Os Muçulmanos e eu

Pelo visto, os artigos acerca do Islão despertaram curiosidade e opostas reacções.

Aproveito então para contar aquela que é a minha experiência pessoal com os Muçulmanos.

A imigração árabe em Italia começou no final dos anos ’70, com indivíduos principalmente oriundos dos Marroccos, da Argélia e da Tunísia. Em princípio, estes imigrantes dedicavam-se a trabalhos humildes, que consistiam essencialmente em vender objectos de vária natureza ao longo do Verão nas praias: cintos (de óptima qualidade, diga-se), bijuteria, coisas destes género.

O ganho era reduzido, mas dado que o nível de vida nos Países de origem eram muito baixo, dava para enviar dinheiro para casa e ajudar assim a família que lá tinha ficado. As coisas mudaram de forma lenta: passados estes primeiros anos, alguns entre os imigrantes decidiram estabelecer-se em Italia com as respectivas famílias. A actividade praticada era sempre a mesma: venda de objectos de uso diários, desta vez não apenas ao longo do Verão mas durante o ano todo, nas ruas.

Já alguns anos depois (começo dos ’90), um meu tio abriu um café e eu, após a manhã no liceu, aproveitava para ajuda-lo à tarde e ganhar assim uns trocos. Sendo o café posto numa rua de grande movimento, era normal atender também alguns árabes: meu tio, 100% comunista (com vivenda e três carros), nunca fez problemas em atender quem que fosse. Além disso, estes árabes eram vistos com bastante simpatia por toda a população.

Algumas destas pessoas vendiam sempre nas mesmas zonas pelo que, com o passar do tempo, comecei a conhece-los, tal como tive ocasião de falar com as mulheres deles e, em alguns casos, com os filhos pequenos.

Em todos os casos eram pessoas muito humildes, uma característica comum a todos. Falavam de forma baixa, com muito respeito, e eram bem gratos perante as atenções que recebiam (que depois eram as mesmas que recebiam todos os clientes). E dado que uma vez saído do liceu eu tinha fome, logo chegado no café sentava-me para comer (tanto pagava o tio eheheh!): foi assim que aproveitei várias vezes para acomodar-me à mesma mesa onde já se encontrava um imigrante para falar com ele. Sim, eu sei: sempre fui curioso.

A impressão que sempre tive foi óptima. Tive ocasião de falar de tudo, religião incluída, e nunca alguém tentou apedrejar-me ou degolar-me. Simplesmente, não havia assunto que não fosse possível tratar, e isso mesmo na presença das esposas. Estas não estavam num canto caladas e de olhos baixos, mas intervinham nos diálogos e mostravam-se sempre sorridentes.

Com o tempo ganhei confiança, também porque tinha começado a conhecer melhor estas pessoas e, portanto, material para falar não faltava: ao aparecer imigrantes desconhecidos, era possível iniciar uma conversa rapidamente: nunca tinha visitado a África e estava muito curioso acerca daquele modo de vida “exótico”, supostamente tão diferente do nosso. Tão diferente porque falo duma altura em que a Italia se encontrava ainda em boa saúde, a vida corria muito bem para nós, dinheiro era coisa que nunca faltava: e estas pessoas, pelo contrário, chegavam vestidas de forma pobre (mas limpa, uma autêntica obsessão para elas) e adaptavam-se a trabalhos humildes, que nenhum Italiano fazia.

Lembro muito bem a única exigência deles: que a comida não tivesse pedaço de porco. Pelo resto, eram clientes como os outros (e que pagavam como os outros, porque meu tio é 100% comunista, mas o dinheiro é sempre o dinheiro), com os quais era possível dar umas boas gargalhadas (e sim, leram bem: gargalhadas).

Objecção: “Tá bom, Max, mas tu te encontravas numa posição privilegiada: afinal eras o sobrinho do dono do café”.

Não, não era assim. Porque com o tempo a situação melhorou ligeiramente: os “marroquinos”, como eram chamados (mesmo que fossem da Tunísia ou da Argélia), ganharam a confiança dos Italianos e começaram a ser empregados para trabalhos regulares (entendo: assumidos com contracto e retribuições). Nunca chegaram até cargos relevantes e a verdade é que assim é ainda hoje: mas sem dúvida conseguiram conquistar o espaço deles.

Acham mesmo que os cidadãos dum País, dum qualquer País, teriam confiado em pessoas que só desejam a morte deles, ou que mostram atitudes arrogantes, demonstram ser falsas (ao longo de décadas…)? Que acham lícito roubar aos infiéis? Que atiram para a cara a superioridade da religião deles? Usem o cérebro, por favor.

Apesar de nunca ter constituído uma comunidade de grande dimensões, passou a ser possível encontrar “marroquinos” nas ruas, enquanto passeavam com as famílias após o trabalho, sem que fosse possível distingui-los de qualquer outra família (a não ser pela cor da pele, que costuma ser mais escura). Alguns até abriram pequenas lojas (mas nada em comparação com as omnipresentes lojas chinesas), frequentadas por outros imigrantes e italianos também (entre os quais eu, que aproveitava para comprar um óptimo couscous).

Tive ocasião de acompanhar esta mudança, pelo menos até deixar o meu País, e posso testemunhar que nunca tive problemas com aquelas pessoas. Nunca, esta é a simples realidade.

