Portugal: resultados das legislativas 2015

Portugal tinha que continuar no caminho traçado por Bruxelas, ninguém desejava enfrentar o risco duma nova Grécia. Os políticos locais, sempre servos da vontade superior, adaptaram-se.

PàF!

A coligação de Direita PàF (Portugal à Frente) proclama vitória. O que é falso.

Se pensarmos que nas últimas legislativas os dois partidos (PSD+CDS) tinham mais de 50% dos votos e agora nem chegam a 37%, é difícil falar em vitória. O PàF perdeu a maioria absoluta, pode formar só um governo de minoria, condicionado pela oposição. Feitas as contas (número de votos), é como se o PàF, que nasceu da união do PSD e do CDS, tivesse perdido o CDS. Se esta for uma vitória…

Paulo Portas, o vice-líder do PàF:

Portugueses não perdoariam que a sua vontade fosse desrespeitada

É verdade, a vontade dos Portugueses ficou bem clara: 50.87 % dos eleitores (a maioria absoluta) escolheu um partido diferente do PàF.

Mas podemos ficar descansado: a vontade da maioria será desrespeitada e será mesmo o PàF a formar o governo. E os Portugueses podem agradecer amanhã um infame Presidente da República que não respeitará a vontade dos eleitores (como sempre fez, em nome da sua filiação partidária) e ontem um Partido Socialista que obedeceu às ordens, fazendo tudo o que era possível para perder as eleições.

PS

O PS é o grande derrotado destas legislativas: um derrotado programado. Partiu com uma vantagem esmagadora, o vencedor certo. Em poucas semanas conseguiu anular a distância do PàF até perder a liderança e ficar como segundo partido mais votado. É obra.

Apesar dos proclamas, o PS fez uma campanha vergonhosa, literalmente ausente, transmitindo a ideia dum partido incapaz de liderar até uma reunião de condomínio. Ideias novas? Zero. Programa? Nebuloso e muito perto dum liberalismo que teria ficado bem no PàF, não num partido supostamente de Esquerda.

Foi todo um erro? Duvido.
Duvido simplesmente porque nem quando as sondagens mostravam a queda do PS algo foi feito, nenhuma correcção foi implementada: foi escolhido o suicídio. O PS continuou alegremente pelo seu caminho, perdendo votos até o último dia e se a campanha eleitoral tivesse durado mais umas semanas, o PàF teria conseguido a maioria absoluta. Mas porquê?

António Costa

A vitória do PS teria obrigado a mudanças de direcção no programa até agora seguido pelo actual governo. Mudanças que o PS não teria tido coragem de implementar.

O PS não é de Esquerda, mas apresenta-se como tal: em caso de poder, este é um sério problema. Como justificar medidas tipicamente de Direita que um novo governo do PS teria tido a obrigatoriedade de implementar? O PS teria destruído a sua própria base eleitoral, em favor dos partidos de Esquerda.

Um vitória parcial (com maioria mas não absoluta) teria sido ainda pior, com a necessidade de aliar-se com um partido de Esquerda (Bloco ou Partido Comunista). Melhor não arriscar.
E o facto do líder do PS, Costa, não demitir-se após um resultado tão estrondoso parece-me significativo e coerente. Costa é o homem com o qual Passos Coelho (líder do PàF) construirá aquele Bloco Central (PàF + PS) que eu espero há meses. O meu erro foi imaginar um PS que teria entrado no governo com o PàF, coisa que muito provavelmente não acontecerá: o PS fornecerá o apoio externo.

Desta forma, o governo terá sim que introduzir algumas mudanças (já não pode governar sozinho), mas a direcção permanece inalterada: o PS já fez saber que não quer entregar o País à “ingovernabilidade”, o que significa que o governo do PàF, embora minoritário, terá o apoio do PS nas questões mais importantes (como no caso do Orçamento de Estado).

Em vista das próximas legislativas, cada uma das partes (PS e PàF) poderá acusar a outra por eventuais falhanços ou medidas impopulares. E o jogo do “polícia mau e do polícia bom”, de “a culpa não nossa mas deles”, sempre conseguirá encontrar eleitores suficientes para que o circo possa continuar. 

Mentiras

O PS mente.
Não apoiar o PàF não significaria “ingovernabilidade” mas a obrigatoriedade de encontrar um acordo entre as forças de Esquerda para formar um governo de minoria ou até de maioria absoluta. O PS não tem nenhuma vontade de seguir este caminho e prefere agitar o espectro da “ingovernabilidade” para justificar futuras escolhas que permitirão ao PàF de continuar a política de Bruxelas.

O porta-voz da Comissão Europeia:

Os resultados desta eleição confirmam o desejo da maioria dos portugueses em prosseguir o caminho das reformas.

