O Trivium e as Falácias – Parte I

…e agora algo mais “pesado”.
Já ouviram falar do Trivium?

Ora bem. Procurando na sábia Wikipedia aprendemos o seguinte:

Trivium é uma banda americana de thrash metal/metalcore formada em 2000, originária de Orlando, Flórida.

Sem dúvida não é isso. Acho ser este:

Trívio (em latim: Trivium, de tres: três e via: caminho) era o nome dado na Idade Média ao conjunto de três matérias ensinadas nas universidades no início do percurso educativo: gramática, lógica e retórica. O trívio representa três das sete artes liberais, as restantes quatro formam o quadrívio: aritmética, geometria, astronomia e música. O contraste entre os estudos elementares do trívio face aos mais avançados no quadrívio originou a palavra “trivial”, adjectivo para caracterizar algo que é básico, simples ou banal.

E nada mais.
Três míseros parágrafos para descrever algo tão importante, não apenas no passado mas também na nossa sociedade. Especialmente na nossa sociedade: il Trivium é nada menos de que o instrumento para defender-se dos enganos da comunicação social. E desculpem se for pouco…

O Trivium

O Trivium foi criado em grande parte por Aristóteles, que viveu há cerca de 25 séculos atrás.
Quando publicou o seu trabalho sobre o Trivium e a Lógica, Aristóteles passou não poucos problemas: o facto é que tinha revelado a utilização da palavra para o controle das massas. Mas Aristóteles estava certo: sabia que as massas A) não teriam entendido B) mesmo que tivessem entendidos, não teriam ligado. E foi exactamente isso que se passou. E que se continua a passar.

Ao longo do tempo, o Trivium foi influenciado e até modificado para adaptar-se aos novos tempos, mas o que interessa é a aplicação da “estratégia mental” que traz transparência contra a avalanche de informações e de contra-informações que os media (basicamente televisão, rádio, diários e internet) atiram para cima das nossas cabecinhas. Neste aspecto é espantosos o facto de que, passados 2.500 anos, ainda sejam utilizados os mesmos instrumentos para condicionar o nosso pensamento (com boa paz de Darwin e da sua evolução da espécie). Porque os instrumentos são de facto os mesmos e podemos facilmente encontra-los na rede cada vez mais capilar dos spin doctors e dos “influenciadores”.

Não acaso, o Trivium juntava aquelas que eram definidas como “artes liberais”: eram as disciplinas onde era necessário um trabalho intelectual e não físico (o das artes mecânicas), portanto reservadas não aos camponeses ou aos servos mas aos homens mais cultos (e livres). Não conhecer as artes liberais é fundamental para permanecer escravos.

As partes do Trivium

O método Trivium consiste em três partes, cuja ordem nunca deve ser alterada.
Não se assustem com esta curta descrição das três partes, mais logo tudo ficará bem mais claro. 

1. Gramática

Existem dois tipos de Gramática: a primeira é a Gramática normalmente ensinada nas escolas desde o ciclo básico. Depois há a Gramática Geral, que está relacionada com algo um pouco diferente: as palavras da realidade objectiva, e se aplica a todos os assuntos para um conhecimento integrado.

O que significa isso? Significa que nesta fase a Gramática se torna “conhecimento” através das perguntas básicas “Quem?”, “Onde?”, “Como?” e “Quando?”. Responder a estas perguntas significa recolher um conjunto de dados que pode assim ser submetido à Lógica. 


2. Lógica
É o estudo do raciocínio e da argumentação e, em particular, dos procedimentos inferenciáis, com o objectivo de esclarecer quais os processos de pensamento que são válidos e quais que são inválidos. 

3. Retórica

Aristóteles definiu a Retórica como “a possibilidade de explorar os possíveis meios de persuasão em relação a cada assunto”.

Atenção, porque “persuasão” não tem obrigatoriamente uma conotação negativa: pensamos por exemplo a um advogado que, com a sua retórica, consegue fazer absolver um arguido que de facto é inocente.

A persuasão é a correcta aplicação do conhecimento, totalmente compreendido, para explorar e encontrar o método certo para expressar de forma convincente as conclusões às quais chegámos com a Gramática e a Lógica.

…então?

Assim: Gramática, Lógica, Retórica… mas o que significa tudo isso? 

Significa que, antes que seja possível explicar a outras pessoas como algo funciona corretamente, temos que responder às perguntas: “Porquê?”, “Quem?”, “O que?”, “Onde?” e “Quando?” (a Gramática): isso é, recolher todos os dados. 


Significa que antes de responder temos de ter feito a nossa Lógica, removendo as contradições. 

E significa que temos de ser capazes de expressar as nossas conclusões de forma clara e convincente (Retórica), para poder transmitir as informações correctamente e duma maneira que seja persuasiva. 

