Petróleo: a Aramco vendida

“Curioso” como certas notícias tão importantes passem despercebidas.

Conhecem a Aramco? Não? Mas deveriam, pois é a maior empresa petrolífera do planeta.

Detém a maior quantidade de reservas de crude e a maior produção diária. Campos petrolíferos, reservas, refinarias, uma companhia de navios-petróleo (Vela International Marine) com 29 embarcações, a maioria das quais VLCC (superpetroleiros). O maior campo petrolífero do mundo (Ghawar) é da Aramco. O maior campo petrolífero offshore (Safaniya) também é da Aramco.

A Aramco tem uma longa história atrás, que começa em 1933 como a Standard Oil of California (galáxia Rockefeller) e a Texaco que obtiveram as primeira concessões para procurar e explorar petróleo. Após algumas variações, em 1980 a casa real da Arábia conseguiu a totalidade da empresa, que por isso é hoje 100% nacionalizada (ou melhor: nas mãos da casa Saud), supervisionada directamente pelo Ministério do Petróleo e dos Recursos Minerários. Assim, a Aramco detém a totalidade da energia extraída, gerada e distribuída na Arábia Saudita, sendo também o maior exportador mundial de crude.

Tudo isso pode ser bem interessante, mas onde fica a novidade?
A novidade, como relata Bloomberg, é que a casa real decidiu privatizar a Aramco, a maior, mais potente e colossal empresa petrolífera do planeta. Não sei se conseguimos entender o alcance desta decisão: aqui não se fala de privatizar uma empresa de gnomos como poderia ser uma Shell ou uma BP (porque gnomos são quando comparados com a Aramco). Aqui fala-se de privatizar a mãe de todas as companhias petrolíferas. E dado que a nossa sociedade funciona com o petróleo, em jogo está o futuro duma das poucas empresas que fazem realmente girar o mundo.
E aqui surgem dúvidas.

Guerras, mortos, décadas de conflitos para conseguir o monopólio do petróleo e agora vendem? É o que parece: a Aramco será divida em acções e apresentada em Bolsa, de forma que os privados possam adquiri-la.

Agora, raciocinemos: quando uma empresa deseja entrar no mercado das acções, a primeira coisa que deve ser feita é saber quanto vale. O problema com a Aramco é que ninguém no mundo sabe quanto possa valer: o petróleo saudita pode valer algo como 10 triliões de Dólares, que é quase o PIB dos Estados Unidos da América. Quem tem este dinheiro todo? Ninguém.

Mohammad bin Salman

A maior avaliação inicial alguma vez efectuada numa Bolsa aconteceu na China, com 25 biliões de Dólares, apenas uma pequena fracção do valor teórico da Aramco.

Se os Sauditas querem vender uma parte do seu monopólio (e isso foi confirmado pelo Príncipe Real da Arábia, Mohammad bin Salman), a verdade é que não há ninguém no mundo com o dinheiro suficiente para adquiri-la: nada de Shell, nada de Soros ou Rothschild, nada de Russos ou Americanos.

Ok, abandonemos a questão do valor, que afinal é secundária, e voltemos à pergunta fundamental: dado que o nosso mundo funciona com o petróleo, por qual razão a Arábia decidiu vender a maior companhia petrolífera? Porque a casa real saudita quer colocar nas mãos dos investidores privados o tesouro de família e a fonte da sua fabulosa riqueza?

A seguir algumas hipóteses, umas mais realistas, outras menos.
É o Leitor que escolhe.

1. A guerra do petróleo custa. A Arábia decidiu uma política de preços baixos para estrangular a Rússia (e manter viva a China); todavia esta política custa, já não há petróleo que possa ser vendido abaixo de 50 ou 60 Dólares (ou talvez mais), como acontece agora. Pelo que, os Árabes tentam recuperar um pouco de dinheiro com a venda da sociedade.

2. A Grande Finança decidiu “descarregar” israel como guardião dos campos de crude e tratar directamente do petróleo árabe. Com o “ouro negro” em mãos ocidentais, israel (a maior base militar dos EUA no Oriente Médio) passaria a ser inútil, os Americanos poderiam deixar morrer o share oil deles (como já está a acontecer), obrigar a Rússia a reavaliar a situação toda (mais longe da China, mais perto do EUA) e os israelitas a baixar os tons.

3. Estamos próximos da apresentação do LERN (a fusão fria) ou de alguma outra fonte de energia alternativa, pelo que o valor da Aramco seria nesta altura bem inferior a quanto imaginado até aqui. Isso explicaria a razão pela qual Rothschild e Blackrock já venderam todos os activos petrolíferos no passado Verão.

4. As reservas petrolíferas dos Árabes estão perto do fim: melhor vender a Aramco agora, quando ainda vale muito, do que depois, quando poderia valer muito menos.

5. Os Sauditas querem mais emancipação em relação ao Norte-americanos, pelo que uma venda na Bolsa diversificaria os “donos” da principal riqueza do País, abrandando o controle dos EUA.

6. Os sauditas querem mais transparência na Aramco e lutar contra a corrupção (esta é sem dúvida a explicação mais estúpida e divertida, mas é justo reporta-la porque é da mesma Casa saudita).

