A origem do Estado Islâmico

A propósito de Isis: como se formou o Califado?

Entende-se aqui: como se formou de verdade, não segundo a história tipo almanaque de Wikipedia.

Pode ser útil espreitar um documento do passado mês de Maio, publicado pelo governo dos EUA com base no Freedom Act.

O documento foi escrito pela DIA (Defense Intelligence Agency) no dia 12 de Agosto de 2012.
Portanto antes do aparecimento do Isis (oficialmente surgido em Junho de 2014).

Vamos ler o primeiro trecho:

A situação geral:
A. Internamente, os eventos estão a tomar uma clara direcção sectária.
B. Os Salafistas, a Irmandade Muçulmana e a AQI [Al-Qaeda, ndt] são as maiores forças que conduzem a rebelião na Síria.
C. O Oeste, os Países do Golfo e a Turquia apoiam a oposição; enquanto Rússia, China e o Irão apoiam o regime [de Assad, ndt].

Porque é importante este trecho? Porque demonstra como a “revolução” da Síria não é conduzida pelos “rebeldes moderados”, mas sim por grupos terroristas como Al-Qaeda e a Irmandade Muçulmana.

Não há rebeldes “moderados”, estes são uma invenção dos media: o Ocidente sempre soube disso e, mesmo assim, escolheu apoiar os esforços das ditas organizações terroristas.

Em frente:

B. A AQI tem apoiado a oposição síria desde o início, tanto ideologicamente quanto através dos media. […]
C. A AQI tem conduzido um número de operações em várias cidades sírias sob o nome de Jaish Al Nusra (o “Exército Vitorioso”), uma das suas afiliadas.

Portanto: as ideias dos “rebeldes moderados” casam perfeitamente o ponto de vista de Al-Qaeda. E ainda bem que são “moderados”…

Além disso, é possível encontrar aqui a confirmação (caso fosse necessário) de que Al Nusra outra coisa não é a não ser Al-Qaeda. O grupo terrorista outrora liderado por Bin Laden, o inimigo número 1 dos Estados Unidos, opera entre os “rebeldes”, semeando o terror em várias localidades da Síria. Tudo com o apoio do Oeste, como vimos antes.

Mas a parte mais interessante é sem dúvida a seguinte:

B. As forças da oposição tentarão utilizar o território do Iraque como um porto seguro para as suas forças, explorando a simpatia das populações iraquianas fronteiriças, enquanto tentará recrutar combatentes e treina-los no lado iraquiano, além de acolher os refugiados (da Síria).
C. Se a situação se esclarecer existe a possibilidade de estabelecer um declarado ou auto-declarado Principado salafista no Leste da Síria (em Hasaka e Der Zor) e isso é exactamente o que as potências que apoiam a oposição querem, para isolar o regime da Síria, que é considerada um ponto nevrálgico da expansão da Shia [o islamismo xiita, ndt] (no Iraque e no Irão).
D. A deterioração da situação tem consequências terríveis sobre a situação no Iraque, as seguintes:
–1. Isso cria a atmosfera ideal para um regresso de Al-Qaeda nas suas velhas bases de Mossul e Ramadi, e proporcionará uma nova dinâmica sob a alegação de unificar a Jihad entre os Sunitas do Iraque e da Síria, e entre o resto dos Sunitas no mundo árabe contra o que é considerado um inimigo, os dissidentes. O Estado Islâmico do Iraque poderia também declarar um Estado Islâmico através da união com outras organizações terroristas no Iraque e na Síria, o que criará grave perigo acerca da unificação do Iraque e a protecção do seu território.

Pergunta: é preciso mais?
Vamos ler outra vez:

[…] existe a possibilidade de estabelecer um declarado ou auto-declarado
Principado salafista no Leste da Síria e isso é exactamente o que as
potências que apoiam a oposição querem, para isolar o regime da Síria

Quem são estas potências que desejam a criação dum auto-proclamado estado islâmico? A lista já apareceu no mesmo documento:

O Oeste, os Países do Golfo e a Turquia apoiam a oposição; enquanto Rússia, China e o Irão apoiam o regime [de Assad, ndt].