Leio alguns comentários aqui no blog e parece que estamos a falar de hordas de ogres sedentos de sangue ocidental. Podem continuar a pensar naquelas pessoas como assassinos em nome de Allah: para mim tanto faz, podem viver com os vossos pesadelos; o que sei é que não falo com base em algo que li mas por causa de experiência em primeira mão, algo que durou alguns anos.

Talvez alguns queriam que eu descrevesse cenas terrificantes, com muçulmanos a mostrar a espada no meio da rua, a apedrejar mulheres infiéis enquanto gritam Allaha Akbar. Mas não foi isso que se passou: a religião é vivida por estas pessoas duma forma extremamente discreta, nunca interferindo com a vida normal (única excepção, como afirmado, o pedido para não servir carne de porco e, durante o Ramadão, nada de comida até o pôr do sol).

Todos os “marroquinos” são santos? Obviamente não: porque, todos os Cristãos são santos?
O que vejo por aqui é o medo do que não é conhecido, ou é conhecido só com internet.
O que vejo é a suposta superioridade da nossa religião perante aquela dos outros; facto que, paradoxalmente, é a mesma acusação movida contra os Islâmicos, já pensaram nisso?

Comentário de Expedito:

Preferimos garimpar vídeos pela rede que certifiquem nossos pensamentos
estreitos. Há de tudo neste mundo, inclusive religiosos imbecis de todos
os matizes, como também, cristãos, judeus e muçulmanos sinceros.

Exacto.
A diferença está toda aqui: entre ler a “verdade” no Facebook ou no Youtube e viver em primeira pessoa. Ou ainda melhor: entre o que alguns querem que seja acreditado e a realidade.

Ipse dixit.

10 Replies to “Os Muçulmanos e eu”

  1. …"entre o que alguns querem que seja acreditado e a realidade".
    Eis a questão.E tudo é visto ao contrário quando a intenção é gerar o medo, o pânico, o isolamento. E digo ao contrário porque somos justamente nós, os brancos, os europeus e norte americanos (e me incluo porque sou brasileira, filha e neta de europeus) que temos "tudo" para causar medo…arrogantes, donos da verdade, da justiça, da liberdade, das coisas certas, boas e do bem. Somos nós os herdeiros da Ciência que mais vilipendia o mundo de que contribui para ele, os donos da tecnologia que constantemente arrasa militarmente a nós mesmos e aos demais, nós os protagonistas do colonialismo mais atroz, da religião mais algoz (sabem das Cruzadas..que politicamente nunca deixaram de existir!?) Nós que invadimos o "novo mundo" e praticamos o maior holocausto jamais produzido na história humana. Com uma tradição dessas, capaz de fazer inveja a qualquer demônio, são os outros (índios, aborígenes, mongóis, amarelos, pretos e mouros) que deveriam temer.

  2. Magnífico discurso Maria. E eu fico a pensar porque somos nós tão maus? Eu acho que em parte é porque somos as primeiras vítimas deste sistema. E, ao contrário dos contos infantis, as vítimas vão infligir todo o mal que puderem aos outros, aos que ainda não são como nós, numa corrente de destruição impiedosa como uma máquina.

  3. E o futuro nos mostra uma crescente imbecilização da raça desumana, ou do "sero mano" conforme alguns estudantes escrevem, crescente em número se não em qualidade, vamos ver onde isso vai chegar.

  4. O Islamismo exerce, no campo religioso, o que o comunismo faz na política. A função do "mal" imprescindível para que os "salvadores" existam. Como os "defensores" da democracia e da liberdade se justificariam sem a existência de tamanha ameaça. Mas o que é pior, não passam de "funções" de um mesmo sistema, totalmente anômalo e descolado da realidade natural dos homens.

  5. Acho engraçado, até certo ponto irônico, um blog com tanta aversão a Israel e o sionismo e o autor falar de suas maravilhosas experiências com os muçulmanos. Primeiramente, nem todos os árabes (peninsula arábica, norte da África, etc) são muçulmanos…Um exemplo, no Marrocos haviam muitos judeus (expulsos da Espanha e Portugal), muitos foram para o Brasil no século XIX, alguns chegaram a Amazônia (existem histórias de Sinagogas na Floresta), pois bem esses judeus hoje estão integrados a cultura local, muitos são católicos, da mesma forma existem judeus que moram em regiões como o norte da África Arabia saudita, iemen, que passam por muçulmanos, mas na verdade são judeus…

    1. Ahhhh… então eu conheci só judeus disfarçados de muçulmanos. Por isso falavam árabe entre eles, vestiam à moda árabe, seguiam os preceitos do Ramadão árabe. Que estúpido, nem tinha pensado nisso. As coisas que se aprendem… Obrigado!

      Só duas notas.

      Em nenhum lugar descrevi como "maravilhosa" a minha experiência com os muçulmanos: pelo contrário, realcei como foi uma experiência absolutamente "normal": é este o ponto mais importante.

      Aversão a israel? Não: ao regime sionista que domina em israel. Se o Anónimo quiser entender a diferença, claro.

      Abraço.

    2. Claramente este foi o primeiro post que o nosso amigo "Anónimo" leu neste blogue…

      Ou o objectivo é outro….

  6. Também tive experiências positivas com "marroquinos" na Itália e tenho hoje com muçulmanos de diversos países na Inglaterra. Inclusive trabalho ao lado de uma gigantesca Mesquita. A única diferença é que eles não bebem quando vão ao pub… Mas eu também não…

Obrigado por participar na discussão!

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