Hipóteses não faltam.
Por enquanto, única certeza: a maior produtora e exportadora petrolífera do planeta entra no grande jogo do mercado, novos donos irão sentar-se com os velhos nas reuniões da Administração. No médio prazo, isso irá mudar algo.

Ipse dixit.

Fontes: Paolo Barnard, Bloomberg, The Economist, The New York Times

11 Replies to “Petróleo: a Aramco vendida”

  1. Agora fiquei de olhos bem abertos, isto é mesmo a sério? Para avançar? Ando à procura da fonte no site da Bloomberg mas está difícil :

  2. O dinheiro não está a mudar de mãos para os milhares de pessoas que mandam nisto tudo, mas a história que é contada aos biliões de pessoas que obedecem tem agora um novo capítulo a iniciar.

    Neste capítulo o poder foge para o Oriente e assim o petróleo tem que passar a ser controlado pelos novos "poderosos" que agora falam Mandarim.

    Ora isto podia ser feito com uma guerra, mas tal como o império planetário britânico não foi atacado pelos EUA não vejo qualquer razão para o império actual vir a ser atacado (ou atacar) a China.

    Assim é a China, a grande beneficiária do petróleo tão barato dos dias de hoje, que será também o "país" que vai passar a controlar mais um bocadinho das reservas de energia do planeta, neste caso num formato já pré-preparado tipo chave na mão.

    Ora o dinheiro não chega? Não acredito! Para já basta vender uns 9% da empresa, daqui a uns anos mais um bocadinho… Não há pressa e há certamente certificados de tesouro americanos nas mãos do governo Chinês para comprar tudo o que tiver valor no planeta!

    Abraço ao grande Max e aos leitores assíduos!

  3. Corretores de petróleo do Golfo Persa confirmaram que o orçamento dos sauditas para 2016 Saudi está calculado para preço médio do cru em apenas $29 por barril, como Jadwa Investment noticiou em primeira mão, em Riad. Se se analisa do ponto de vista do dilema do orçamento da Casa de Saud, é absolutamente insustentável.
    A Casa de Saud é o maior exportador dentre os países da OPEP. Mesmo assim, o húbris doentio supremo os empurra a fazer qualquer coisa, obcecados com negar ao Irã qualquer vantagem em exportações – o que será inevitável, especialmente na segunda metade de 2016. Mais importante que tudo isso, a estratégia do preço baixo não se aplica só ao Irã: é parte, também, da guerra do petróleo contra a Rússia.
    Alguém em Riad está errando na matemática. A estratégia saudita de baixo preço castigou muito duramente a Rússia – segundo produtor mundial.
    Mas os sauditas jamais esperaram que a provocação-decapitação levaria simultaneamente (i) fazer gorar um acordo OPEP-Rússia para reduzir a produção e a preços mais altos, o que beneficia sobretudo – adivinhem! – Irã e Rússia.
    Seis meses para destruir a Rússia

  4. Seis meses para destruir a Rússia
    Pode-se dizer que a estratégia da Casa de Saud, de preço baixo do petróleo, foi, desde o início, uma espécie de haraquiri wahhabista em câmera lenta (o que não chega a ser má ideia).
    O orçamento da Casa de Saud colapsou. Riad está financiando uma guerra que jamais vencerá, extraordinariamente cara, contra o Iêmen e financiando e armando todos os tipos de jihadistas salafistas na Síria, e está gastando fortunas para manter e promover al-Sisi no Egito, contra qualquer ofensiva possível do Daech (Estado Islâmico) e/ou da Fraternidade Muçulmana. E como se não bastasse, internamente a sucessão é confusão real, com o guerreiro-em-chefe do rei Salman, Mohammad bin Salman, 30 anos, despejando para todos os lados, diariamente, o seu mix tóxico de arrogância e de incompetência.
    Como se poderia prever, Riad está mais uma vez seguindo ordens de Washington.
    O governo dos EUA tenta freneticamente manter baixo o preço do petróleo, tentando assim destruir a economia russa, servindo-se para isso dos produtores do Golfo, que estão bombeando tudo que podem, sem parar. Significa nada menos que 7 milhões de barris/dia a mais, acima da quota da OPEP, segundo corretores de petróleo no Golfo. O governo dos EUA crê que pode(ria) destruir a economia russa – outra vez –, como se o relógio tivesse voltado para 1985, quando o ‘empanturramento’ global [orig. global glut[1]] chegava a excedente de 20% na oferta de petróleo, e a União Soviética estava atolada no Afeganistão e sangrava mortalmente também internamente.
    O petróleo caiu a $7,00/barril em 1985. E é para esse algarismo baixíssimo que o governo dos EUA tenta agora empurrar o preço. Mas hoje o excedente é de menos de 3% da oferta, não os 20%, de 1985.
    O excedente hoje é de apenas 2,2 milhões de barris/dia, segundo a Petroleum Intelligence Weekly. O Irã extrairá cerca de 600 mil barris/dias de petróleo novo em 2016. Significa que adiante, esse ano, teremos excedente potencial de 2,8 milhões de barris.
    O problema é, segundo corretores de petróleo no Golfo Persa, uma redução anual de 7 milhões de barris/dia na oferta, e que não pode ser revertida, dado o colapso na perfuração. Implica que aquele excedente de petróleo pode ser varrido logo no primeiro ou segundo trimestre de 2016. Em meados de 2016, os preços do petróleo devem começar a subir dramaticamente, mesmo com o petróleo iraniano adicional.
    Assim sendo, a estratégia dos EUA já entrou em metástase e tenta agora destruir a economia russa antes que o preço recupere-se inevitavelmente. É uma ‘janela de oportunidade’ para o governo dos EUA de apenas seis meses.
    Como tudo isso andou tanto, até chegar ao ponto em que chegou, testemunha, mais uma vez, a força irresistível dos manipuladores de Wall Street, usando ‘compensação em caixa’:[2] são capazes de criar um crash onde praticamente não há nenhum excedente na oferta de petróleo. Mas mesmo que o Império do Caos manipule freneticamente o preço do petróleo tentando derrubá-lo a qualquer custo, pode acontecer de o preço não cair tão depressa que destrua a economia russa.
    Até a Reuters foi forçada a admitir, rapidamente, que o excedente de petróleo é de menos de 2 mi barris/dia, e até pode ser alarmantemente inferior a 1 mi barris/dia. Em seguida, a Reuters voltou à conversa do petróleo ao preço-mais-baixo-de-todos-os-tempos. Essa informação sobre o excedente real de petróleo foi, até agora, completamente censurada. Ela confronta testa contra testa a narrativa norte-americana dominante, de excedentes que durariam por toda a eternidade e de iminente colapso da economia russa.
    Quanto à Arábia Saudita, não passa de peão pequeno, em jogo muito mais nefando.
    Diz o bom senso que agora só se trata, essencialmente, de um Daech vestido de preto (o falso ‘Califado’) e um Daech vestido de branco (a Casa de Saud). Afinal, a matriz ideológica é a mesma, degolamento e tudo. O próximo estágio da guerra do petróleo decidirá, provavelmente, qual dos dois Daechs cairá primeiro.*****

