A Grécia não sai da Zona Euro (por enquanto)

A Grécia sai do Euro?

Hoje é o dia das grandes negociações: todos reunidos em Bruxelas para discutir da possível “fuga” de Atenas, provocada pelas divergências entre os pedidos dos “credores oficiais” (pode ler-se: imposições do Fundo Monetário Internacional, União Europeia, etc.) e a oferta de Tsipras, o líder do governo helénico.

O próximo 30 de Junho é o fim da extensão do programa de assistência financeira à Grécia e, no mesmo dia, Atenas tem também de pagar mais de 1,5 mil milhões de Euros ao FMI.

A falha de pagamento será considerada como um “default” pela instituição liderada por Christine Lagarde, pelo que no encontro de hoje estarão presentes todos: a chancelera alemã Angela Merkel, o
Presidente francês François Hollande, outros 16 chefes de Estado e de
Governo, o Presidente da Comissão Europeia
Jean-Claude Juncker, o Presidente do Conselho Europeu Donald Tusk, e o
Presidente do Banco Central Europeu Mario Draghi. Todos em Bruxelas para encontrar uma solução.

Então volta a pergunta: a Grécia sai?
Previsão do dia: não, a Grécia fica.
As razões?

A Grécia não sai da Zona Euro

Nos últimos meses a Alemanha tentou fazer passar a ideia de que a Grécia poderia abandonar a Zona Euro, que em Berlim estavam todos a marimbar-se.

Explicação oficial: as medidas de contenção orçamental devem ser respeitadas assim como os parâmetros europeus, não há descontos para ninguém. Explicação não oficial: os bancos da Alemanha já se tinham afastado do possível risco-Grexit (Grexit = saída da Grécia), pelo que as consequências em Pátria seriam bem poucas.

Em ambos os casos: uma mentira. Porque a chancelera tem medo que a Grécia saia. E não pouco medo. A saída da Grécia seria um revés para Angela Merkel, a demonstração de que as suas políticas de austeridade:

  1. não relançam a economia da Zona Euro
  2. são incapazes de aliviar e/ou recuperar situações graves como a de Atenas
  3. arriscam provocar a dissolução da mesma Zona Euro (a Grécia seria o primeiro País a abandonar a alegre brigada).

Isso explica a pressão exercitada nas últimas semanas sobre Atenas.
Escreve no britânico Telegraph um dos melhores economistas europeus, Ambrose Evans-Protchard:

Os guardiões da estabilidade financeira estão deliberadamente a causar a corrida bancária e minar o sistema europeu no desejo fanático de paralisar a Grécia 

Parece a afirmação dum blogueiro conspiracionista, mas não: é dum dos mais prestigiados e moderados economistas mundiais a admitir como o Banco Central Europeu tente de todas as formas travar a saída da Grécia, chegando ao ponto de provocar uma corrida dos Gregos aos balcões bancários e pôr assim sob pressão o executivo de Alexis Tsipras.

É por isso que o Banco Central de Atenas, sob ordens do BCE (e em plenas negociações), nos últimos dias publicou um relatório incendiário e alarmista, que fala de “crise incontrolável” se o governo não aceitar as imposições dos credores, afirmando que a inflação vai subir, que o desemprego vai crescer exponencialmente, que tudo o que a economia grega conquistou (sic!) ao longo dos anos no Euro estará perdido e que, em última análise, o País será “quase certamente” expulso da Europa.

Esqueceram-se a venda dos cidadãos gregos como escravos, mas quanto ao resto o Banco Central de Atenas não se fez faltar nada.

Mas o medo está instalado em Bruxelas, não em Atenas. Porque uma Grécia fora do Euro seria a demonstração de que há vida além da moeda única. E é uma vida até melhor.

A bancarrota não é o fim (aliás…)

O que aconteceria se Atenas saísse do Euro? A Grécia deixaria de existir? Seria invadida pelo ISIS? As pessoas morreriam de fome? Nada disso. Muito simplesmente, a Grécia entraria em bancarrota.