Nada disso, é exactamente o contrário: a maioria dos Portugueses votou contra o actual governo (o do PàF).

Para entender a gravidade da situação, lembramos mais uma vez que a maioria dos Portugueses escolheu votou na Esquerda. Se o PS fosse um partido sério (e de Esquerda), seria natural formar uma coligação com o Bloco de Esquerda, o Partido Comunista e obter assim a maioria absoluta. Mesmo um governo formado apenas entre PS e Bloco de Esquerda teria mais deputados daquele do PàF. Mas isso não acontecerá, porque nunca foi este o roteiro estabelecido para estas eleições.

Atenção: o PS já declarou-se partido “europeista” (que apoia esta União Europeia) e pró-Euro. O novo Bloco Central que nasce destas eleições (PàF + PS) tem os números para alterar a Constituição (dois terços do Parlamento). A introdução do limite constitucional da Dívida como 3% do PIB está no horizonte. Sempre esperando que fiquem por aí…  

Bloco de Esquerda em alta

Catarina Martins

Para acabar, as últimas notas.

O verdadeiro (e único) vencedor destas eleições foi o Bloco de Esquerda, uma espécie de Syriza à portuguesa: duplicou o número de eleitos. Enorme trabalho da líder Catarina Martins que recuperou um partido que parecia morto. Olho pessoal, esta é jovem, inteligente e com ideias muito claras: veio para ficar.

O Partido Comunista (PCP) continua a falar como se fosse o Politburo de Moscovo dos anos ’70. Não admira que perca votos, pois a sua principal base eleitoral é composta por idosos que, por motivos de idade, desaparecem. Ouvir um discurso do líder do PCP é uma operação que necessita de paciência, café para manter-se acordado e um dicionário de politiquês. A Guerra Fria acabou, a União Soviética também, alguém faça o favor de avisar o PCP.

O maior partido de Portugal continua a ser aquele de quem não vota: 43.07%, a taxa mais alta de sempre nas legislativas. Algo significará, não?

Ipse dixit.

Fontes: qualquer diário português de hoje (Expresso, Dinheiro Vivo, etc.)

6 Replies to “Portugal: resultados das legislativas 2015”

  1. Concordo com tudo excepto que o Bloco de Esquerda tenha sido o único vencedor da noite. Para mim houve um outro claro vencedor: o PAN, partido das Pessoas, Animais e Natureza, pois elegeu um deputado.

    Cumprimentos,
    Arcane Delight

    1. Uhi, esqueci-me do PAN!

      Verdade, conseguiu eleger um deputado no Parlamento. Esteve quase para comentar aqui (e, desde já, agradeço Arcane Delight por ter-me lembrado deste partido), depois achei melhor reflectir um pouco sobre este movimento que não é apenas ambientalista: é bem mais perigosos do que isso.

      Fica no próximo artigo, pode ser?
      E obrigado!

      Abraçooooo!!!

    2. Pensando bem: um inteiro artigo dedicado ao PAN? Parece-me demais.
      Por isso: respondo aqui, com um par de pontos extraídos do programa do PAN para as eleições legislativas de 2015:

      Secção "Economia", ponto 127:
      "Acabar com a economia da dívida.
      Associada à emissão de dívida está sempre uma taxa de juro. Actualmente essa taxa de juro é 3 a 4 vezes mais elevada que a taxa de crescimento da economia. Nesse sentido, a possibilidade de Portugal ter uma economia capaz de crescer acima do valor da dívida, de modo a cumprir com o serviço da mesma e ao mesmo tempo ter valor acrescentado, é diminuta. O que se verifica é que Portugal continuadamente regista aumentos do valor da sua dívida, entrando assim numa espiral de endividamento da qual não sairá, uma vez que esse é o objectivo de uma economia da dívida".

      O PAN apoia a visão da Dívida como monstro de sete cabeças. Esta é a posição de Bruxelas e da Merkel. Pena, pois a Dívida Pública é a melhor forma com a qual um Estado pode injectar dinheiro na economia, como já amplamente demonstrado. O PAN não explica qual a diferença entre um Estado com soberania monetária e outro escravo do Euro: o interesse dele é só mostrar que a Dívida é má. Péssimo serviço para os eleitores. Mas o PAN vai além disso.

