Greetings from Cuba

Tinha iniciado Castro em 1959.

Mais tarde, muito mais tarde, foi a vez de Chavez, na Venezuela. Uma espécie de revolução socialista estilo Bolivar, defeituosa e cheia de buracos. Mas tinha continuado. Mais em baixo Lula, numa estranha imitação capital-socialista. Mais em baixo ainda a Kirchner, nada mal mas demasiado centrada no choque com a Finança. Morales na Bolívia tinha feito dois ou três movimentos verdadeiramente ousados, depois Correa no Equador, com grande coragem não apenas no papel.

Em poucas palavras: uma ideia, algo para tentar quebrar o domínio económico dos Estados Unidos no continente e não só. Uma ideia não nova, adaptada às novas exigências, mas sempre melhor do que a desolação nos outros cantos do Mundo. O “quintal” dos EUA tinha despertado.

Socialismo? Comunismo? Não. Se assim tivesse sido, aqueles Países nem teriam sobrevivido uma semana. Única excepção: Cuba, um caso muito particular. Na verdade foi uma espécie de Capitalismo muito alternativo: atrás das bandeiras vermelhas e das fotografias do Che Guevara, havia o livre mercado, mas com regras personalizadas, traços originais. Foi a tentativa de construir um Capitalismo com rosto humano, entrar na economia de mercado sem esquecer os clássicos valores da Esquerda. De facto, foi uma boa experiência.

Mas a experiência tinha três graves problemas de fundo.
O primeiro era de método, pois não seguia de forma rígida os ditames Apple/Google/Facebook: isso representava um desafio ao poder de Wall Street.
O segundo problema era ainda mais grave: faltava um líder. Enquanto Fidel envelhecia na sua ilha-excepção, ninguém dos seus jovens clones tinha a estatura para erguer-se como guia supranacional: cada um operava no cantinho dele. Sim, havia acordos internacionais, havia negociações: mas não se pode eleger como símbolo um pedaço de papel, é preciso mais.
O terceiro problema era aquele letal: não pode existir um Capitalismo com rosto humano. Mais cedo ou mais tarde, a economia de mercado invade qualquer recanto, até os mais protegidos do sistema. É aí que ficam misturados o dinheiro com os interesses pessoais, a corrupção, os “favores”, as comissões, a criminalidade. E é esta a porta de entrada do Capitaslimo, algo que pode ser evitado apenas numa ilha, metafórica ou geográfica.   

E foi assim que em Manhattan alguém olhou para o mapa e reparou que no quintal algo tinha mudado. Então foi chamado o idiota de turno, porque a situação tinha que ser mudada. Certas experiências são simpáticas, podem dar algum jeito até, mas depois dum tempinho é melhor fechar antes que surjam ideias esquisitas na cabeça das pessoas.

O idiota de turno antes teve que levantar as sanções, depois foi enviado até Cuba. E com um discurso de 37 minutos e meio acabou de vez com o único símbolo que ainda conseguia manter-se de pé e que alimentava os sonhos dos vizinhos.

Um discurso simples: Fidel tinha devastado Cuba ao longo de 25 anos, com os cubanos a sufocar numa Idade Média comunista feito de prostitutas baratas para os turistas ocidentais, sem uma verdadeira liberdade, jovens desesperados num isolamento cultural pior daquele das províncias chinesas.

Foi isso que disse o idiota de turno? Não, claro que não: limitou-se a espalhar o cheiro da liberdade, os usos e os costumes da classe média. Mais do que suficiente. Ovação dos jovens cubanos para o simpático Obama. E Cuba ficou arrumada.

A transmutação de Cuba irá levar consigo os outros Países da América do Sul. A Venezuela já foi, a Argentina também. O Brasil não está propriamente em forma, os restantes são realidades limitadas que serão absorvidas sem grandes problemas. Inútil fazer de conta que tudo poderá continuar como antes, porque assim não será: foi desligado o farol, a queda de Cuba está aí para lembrar que é possível resistir ao longo de muito tempo, décadas até, mas no fim a ideologia mais agressiva, mais rastejante, mais metastásica, mais sorridente ocupa qualquer lugar. O fim do sonho socialista do século XXI? Não, o Socialismo (o verdadeiro e autêntico Socialismo) desapareceu há muito, enquanto o Comunismo nunca teve a força suficiente para tornar-se uma realidade. É o fim do último símbolo, que agora irá tornar-se a nova Flórida dos reformados norte-americanos. E com o símbolo desaparece a experiência também.

