas encontrou forte resistência que os obrigou a limitar-se a manter a cidade sob cerco durante um ano. Após a chegada de três novos comandantes, Talon, Tracy e Courcelles, os Franceses contra-atacaram com relativo sucesso, sem nunca quebrar a resistência inimiga, que utilizava uma técnica composta de constantes ataques seguidos de rápidos recuos.

Em 1684 os Britânicos construíram uma aliança com o Iroqueses, fornecendo-lhes armas em quantidade. Apesar de terem sido iniciados esforços de paz, o novo Governador Denonville convidou 60 índios para um banquete sob o pretexto de negociar, acabando por enviar todos para a França como escravos. O índios nunca chegaram ao destino: todos morreram durante a viagem devido a um surto de doença no navio. As negociações de paz ficaram como assunto arrumado e os Iroqueses planearam a vingança. No dia 05 de Agosto de 1689 destruíram a aldeia de Lachine, matando ou capturando todos os habitantes. No mesmo ano eclodiu a guerra entre Grã-Bretanha e França, pelo que Paris decidiu ignorar o destino dos índios.

Pequot

Pequot

Enquanto isso acontecia no norte do continente, no sul, nos mesmos anos, os Ingleses da Virgínia mantinham relacionamentos razoavelmente pacíficos com os nativos. Mas isso não durou muito.

Depois de alguns incidentes de baixo nível (alguns índios roubaram porcos na sequência da falta de pagamento dos colonos e estes assassinaram alguns indígenas como retaliação), eclodiu aquela que é conhecida como “Revolta de Bacon”. Os colonos mataram seis líderes das tribos dos Susquehanna, desencadeando a reacção destes.

Contra a linha pacificadora escolhida pelo Governador da Virgínia, um colono recém-desembarcado, Nathaniel Bacon, que não reconhecia quaisquer direitos aos nativos, conduziu 440 mercenários contra uma aldeia índia perto de Richmond, matando 150 pessoas sem distinção de idade ou sexo. Em seguida, continuou da mesma forma até morrer por causa da malária. Todavia, antes de desaparecer da cena, a sua ação devastadora custou a quase aniquilação das tribos locais, que nunca recuperaram totalmente.

Os piores episódios que caracterizaram esta fase da guerra foram caracterizados pela presença de pregadores religiosos, que constituíam uma componente devastadora para os povos nativos. A Nova Inglaterra caiu de facto nas mãos dos Puritanos, que se consideravam “povo escolhido”(escolhido por Deus, obviamente) para criar naqueles lugares uma nova civilização depois de tê-los libertados dos “pele-vermelha filhos de Satanás”. A utilização da religião para justificar os massacres será uma constante na história da conquista da América, tanto no continente do norte quanto naquele do sul. Claro que é preciso dizer que nem todos os religiosos que chegaram à América tinham esta mesma mentalidade. Muitos eram indivíduos sinceros, movidos por nobres sentimentos e não poucas vezes ficaram ao lado dos índios, pagando com a vida tal escolha: os colonos eram fanáticos que tinham travessado o oceano à procura de novas terras e não estavam dispostos a reconhecer os direitos de quem já aí morava ou de quem estes defendia.

Nesta altura, um dos piores episódios teve lugar contra a tribo Pequot, guerreiros que tinham aprendido como a presença britânica nada de bom trazia. Alguns incidentes entre Pequot e marinheiros-caçadores britânicos foram o pretexto para desencadear uma repressão brutal. Depois de ter queimado algumas aldeias e as relativas culturas, a expedição punitiva composta por 90 soldados regulares e 70 mercenários índios (Mohegan do chefe Uncas e guerreiros Narraganset) atacou de surpresa a aldeia Pequot no Mystic River. Era o dia 26 de Maio de 1637 e passou para a história como um dos dias mais negros na luta contra os colonialistas. Depois de entrar na aldeia e disparar contra os habitantes, os atacantes queimaram todas as habitações e quem tentava escapar era imediatamente abatido.

Naquele dia morreram 600 Pequot de todas as idades e sexo. Os sobreviventes começaram uma terrível fuga, perseguidos pelos britânicos. Aqueles que não conseguiram escapar eram mortos; isso sem considerar as 80 entre mulheres e crianças que foram feitas escravas. Os últimos sobreviventes fugiram para um pântano perto de Fairfield, foram cercados e derrotados depois duma breve e furiosa batalha. Dos 200 que se renderam logo foram perdidos os vestígios. A pequena nação Pequot tinha sido completamente extinta.