Mais claro é impossível.
O resto é uma descrição de quanto está a acontecer: inclusive a impossibilidade de controlar os territórios orientais do Iraque, as limpezas étnicas e religiosas nas cidades iraquianas de Mossul e Ramadani.
O documento é fundamental para entender o que se está a passar nesta altura, pois revela não apenas que o Ocidente apoia o Isis hoje, mas também que as potências ocidentais sempre desejaram a criação do Estado Islâmico.
Através das ajudas aos “rebeldes moderados” (armas via Turquia, por exemplo), viabilizaram uma situação amplamente prevista, tal como previstas e requeridas foram as suas consequências. Isso bem explica também a timidez da intervenção ocidental contra o Isis no território do Iraque: o Estado Islâmico é um instrumento utilizado pelo Ocidente, assim como sempre foi e ainda é Al-Qaeda.
O objectivo final? Sempre o mesmo: conquistar a Síria para travar o avanço dos Árabes xiitas (Irão em primeiro lugar).
As monarquias do Golfo e israel agradecem.
Errata corrige
Na primeira versão do presente artigo, esta imagem da CNN (uma reportagem do ano de 2009) era indicada como sendo um encontro entre o Senador dos EUA John McCain e Abu Bakr Al-Baghdadi, o chefe supremo do Isis desde 2014 (o “Califa” do Isis, depois da captura por parte do exército dos EUA em Camp Bucca – Iraque, Fevereiro/Dezembro de 2004 – e após ter sido líder de Al-Qaeda no Iraque desde 2010).

Trata-se duma informação errada: aquele na fotografia é na realidade Ahmad Hayyad da Asifat al Shamal, da resistência síria.

Em vez que apaga-la, prefiro mantê-la pois trata-se duma fotografia bastante difundida na internet e a maior parte das vezes com a legenda errada (isso é: al Shamal indicado como al Baghdadi). Não há apenas false flag, há também falsa informação, dum lado e do outro…

Ipse dixit.
Fonte: o documento original da DIA pode ser encontrado neste link (ficheiro Pdf, Inglês)

14 Replies to “A origem do Estado Islâmico”

  1. "conquistar a Síria para travar o avanço dos Árabes sunitas (Irão em primeiro lugar)" sempre achei que era o contrário, o objetivo era travar os xiitas. Mas daqui de onde eu vejo, a informação sobre os dois grupos sempre chega como se fossem um só.

    1. Max, será que você não se enganou ao digitar as palavras? Me parece que as ações são para travar os xiitas. O Irã pelo que sei tem maioria xiita e está interessado em preservar o regime de Assad. E deve ser o próximo alvo, logo após o desenlace sírio.

      Se no Iraque Hussein era sunita, as informações que sempre foram veiculadas nos blogues sujos eram de que lhe foi dada uma apunhalada pelas costas pelos EUA devido a invasão do Kuwait. Invasão consentida em off, mas que depois foi publicamente condenada. Saddam foi traído. Depois do 11/9 maquinaram para envolver o Iraque nos atentados e então foi o que se viu.

      A Arábia não tem nenhuma simpatia pelos xiitas, assim como, Israel. Aliás, Israel não nutre simpatia por ninguém na região. Quando li a afirmação pensei ter se tratado de um erro de digitação.

      Se não percebi alguma coisa no cenário, por favor, aponte meu engano.

      Expedito.

    2. Max nunca se engana!

      Controlem o texto: está escrito "xiitas". Só um idiota poderia ter escrito "sunitas". Por isso corrigi, por causa dum engano. Não meu, isso nunca! A verdade é que fui sabotado: até este ponto chegam os malditos sunitas para confundir os inocentes Leitores. Mas Max vigia (sobretudo Ivan Mendoça, ao que parece) e interveio de forma rápida e resolutiva.

      Abraçoooo!!!!

  2. boas, sou um novo seguidor deste blog e dou lhe os meus agradecimentos pela qualidade da infornação aqui disponibilizada e o quão esclarecedor sao so seus artigos sobre temas que me sao mto interessantes
    num artigo anterior ja tinha falado no apoio ocidental, mais propriamente americano, ás forças sunitas para travar as xiitas
    mas acho que para quem me aprece ter os pes bastante assentes da terra e bastante pragmatico e realista, aqui a sua opinião confunde-se um pouco com teoria da conspiração
    acredito q inicialmente pudessem ter esse objetivo de ter parte da regiao controlada com forças xiitas, mesmo c a mascara da primavera arabe era expectavel q daí se avizinha-se um imperialismo, mas o verdadeiro objetivo de apoiar esta oposição seria o petroleo

  3. Certo Max. Mas como se explicaria , dentro do contexto apresentado, os ataques em Paris ?
    Há um consenso neste bloq, de que não foi uma false flag. Seria uma ação avulsa de um grupo extremista qualquer ?

    1. De uma maneira ou de outra os ataques de Paris são um false-flag.

      Se não foi o ISIS foi um false-flag

      Se foi o ISIS foi um false-flag porque, quem os financia, entre outros países, é a França e os EUA

  4. Interessante artigo, porém o rapaz da foto não é o Abu Bakr alBaghdadi, é o Ahmad Hayyad da Asifat alShamal.

    1. Wow, tive que comparar umas quantas imagens porque na internet há várias fotografias (não apenas aquela publicada) da reunião do Sen. McCain com elementos da resistência síria.