  5. Desculpem o tamanho do comentário que vocês devem saber é claro, não poderia ser meu, é do Pepe Escobar. Mas gostaria de comparar com as notícias aqui em ii e saber da opinião do Max e…desculpem mais uma vez

  6. Eu não sei, mas eu diria que a Rússia é muito pequena no volume da economia mundial, porque é que um gigante económico como os EUA tem interesse em diminuir ainda mais o que já é pequeno? Para mim não faz muito sentido. A confrontação com a Rússia dá-se no plano militar, com a Ucrânia e a Túrquia como palcos para um possível fim-da-nossa-espécie. Tal a meu ver não é uma boa estratégia para os EUA pois apressa a aliança Rússia-China. No entanto os EUA como império planetário não passam de uma marca cujo prazo de validade está a chegar ao fim, teremos num futuro cada vez mais próximo o império do meio, que tem um título muito mais hype, e certamente será ainda mais poderoso do que os EUA alguma vez foram. Esta lógica do homem como o lobo do homem (Thomas Hobbes) parece-me a mim que pode só acabar com o último homem, não façamos nós nada antes…

    1. Simples, por causa dos enormes recursos naturais que a Federação Russa tem.
      Carvão, ferro e manganês, bauxita, cobre, chumbo, níquel, tungstênio, diamantes,titânio, aluminio, ouro, grandes reservas de petróleo de gás natural.
      Poderas ver aqui com mais detalhe: http://www.russobras.com.br/mapas/mapa_min1.php

      "apressa a aliança Rússia-China" aqui neste ponto, na minha opinião foi o grande erro de calculo dos eua. Fiaram-se que conseguiriam atrair os Chineses para
      como fizeram na epoca de Nixon e Henry Kissinger em que as relações entre a China Comunista e a Russia Sovietica não eram muito amigaveis e esqueceram-se que com tudo o
      que teem feito e a China actualmente sente-se ameaçada sim por eles e nao pela Russia.

      EXP001

  7. Deixo-vos um exemplo de desinformação…

    O Homem é o lobo do homem é a frase usada por Thomas Hobbes há 365 anos para justificar que a paz civil e união social só podem ser alcançadas quando é estabelecido um contrato social com um poder centralizado que tem autoridade absoluta.

    No entanto a frase pertence a Plauto que viveu há dois mil e duzentos anos e que, cá para mim, bem podia defender a anarquia pois o sistema de então, que ainda hoje vigora, já era um sistema de hierarquias.

  8. A alienação do capital da Aramco pode ter a ver com um problema de liquidez da Arábia Saudita. O JPMorgan e HSBC já estão na corrida, o Deutch Bank e vários outros também parecem ter interesse negócio.
    Não estou a ver esta gente interessada em fazer um mau negócio.

    Krowler

    1. Se bem que é uma técnica utilizada por eles. Vão a correr comprar para haver muitos a segui-los e fazer o preço subir e depois começam a despejar e a bomba rebenta nas fuças dos outros 😉
      O Soros tinha muito a mania de fazer isso.

      EXP001

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