Parece tudo tão óbvio, não é? Antes te informas, depois pensas um pouco e para acabar falas.

Sim, parece óbvio. Mas não é, de todo. Muitas vezes não fazemos isso. Ao ler as notícias dum diários, por exemplo, raramente o Trivium é aplicado: desta forma, ficamos vítimas das palavras e não donos delas. E as palavras estão intimamente ligadas ao pensamento, o nosso pensamento.

Ao evitar o percurso do Trivium, caímos na Falácia, termo que deriva do Latim e que significa “engano”. De facto, as Falácias são erros argumentativos e estão baseadas no ensinamento que era dado aos clérigos e os altos funcionários da sociedade. 

As Falácias podem ser involuntárias ou voluntárias.

É involuntária quando, como afirmado, são feitas afirmações sem antes passar pelo Trivium.
Um exemplo prático? Internet.

Falácias & Internet

A Web está cheia de Falácias, e dizer que “está cheia” é um eufemismo: seria mais correcto afirmar que é o reino das Falácias. A coisa mais engraçada é que a maior parte delas são involuntárias: as teoria delirantes que circulam são o melhor exemplo disso. Ao aceitar e publicar tais teorias, não é feita a Gramática (“Porquê?”, “Quem?”, “O que?”, “Onde?” e “Quando?”), é esquecida a Lógica (por exemplo, removendo as contradições) e é massacrada a Retórica (na maior parte dos casos é feito um copia/cola).

Este último ponto é importante porque se é verdade que a maior parte dos que acreditam (e espalham) tais teorias cometem um engano involuntário, não podemos esquecer que na origem há pessoas que sabem bem o que estão a fazer e que utilizam de forma correcta o Trivium para criar Falácias que parecem “verdades”. A repetição destas teorias inúmeras vezes faz o resto, tornando a Falácia meia verdade para alguns e dogma para outros.

Vamos ver um exemplo banal, tanto para esclarecer as ideias.

Recentemente falámos da teoria dos Reptilianos.
É interessante notar como quem construiu esta teoria aparentemente fez uso do Trivium, pelo que podemos ser levados a acreditar na real existência dos Reptilianos.
Esta teoria:

  1. responde às perguntas da Gramática (outra vez: “Porquê?”, “Quem?”, “O que?”, “Onde?” e “Quando?”)
  2. parece ultrapassar as contradições da Lógica (Dúvida: “Também os Reptilianos procuravam ouro? Mas não havia já os Annunaki?”. Resposta: “Existe uma ligação entre a História dos Reptilianos e aquela dos Annunaki”)
  3. por vezes (raramente, diga-se) é apresentada segundo as regras da Retórica.

Onde está a Falácia neste caso? Já no primeiro passo, na Gramática: as respostas às clássicas perguntas excluem qualquer tipo de prova factual, ficando baseadas apenas em argumentações teóricas. A seguir, ignora-se este aspecto na Lógica e, com o bom uso da Retórica, a Teoria dos Reptilianos até pode parecer “aceitável” (e muitos a aceitam, de facto!).

Reconhecer as Falácias

Agora, paramos e pensamos: se as Falácias são tão difundidas num meio de comunicação como internet (e há para todos os gostos), não será que existem Falácias também em outras áreas da comunicação? Este é o ponto central do presente artigo.

Como vimos, as regras do Trivium eram reservadas para as elites, sendo um potente meio para controlar as massas. O Trivium era para os príncipes, para os funcionários da Igreja, não para a plebe. E hoje? Mesma coisa. Exactamente a mesma coisa.

Conhecer o Trivium significa dominar a força das palavras; e estas podem condicionar o pensamento, criar emoções, mover massas. Como é que Hitler inflamava as praças? Conhecendo o Trivium. Como é que os políticos anestesiam os eleitores? Conhecendo o Trivium. 

Reconhecer as Falácias (lembrando as regras do Trivium) significa entender o que está a acontecer, quais as reais intenções de quem fala.

É simples? Não, não é: este é um processo que requer muito treino e uma agilidade mental que pode ser adquirida com a prática. Todavia, saber algumas coisas ajuda. Por exemplo: saber quais são os tipos de Falácias das quais podemos ser alvos. E não são poucas.

Mas este será o assunto da segunda e última parte do artigo (amanhã).
A boa notícia? Esta era a parte teórica, mais “pesada”…

Ipse dixit.

Fonte: na segunda parte.