Incidentes semelhantes também envolveram os Holandeses que se instalaram nas proximidades das áreas que hoje são conhecidas como Maine e Connecticut, sob a liderança do Governador Willem Kieft. A “campanha” holandesa contra os índios durou desde 1640 até 1645 e custou a vida a mais de mil índios (sem contar os nativos capturados e utilizados como escravos). 

Wampanoag

Wampanoag

Mas nem nos territórios britânicos os nativos abdicavam da luta. E foi um acto de resistência a marcar o início da segunda maior guerra indiana da época.

Chefe da facção indiana era Metacomet, pertencente à tribo de Wampanoag: com mais de 30.000 estrangeiros já presentes no território do povo, a situação era delicada. A confirmação veio quando os colonos alcançaram a cima no monte Hope, local de nascimento de Metacomet: diante do abate não autorizado de alguns animais por parte dos nativos, os colonos responderam com assassinatos que desencadearam a guerra.

No comando britânico havia Benjamin Church; perante um adversário que lançava ataques contra as aldeias inglesas (mais de vinte no Verão de 1675), Church mobilizou a milícia dos colonos, cerca de 1.000 unidades incluindo alguns piratas nas Antilhas, com o direito de saquear. Os Britânicos fizeram pressão sobre a tribo Narraganset, tentando forçá-la a participar na repressão, mas estes recusaram; o que foi um erro, pois no dia 19 de Dezembro de 1675  um total de 970 milicianos liderados pelo general Winslow atacaram os Narraganset, massacrando 600 nativos. Os sobreviventes, como de costume, foram capturados e utilizados como escravos.

Os poucos que tinham conseguido fugir do massacre juntaram-se à revolta de Metacomet e a reacção foi imediata: das 90 localidades do New England, 50 foram atacadas e 20 totalmente destruídas. A colónia ficou perto da aniquilação. Ironicamente, no entanto, o golpe que tornou vã a resistência chegou duma outra tribo de nativos. Enquanto Metacomet reunia mais de 500 novos guerreiros, os Mohawks foram convencidos pelo Governador de New York a defender os colonos. A ofensiva dos Mohawk obrigou os seguidores de Metacomet a dispersar-se e esta foi a altura em que os Britânicos retomaram também a ofensiva. As tribos aliadas de Metacomet, os Nipmuc e os sobreviventes dos Narraganset, abandonaram a luta, deixando o chefe índio apenas com os seus guerreiros Wampanoag.

No curso dos seguintes confrontos, nos quais os Britânicos mataram cerca de 500 índios, Church conseguiu cercar a tribo de Metacomet perto do monte Hope. Em 12 de Agosto de 1676 houve a batalha final: cercado por poucos sobreviventes, Metacomet foi abatido. Church, observando o cadáver do inimigo, afirmou: “Uma triste, grande, nua e suja besta” (a doleful, great, naked, dirty beast). Depois fez desmembrar o que sobrava do chefe indiano e as peças foram penduradas em vários locais do New England. A esposa e o filho de Metacomet foram vendidos como escravos em Bermuda. A guerra tinha custado a morte de cerca de 3.000 nativos.

Ipse dixit.

Relacionados:
O genocídio dos povos indígenas dos Estados Unidos – Parte I
O genocídio dos povos indígenas dos Estados Unidos – Parte II
O genocídio dos povos indígenas dos Estados Unidos – Parte III
O genocídio dos povos indígenas dos Estados Unidos – Parte IV

Fontes: no último artigo da série

One Reply to “O genocídio dos povos indígenas dos Estados Unidos – Parte II”

  1. Acontece por todo o lado:
    – legislação é feita à medida das multinacionais… milhões de empresas familiares vão à falência.
    .
    Mais, já há muito tempo:
    – quando se fala no (legítimo) Direito à Sobrevivência de Identidades Autóctones… nazis-económicos – desde há séculos com a bênção de responsáveis da Igreja Católica – proclamam logo: «a sobrevivência de Identidades Autóctones provoca danos à economia…»
    [nota: os nazis-económicos (nazis-à-USA) provocaram holocaustos massivos em Identidades Autóctones]

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