Nos próximos 15 anos, com uma Cuba invadida por smartphones, hipermercados, salas multiplex, bolhas imobiliárias, fundos de poupança, qual símbolo será possível invocar? Com os Walmart, com as privatizações, com os jovens licenciados cubanos que ganham 200 vezes os seus homólogos do Peru ou da Bolívia, o que poderá ser apresentado como modelo pelos vários Morales ou Correa?

É triste? Sim e não. Não porque tinha chegado a altura de repor no armário uma ideologia fora do tempo e já chumbada pela História. Sim porque isso significará também o desaparecimento da experiência mais original surgida nas últimas décadas na América do Sul. E isso é mau. Se só não tivesse sido colada tão firmemente ao modelo de Esquerda, quem sabe?

Com a abdicação de Cuba fecha-se um longo e importante capítulo político e económico. Sem dúvida uma forma de resistência. Com o fim do “proto-Socialismo-novo-Capitalismo-alternativo” da América do Sul o mundo fica mais pobre, porque o leque de escolhas está cada vez mais reduzido. Afinal o processo de homologação geral deu outro passo em frente.

“É tempo de morrer”, como diz Roy na sequência final de Blade Runner? Mas nem pensar! É tempo sim, mas de procurar algo novo. Esquerda e Direita são movimentos que têm como fim a sobrevivência deles mesmos: são modelos auto-replicantes e não representam valores absolutos. Ao procurar na História podemos encontrar outras divisões que, nas respectivas épocas, não foram menos importantes.

Na Antiga Roma havia a divisão entre o partido dos patrícios (a minoria dos ricos) e os plebeus (os pobres); Na Idade Média foi a vez dos Guelfos (apoiantes do Papa) contra os Gibelinos (apoiantes do Imperador); No séc. XVII, no Reino Unido, apareceram os Tories (conservadores, em favor da monarquia absoluta) e os Whigs (progressistas, em favor da monarquia constitucional). E estes foram apenas as divisões mais marcantes. Foi só a partir da Revolução Francesa que nasceram os partidos tais como hoje são conhecidos: Esquerda, Direita e Centro. E foi apenas com a definitiva afirmação da Revolução Industrial que estas divisões alcançaram a maioria da população.

Esquerda e Direita (o Centro costuma ter uma menor relevância política e ideologicamente é mais fraco), portanto, não são algo “absoluto” mas são o fruto da nossa sociedade, de como esta foi construída a partir dos finais de 1700; e não têm a capacidade de ultrapassar o actual momento histórico, quando a serem posta em causa são as mesmas bases da sociedade. Sem falar de como esta divisão da população foi e ainda é utilizada para manipular a vontade dos cidadãos, o que conta é que estas bases mostram cada vez mais uma fragilidade que não pode ser tratada apenas com ideologias velhas de quase dois séculos.

A nossa organização interna precisa dum definitivo salto para frente: para onde ainda não é claro (uma Nova Ordem Mundial, mas de que tipo? Decrescimento?), mas que não disponha dos meios para continuar ao longo de muito tempo ainda também parece bastante claro. E o definitivo ponto de viragem pode estar mais perto de quanto imaginado.

Nesta óptica, o fim da ilusão comunista (mais no geral: da Esquerda) não é um sinal tão negativo. Sobra o pior dos inimigos: o Capitalismo, hoje representado pelos Estados Unidos, pelos bancos de Wall Street, pela Grande Finança globalizadora. Um autêntico câncer com um capacidade de adaptação espantosa, que passou através de inúmeras fases e sempre conseguiu sobreviver. Mas “sempre” significa “nos últimos 200 anos”, não mais.

A boa notícia? Tudo tem fim. Se determinados (talvez não todos) valores da Esquerda podem chegar ao fim, nem o Capitalismo, com a sua (nossa) sociedade moldada segundo as regras do consumo, não será a excepção.

E a propósito do idiota…

Ipse dixit.

15 Replies to “Greetings from Cuba”

  1. Desculpe Max, mas as ditas "esquerdas" são na sua quase totalidade, meras funções desempenhadas para legitimar o único sistema de dominância e inseridas num falso contexto democrático. Os verdadeiros opositores estão marginalizados e sem qualquer espaço mais representativo, sem portanto, oferecer riscos ao establishment. Sabe, quem foram os verdadeiros comunistas? Os índios…Saída para esta realidade? A re-hierarquização e reconstrução de valores, conceitos e idéias desde a primeira educação…

    1. Chaplin o que tens é políticas, chamem o que quiserem para uma sociedade menos desigual.
      Outras que estão a fazer que se tem feito 0,1% possui + de 75% do bolo com tendência a aumentar.
      Esquerda e Direita são invenções à muito feitas para criar ainda mais confusão.
      É uma questão de bom senso e justiça social, a ultima frase diz tudo.

      Quando a bolha rebentar nem vai ser preciso Yellowstone.