“Simplesmente”? Mas esta não é uma catástrofe? Não.
A bancarrota é uma passagem, uma fase de transição para um novo status. É algo normal, que já aconteceu dezenas de vezes no planeta todo. Tanto para ter uma ideia acerca do que estamos a falar, eis uma lista dos default europeus apenas entre os anos 1900 e hoje (País, ano de default e consequente reestruturação da Dívida):

  • Albânia (1990)
  • Alemanha (1932, 1939, 1948)
  • Áustria (1938, 1940, 1945)
  • Bulgária (1932, 1990)
  • Croácia (1993–1996)
  • Espanha (1936–1939)
  • Grécia (1932, 1964, 2010)
  • Hungria (1932, 1941)
  • Irlanda (2010)
  • Islândia (2008)
  • Polónia (1936, 1940, 1981)
  • Portugal (2010)
  • Reino Unido (1932)
  • Roménia (1933)
  • Rússia (1918, 1947, 1957, 1991, 1998)
  • Ucrânia (1998–2000)

Estes Países deixaram de existir por causa da bancarrota? Claro que não. Em alguns casos, os defaults foram um “saudável” (por assim dizer: o default nunca é agradável…) golpe de esponja para apagar situações insustentáveis e recomeçar com outras bases.

A lista de bancarrotas é comprida também fora do Velho Continente. Só mais alguns exemplos, sempre e só relativos aos anos entre 1900 e hoje:

Ásia

  • China (1921, 1932, 1939)
  • Japão (1942, 1946–1952)
  • India (1958, 1969, 1972)
  • Indonesia (1966)
  • Iran (1992)
  • Kuwait (1990–1991)
  • Myanmar (1984, 1987, 2002)
  • Vietnam (1985)

Américas

  • Argentina (1951, 1956, 1982, 1989, 2002–2005, 2014)
  • Bolívia (1927, 1931, 1980, 1986, 1989)
  • Brasil (1902, 1914, 1931, 1937, 1961, 1964, 1983, 1986–1987, 1990)
  • Canada (1935)
  • Chile (1931, 1961, 1963, 1966, 1972, 1974, 1983)
  • Colômbia (1900, 1932, 1935)
  • Equador (1906, 1909, 1914, 1929, 1982, 1984, 2000, 2008)
  • Guatemala (1933, 1986, 1989)
  • Guiana (1982)
  • Honduras (1981)
  • Jamaica (1978)
  • México (1914, 1928–1930, 1982)
  • Nicarágua (1911, 1915, 1932, 1979)
  • Panamá (1932, 1983, 1983, 1987, 1988–1989)
  • Paraguay (1920, 1932, 1986, 2003)
  • Peru ( 1931, 1969, 1976, 1978, 1980, 1984)
  • Uruguay (1915, 1933, 1937, 1983, 1987, 1990)
  • Venezuela (1982, 1990, 1995–1997, 1998, 2004)

Acho que é suficiente para entender que o default não é um Armageddon. Não é agradável, não dá para rir, mas tudo continua. E volto a repetir porque é importante: se bem gerida, uma bancarrota é uma óptima ocasião para recomeçar, apagar antigas situações negativas e reconstruir a economia dum País acima de bases mais sólidas e seguras.
E porque não? Até mais rentáveis.

A propósito: voltamos ao caso da Grécia. E se uma Atenas fora do Euro se tornasse um exemplo concreto de que “fora é melhor do que dentro”?

Óbvio: de imediato cantos fúnebres, profetas de desgraças em Pátria e fora… mas depois?
Depois a Grécia teria que voltar para uma moeda toda sua, uma Nova Dracma. Perante o Euro, a Nova Dracma ficaria bem mais desvalorizada. Podemos dizer um 25%? Ok, 25 %. Não é pouco. Mas isso significa que a Dívida Pública grega ficaria abatida em 25%, dum dia para outro. Nada de “reestruturação”, é automática e implícita no dia em que Atenas voltar a ter uma sua própria moeda desvalorizada. Os credores podem não ficar tão satisfeitos… mas os Gregos sim.

Desligada dos perversos mecanismos do Euro, Atenas poderia voltar a emitir dinheiro.
Portanto: uma soberania monetária (que hoje não existe, nem em Atenas nem em qualquer outra capital europeia) e uma moeda desvalorizada que favorece (e de que forma!) as exportações.
Imaginem as consequências apenas no sector do turismo (uma das principais fontes de rendimento da Grécia): quem resistiria a umas férias num País onde tudo custa menos (e em alguns casos até muito menos)?