      Sempre ponto 127:
      "a) Remoção das contas à ordem dos balanços dos bancos comerciais e sua
      conversão em dinheiro emitido pelos Estados da Zona Euro, mantido e gerido pelo
      Banco Central Europeu (BCE). As contas à ordem deixariam, assim, de ser activos detidos pelos bancos comerciais;
      b) Transformação das contas de investimento, (como as contas a prazo) em activos
      ilíquidos não transferíveis;
      c) A injecção de liquidez na economia pode ser feita, entre outras maneiras, através
      do financiamento directo do Estado por um ou mais dos seguintes itens: Redução
      de taxas e impostos, aumento de gastos, dividendos dos cidadãos, reembolso da dívida nacional;
      d) Retirando a capacidade aos bancos de criar moeda através de empréstimos, o BCE será a única instituição capaz de alterar o fluxo monetário;
      e) A decisão de aumentar ou não a massa monetária será tomada por uma entidade independente e transparente, o Comité para a Criação Monetária, tendo
      em conta os níveis de inflação fixados pelos Estados Membros;
      f) Não existe qualquer pretensão de nacionalizar o sistema bancário, mas sim de retirar o privilégio de produção de moeda que passará a ser da exclusiva responsabilidade do BCE tendo, assim, o controle da criação e fluxo de dinheiro".

      Esta é uma autêntica monstruosidade que vai muito além de qualquer desejo da mesma Merkel. O problema não é o banco comercial: o problema é que o banco comercial funciona com o sistema da usura. A solução proposta pelo PAN é assustadora: todo o poder para um único banco. Qual? O BCE!

      Em vez que explicar aos eleitores o problema da perda da soberania monetária e as suas obscenas consequências, o PAN assina por baixo o psico-drama da Dívida Pública e encontra a solução entregando tudo, mas mesmo tudo a um banco privado, o BCE. A invenção do Comité para a Criação Monetária é a cereja no topo do bolo.

      (continua)

    3. (continua)

      Esta é a coisa mais grave, que bem demonstra a orientação económica do PAN. Depois há outros pormenores. Ponto 145:

      "145. Benefícios fiscais para empresas que cumprem fiscalmente"

      Mas estamos a brincar? Um prémio só porque uma lei é respeitada? Mas as leis são para ser respeitadas e nada mais. E por qual razão este prémio deveria abranger só as empresas? Os trabalhadores dependentes que nunca podem evadir não merecem nada?

      "Ponto 149: Como medida de moralização da utilização dos recursos económicos nacionais, é importante que seja definido um tecto máximo para os prémios que as/os gestoras/es das empresas públicas recebem anualmente"

      E por qual razão? Se um gestor faz poupar ao Estado dezenas de milhões, eu não me importo de paga-lo e muito bem até. Esta moralização mesquinha tem como único resultado afastar os bons gestores do Estado, que fica gerido por medíocres.

      Para ter uma ideia do que é o PAN, sugiro espreitar o programa de 2011, onde podem ser encontradas outras pérolas quais:

      – a apologia do sistema do livre mercado (mas ético!)

      – "Inscrição na Constituição de um limite máximo de dívida pública no Estado central, nas regiões e nos municípios, e pela obrigação de aprovação de orçamentos plurianuais para a legislatura, para além do orçamento anual". (a Merkel agradece mais uma vez)

      – "Considerar os partidos políticos essenciais à democracia" (a Democracia não precisa de partidos políticos)

      – "Determinar que a constituição como arguido é motivo para a suspensão imediata de funções por parte dos políticos e qualquer condenação (no âmbito das funções políticas que exerça), esgotadas as instâncias de recurso, será motivo de perda de mandato" (Não importa se uma pessoa for culpada: a só condição de arguido é suficiente para que seja suspenso de qualquer função. Imagine a facilidade em eliminar adversários políticos: um jogo para crianças).

      – "Não contemplar qualquer tipo de imunidade dos políticos em relação a procedimentos policiais e judiciais, incluindo os de mera natureza processual, que advenham de diligências relacionadas com as investigações que impliquem qualquer tipo de crime ou delito eventualmente por eles cometido antes e durante o exercício dos respectivos mandatos" (alguém deveria explicar ao PAN a razão pela qual foi criada a imunidade dos políticos: trata-se duma norma para prevenir os regimes fascistas)

      – "um conjunto de órgãos de comunicação livres e independentes dos poderes político e económico, financiados por um fundo de investimento com verbas cedidas por mecenas e pelos leitores" (comunicação independente com verba de mecenas? Mas é uma piada?!?)

      Mas estes, como afirmados, são apenas pormenores. O ponto central é que o PAN é um partido que apoia o actual sistema político/económico (pseudo-Capitalismo), subscreve a visão geral fornecida pelo órgãos do regime e enfraquece ainda mais os governo nacional em prol do controle integral por parte do BCE.

      Tudo isso misturados com ideias válidas e atractivas acerca dos direitos dos animais e do respeito pelo meio-ambiente (e que eu partilho, que fique claro). Mas não só de animais e meio-ambiente vive um Estado. E aqui começam os problemas com o PAN. Perigoso? Sim, sem dúvida: com um partido de Direita já sabes o que esperar, com o PAN és atraído pela ternura do gatinho abandonado.

      Abraçooooooo!!!!!!

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