      O que vejo é interesses económicos e o panama papers e mais que se seguem(tudo a mostrar a louça sujs)inal que algo está já em marcha.

      Nuno

  2. Sim, mas se escrevo isso vão linchar-me… mesmo agora que a Esquerda do Brasil está a ver-se sob ataque das Forças Imperiais!

    Acho que Chaplin conhece a minha ideia: Esquerda e Direita são duas coisita divertidas que provocaram milhões de mortos e um mais efectivo controle sobre os cidadãos. Seria altura de olhar além, livrando-se destas barreiras que são também a cerca no interior da qual somos obrigados a viver e raciocinar? Sim, seria. Mas imagine o Chaplin um artigo no qual escrevo que Cuba nunca foi comunista: atirariam fogo ao blog… lolololol

    É espantoso, mas há muitas pessoas que nem conseguem imaginar um mundo sem a tal divisão. Parece normal haver um pensamento de Esquerda e um de Direita, até tiveram que pegar num hebreu para fazer-lhe dizer que toda a história da humanidade é apenas uma eterna luta de classe, o que é triunfo da visão bipolar. Doutro lado, após 200 anos de doutrinação é o mínimo que pode acontecer.

    Mas o blog é bom, respeita os lugares comuns e torna felizes todos 🙂

    Abraçoooo!!!!!

  3. Uma nova ordem mundial virá em breve, me parece em menos de 25 anos, já estamos no começo do peiodo de "calmaria" que antecede a grande explosão. Yelowstone colocará uma nova ordem no galinheiro.

    1. lololol… Yellowstone arrisca mesmo criar uma Nova Ordem Mundial. E sim, com grande calma, poucas pessoas nas ruas, até no Sábado à noite 🙂

  4. Repetindo o bordão; o 4º Reich avança sua agenda escravista. Vão semeando a guerra "civil", soldados não dão opinião, cumprem ordens superiores… E assim, para inconfessos objetivos vindos do alto das pirâmides escravistas, vão apertando o "garrote vil" da humanidade.
    Querem a genocida guerra total, coisa de "Exterminadores do futuro". Vivem de golpismos… E sabem, com muita precisão, que o resultado é inseparável do processo que a ele conduz… Juntemos os pontos.

    Sinto muito, sou grato.

  5. Concordo que os verdadeiros comunistas são (ou foram, com suas "organizações tidas como primitivas), os índios, mas não só eles. De uma maneira geral os primitivos são comunistas, as pequenas ilhas de solidariedade real aqui e ali, ontem e hoje e, em qualquer lugar são comunistas. E até mesmo os passos iniciais de todas as esquerdas são sonhadas e idealizadas como comunistas, coletivistas e todos os istas que signifiquem acordos limpos, trocas, liberdade compartilhada, solidariedade e autonomia. O problema é que a coisa não dura 24 horas, se tentar-se faze-la conviver com os sistemas políticos-sociais-econômicos institucionalizados. Quem usa as expressões direita e esquerda, e o faz de boa fé, é quase como dizer que o sentido atribuído à esquerda seja em prol da imensa maioria esmagada, e direita, contra essa perspectiva. Mas o discurso e o sentido (s) que atribuímos às palavras é o que menos interessa. No caso de Cuba, estive lá não menos que 7 vezes, e permaneci não menos que 15 dias. Não é lá uma grande coisa, mas não é desprezível, e isso foi na década de 90. Caramba, tendo sido uma experiência e tanto. Chamem do que preferirem, mas ali se estendeu as condições de sobrevivência digna a toda população: comida, arte, esporte, saúde, moradia, segurança, trabalho, laser, dignidade, alegria, convivencialidade. E tudo isso convivia com embargo brutal, faltando quase tudo que faz parte do nosso dia a dia: de caneta esferográfica a tinta de parede, de langerie a cimento. E também faltava livros de história que não endeusasse a experiência soviética unicamente. E tinha coisas muito malucas como aquelas motos utilizadas na Alemanha hitlerista, com uma cadeirinha ao lado, usadas como taxi, um visual de anos 50 em cidades médias no Brasil
    Lembro de ter tapado buraquinho na janela do avião com modess, mas nunca precisei tapar os ouvidos para não ouvir grosserias mentais todas as vezes que conversei com gentes comuns de lá da minha geração.

  6. Bela experiência. Se melhoramos o mundo melhora.Mas, insisto que ao invés de olharmos os ismos, deveríamos focar na na consciência da, ou do, casa grande e senzala que é o verdadeiro jogo. Uma difícil opção para quem precisa ter sempre mais para não ter que ser. Um nível mais profundo de percepção.

    Sempre grato por suas publicações.

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