Interessante, não é? Pois.
Até porque ficar na Zona Euro traz um certo azar. No mínimo.

A Zona Euro traz azar

Vamos fazer duas contas, considerando que as crises de Grécia, Portugal e Irlanda foram de facto
bancarrotas embora intencionalmente provocadas (não vamos nesta sede explicar as razões) e “mascaradas” com intervenções de emergência por parte de várias instituições (FMI, BCE, etc.):

  • na Europa, em 115 anos (1900 – 2015) houve 16 Países que entraram em default. Um País por cada 7.18 anos.
  • na Zona Euro em 16 anos (1999 – 2015) houve 4 Países que entraram em default. Um Pais por cada 4 anos.

Considerando apenas os Países que actualmente fazem parte da Zona Euro e contabilizando todas as vezes em que um destes Países entrou em default (houve Estados com mais do que uma bancarrota), a situação é a seguinte:

  • Zona Euro (1900 – 2015): 19 default (um a cada 6.05 anos)
  • Zona Euro (1999 – 2015): 4 default (um a cada 4 anos)

Isso tanto para ter uma ideia da “estabilidade” que trouxe a Zona Euro…

Mais uma vez: um default não é um passeio de lazer. Bem melhor seria uma saída da Zona Euro planificada. Mas até nos piores dos casos, isso não seria o fim da Grécia. Também porque Atenas poderia ter um amigo, alguém simpático disposto a ajuda-la. E que se calhar já começou a ajuda-la. Que tal a Rússia?

Eis o outro pesadelo de Bruxelas: uma Grécia que sai do Euro, não acaba como País, volta a ter uma soberania económica e monetária, aumenta as exportações, reestrutura a Dívida com ou sem a colaboração dos credores, volta ao crescimento e se aproxima à Moscovo.

Desculpem, mas quem é que tem medo que Atenas saia da Zona Euro? Os Gregos? Certeza?
E em Bruxelas, estarão preocupados? E em Berlim? Com um Reino Unido onde já está programado um referendo para sair também?

Tripas, homem do sistema

Diz Alexis Tsipras:

Até ao presente, a Europa
tem-se orientado por uma ideia de unidade, uma opção contrária significará o falhanço dos ideais europeus.

Se Tsipras fosse o que pretende parecer (uma carta fora do baralho), nunca por nunca citaria “os ideais europeus”. Quais ideais? Os do Tratado de Lisboa? A Zona Euro dos tecnocratas de Bruxelas conduzidos por bancos privados e grandes corporações?

Num comunicado divulgado esta Sexta-feira, Tsipras garante que a Grécia está a trabalhar para que a reunião de emergência de hoje seja um “sucesso”:

Esperamos que as negociações finais decorram ao mais alto nível político da Europa e estamos a trabalhar para que a cimeira seja um sucesso.

Parabéns Tripas, mas que grande homem de Esquerda que me saíste. Mas não eras tu que dizias “Fora do Euro”? Agora é trabalhar, com maratonas de cimeiras para que o Grande Projecto Europeu (mas qual? Aquele da Merkel? Ou aquele de Hollande, que dobrou-se perante a Merkel? Ou aquele de Passos Coelho, que é a esteira da Merkel? É só para saber…) não fracasse.

Segundo Tripas, a política económica de “apertar o
cinto” imposta por Berlim e Bruxelas é “um caminho que não leva a
lado nenhum”. Exacto, meu querido. Mas foi a política que aplicaste nestes primeiros meses de governo, que ainda estás a discutir e em nome da qual já abdicaste oficialmente de boa parte das promessas da campanha eleitoral.

Perante uma Bruxelas aterrorizada com a perspectiva de ver desagregar-se o projecto Euro, com uma Alemanha que precisa desesperadamente de não perder pedaços do mercado europeu onde pode dominar com o Euro-Marco, com um Ocidente que vê com horror a ideia duma Grécia na órbita da influência de Putin, Tripas vai até Bruxelas para tentar poupar uns trocos em favor dos reformados gregos e salvar “os ideais europeus”.

Vai, caro Tripas, vai e fica descansado: os tecnocratas-mordomos da Zona Euro farão tudo e mais alguma coisa para que a Grécia fique. Acabará com uns quantos apertos de mão, declarações históricas, dentes iluminados pelos flash dos fotógrafos e a Grécia ainda súcubo da hegemonia alemã, numa Europa cada vez mais afastada de “ideais” que foram enterrados há muito.