      E é verdade, aquele na imagem não é Abu Bakr al Baghdadi mas Ahmad Hayyad da Asifat al Shamal. Pelo que vou corrigir já o artigo.

      Peço imensa desculpa pelo erro: e pensar que estive na dúvida se acrescentar a foto ao artigo sobre o documento… deveria ter seguido a intuição.

      Depois fui confirmar com outros blogues/sites e encontrei a mesma imagem com a mesma pessoa reconhecida como sendo al Baghadi. O que está errado: só hoje, num blog espanhol encontrado após a indicação do Anónimo, vi que todas aquelas imagens estão mal interpretadas.

      Muito, muito, muito obrigado ao Anónimo pela correcção: odeio ter no blog material
      que não seja "autêntico", desqualifica todo o trabalho feito, como é óbvio.

      Abraçoooooo!!!!!!

    2. Sem problemas, Max, fico grato em ajudar! Os Xiitas são bons na propaganda, o que acaba por repercutir bastante no Ocidente, visto que poucos falam árabe ou possuem um entendimento básico do que se passa por essas regiões, ficando mais difícil de verificar a veracidade das fontes. Abraço!!

  5. Perspectiva interessante de Dmitri Orlov:

    What a difference a single massacre can make!

    • Just a week ago the EU couldn’t possibly figure out anything to do to stop the influx of “refugees” from all those countries the US and NATO had bombed into oblivion. But now, because “Paris changed everything,” EU’s borders are being locked down and refugees are being turned back.

    • Just a week ago it seemed that the EU was going to be swamped by resurgent nationalism, with incumbent political parties poised to get voted out of power. But now, thanks to the Paris massacre, they have obtained a new lease on life, because they can now safely embrace the same policies that a week ago they branded as “fascist.”

    • Just a week ago the EU and the US couldn’t possibly bring themselves admit that they are utterly incompetent when it comes to combating their own creation—ISIS, that is—and need Russian help. But now, at the après-Paris G-20 summit, everybody is ready to line up and let Putin take charge of the war against terrorism. Look—the Americans finally found those convoys of tanker trucks stretching beyond the horizon that ISIS has been using to smuggle out stolen Syrian crude oil—after Putin showed them the satellite photos!

    Am I being crass and insensitive? Not at all—I deplore all the deaths from terrorist attacks in Iraq, in Syria, in Lebanon, and in all the other countries whose populations did absolutely nothing to deserve such treatment. I only feel half as bad about the French, who stood by quietly as their military helped destroy Libya (which did nothing to deserve it).

    Note that after the Russian jet crashed in the Sinai there weren’t all that many Facebook avatars with the Russian flag pasted over them, and hardly any candlelight vigils or piles of wreaths and flowers in various Western capitals. I even detected a whiff of smug satisfaction that the Russians got their comeuppance for stepping out of line in Syria.

    Why the difference in reaction? Simple: you were told to grieve for the French, so you did. You were not told to grieve for the Russians, and so you didn’t. Don’t feel bad; you are just following orders. The reasoning behind these orders is transparent: the French, along with the rest of the EU, are Washington’s willing puppets; therefore, they are innocent, and when they get killed, it’s a tragedy. But the Russians are not Washington’s willing puppet, and are not innocent, and so when they get killed by terrorists, it’s punishment. And when Iraqis, or Syrians, or Nigerians get killed by terrorists, that’s not a tragedy either, for a different reason: they are too poor to matter. In order to qualify as a victim of a tragedy, you have to be each of these three things: 1. a US-puppet, 2. rich and 3. dead.

    Also, you probably believe that the terrorist attacks in Paris were the genuine article—nobody knew it would happen, and it couldn’t have been stopped, because these terrorists are just too clever for the ubiquitous state surveillance to detect. Don’t feel bad about that either; you are just believing what you are told to believe. You probably also believe that jet fuel can melt steel girders and that skyscrapers collapse into their own footprints (whether they’ve been hit by airplanes or not). You can certainly believe whatever you like, but here are a couple of easy-to-understand tips on telling what’s real from what’s fake:

    http://cluborlov.blogspot.pt/2015/11/a-most-convenient-massacre.html#more

  6. Obrigado MAX, muito bom texto e obrigado pelo video também, sempre bom saber um pouco mais de historia para se compreender o presente.

    Quanto ao ISIS cheira-me que algo de muito mau está para acontecer, a propaganda esta a ser demasiada na TV e na Internet, muito mais que o normal, para alem de que existem certos movimentos estranhos de alguns governos que ainda a umas semanas diziam uma coisa e agora dizem outra.

    O texto que o nosso caro amigo "JMS" publicou aqui também diz muito do que se esta a passar.

    Entretanto na Alemanha: http://www.ionline.pt/480927

Obrigado por participar na discussão!

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