E se ao longo da viagem encontrares um pouco de coragem para enviar os euro-mordomos para o lugar que lhes compete, escolhendo a independência e o orgulho do teu tão antigo e nobre povo, então paciência, meu caro Tripas: terás perdido o Euro (que já por si é uma sorte) e terás o respeito não apenas meu.

Ipse dixit.

Fontes: Wikipedia (versão inglesa), Dinheiro Vivo, Diário de Notícias, Expresso

6 Replies to “A Grécia não sai da Zona Euro (por enquanto)”

  1. Na Grécia não é altura para paninhos quentes.
    O Syriza só tem um caminho, mandar os tecnocratas europeus dar uma volta ao bilhar grande e ficarem por lá. Bater com a porta, de preferência com grande estrondo.
    Mas também não me parece que seja isso que vai acontecer.
    Este aparente 'braço de ferro' parece-me que são manobras para o Tsipras sair com a cara meio levantada de quem dá luta até ao fim.
    Qualquer coisa do género: Caiu mas caiu de pé.

    Krowler

  2. "Detalhe"! A questão não é simplesmente o default, mas as condições para voltar ou sair da bancarrota. Com raríssimas exceções, o que a história mostra são países, depois de períodos de alta dificuldade, precisaram retomar as relações com os mesmos grupos econômicos dominantes para poderem reaquecer suas economias.

  3. Mas se necessitam retomar negociações com os mesmos é mais do mesmo, mais da mesma medicina que não tem funcionado embora como as coisas começam a ficar sinceramente não vejo para onde se possam voltar.

    Ora bem o TPP já foi aprovado ontem no congresso. Proximamante o que nos diz mais respeito o TTIP deve vir proximamente. Como se na UE as coisas fossem um pouco mais difíceis, é mais do mesmo.
    O Tripas tem ido ao Kremlin à procura de alternativas o que até está bem visto, mas ontem vi em vários jornais que a "Corporação" com a ajuda da NATO vai fazer isto:
    http://www.publico.pt/mundo/noticia/pentagono-vai-enviar-artilharia-para-as-fronteiras-da-russia-1699896
    Neste momento os gregos não têm alguém que os possa ajudar.
    Ao ver um quadro com as corporações que pagaram os votos no congresso/uns fulanos que funcionam a votos para lá chegar e notas depois de lá estar…eureka!

    http://www.zerohedge.com/news/2015-06-23/obama-faces-union-anger-ahead-corporate-coup-detat-trade-deal-fast-track-vote

    A coca cola! Greek economic recovery sponsored by Coca Cola p. ex.

    Democracia, alternativas ou meras ilusões em que ainda acreditamos quando infelizmente não passam disso mesmo uma ilusão.

    As saidas: divida perpétua ou sair do neuro.

    N.

  4. Olá Max!

    Parece-me que os planos da Europa são claros e consistem em destruir a Grécia para a punir pela sua dissidência, como exemplo para os demais países, de acordo com o modus operandi da Mafia…

    Li agora esta opinião de Pacheco Pereira que recomendo
    http://www.publico.pt/mundo/noticia/a-europa-que-nos-envergonha-1700248?page=-1

    Já o papel de Tsipras para mim é um pouco difícil de perceber, mas eu não punha de lado a hipótese de uma aliança com a China que salvaria a Grécia, lançando no ridículo a Europa que poderia assim continuar o seu projecto imperial desde que com a dimensão de uma caixa de fósforos. pois será também provável a saída do Reino Unido da UE.

    Penso que com a passagem do centro do poder para o Oriente, antes do redimensionamento económico dos EUA assistiremos ao redimensionamento económico da Europa, a sua diminuta dimensão politica e militar quando comparada com os EUA, não possibilitará a manutenção de uma dimensão económica idêntica à do império em declínio…

  5. Eu não sou bom em contas de subtrair, mas é possível que se alguém as souber fazer se descubra que só hoje a Europa já perdeu dez vezes mais dinheiro do que o que emprestou à Grécia e que até à próxima segunda-feira tenha perdido cem vezes mais, em custos directos e indirectos… Na minha opinião tal devia ser suficiente para perceber a finalidade de Bruxelas…

Obrigado por participar na discussão!

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