7 Replies to “O Trivium e as Falácias – Parte I”

  1. Bem lembrado um artigo deste tipo.
    Apenas acrescento que nos dias de hoje são muito utilizados também tanto nos negocios como na politíca Padrões Hipnóticos Ericksonianos e Programação Neurolinguística (PNL)

    EXP001

  2. Excelente a escolha da matéria. O que poderias citar é o "oficialismo" e seu caráter axiomático de determinados nichos de informação. O exemplo dos pseudos alienígenas foi infeliz, pois trata-se de um assunto que transcende a capacidade humana de concluir algo, independentemente de sua existência, por mais remota que seja. Justamente por normalmente não fazermos uso do Trivium, chancelamos a realidade construída e formatada por essas fontes oficialistas que, de várias formas, parecem ser os proprietários da verdade. Abraço.

  3. Inclusive, Trivium é uma das minhas bandas favoritas! 🙂

    PS: parabéns pela sua aventura musical. Qualquer coisa, sou engenheiro de som "aposentado". 🙂

  4. Olá!

    EPX e Chaplin:
    infelizmente o tipo de espaço e a complexidade da matéria não permitem realçar o assunto como mereceria. O Trivium, afinal, é aquele conjunto de "truques" (por assim dizer) da oratória que são amplamente utilizados nos meios de comunicação e que condicionam a nossa visão acerca dos factos.

    A potência das palavras atinge aqui o seu máximo, para ir muito além dos ouvidos e penetrar em profundidade nos nossos pensamentos. Esta é a melhor arma de controle maciço, devidamente veiculada pelos órgãos de informação. E quanto escrito neste artigo é apenas uma faísca que quase nem rende a ideia.

    Ricardo:
    Muito obrigado!
    Trivium? In Waves. Mas também Shogun… 🙂

    Abraçooooo para todos!!!!!!

    1. Max … eu não te diria que é um tema complexo, porque depois de leres os padrões abaixo entenderas.
      Poderia dizer-te que parece complicado, mas veras que nao.
      Mais cedo ou mais tarde quem procura acaba por entender a sua simpicidade.
      Algum dia… nos pessoas que tentamos ver para alem do veu iremos afastar a poeira que nos atiram para os olhos.
      Tenta resistir a ler os padroes abaixo.
      Pergunto-me se estarão sentir estas palavras interessantes ou não.
      Talvez não tenham ainda sentido este poder avassalador das palavras mas poderao descobrir tudo mais abaixo.
      Pergunto.. o que gostariam de fazer primeiro? Continuar a ler ou saltar ja para a lista de padrões e perder a surpresa

      Bem… vamos ja saltar para a lista 🙂

    2. 1. Eu não lhe diria _________, porque …
      De qualquer forma já estou dizendo, porém, minha negativa inicial quebra a resistência, e a palavra mágica "porque" atribui autoridade ao que digo ao mesmo tempo em que desvia a atenção do comando embutido.

      Exemplo: Eu não lhe diria faça seu pedido agora, porque você já sabe que este é o melhor momento.

      2. Eu poderia lhe dizer que________, mas …
      Você não pode colocar nenhuma objeção, já que eu apenas estou comunicando o que posso fazer. O "mas" desconsidera o dito e engana a atenção consciente.
      Exemplo: Eu poderia lhe dizer que o cuidado com os cabelos é fundamental para a saúde, mas prefiro que você descubra por si mesmo.

      3. Mais cedo ou mais tarde, …
      Este padrão é um verdadeiro facilitador de comandos embutidos, no que pressupõe a inevitabilidade dos mesmos.
      Exemplo: Mais cedo ou mais tarde, você vai perceber mais profundamente as vantagens desta escolha.

      4. Algum dia (ou em algum lugar)…
      Mesmo caso do anterior. Pressupõe-se que algo inevitavelmente irá acontecer, algum dia ou em algum lugar. Então é melhor que você já comece imaginar isto agora e deixe acontecer.
      Exemplo: Algum dia, você vai rir das preocupações atuais.

      5. Tente resistir …
      A pressuposição é de que qualquer resistência será inútil. Este padrão contém um duplo vínculo: ou o cliente tenta resistir, obedecendo ao comando direto ou não resiste, atendendo ao comando indireto. Não há como não obedecer a você.
      Exemplo: Tente resistir a este novo modelo do carro.

      6. Estou me perguntando se você _______ … ou não.
      Pergunta embutida, seguida de comando embutido. O "… ou não" do final é optativo e serve para uma possível retirada estratégica.
      Exemplo: Estou me perguntando se você gostaria de experimentar este produto por uma semana sem compromisso… ou não

      7. Talvez você não tenha… , ainda.
      O "ainda" é outro pressuposto de inevitabilidade. O "talvez" funciona como suavizador. O "não" produz a imaginação do que está sendo negado. A meta-mensagem é "faça logo".
      Exemplo: Talvez você não tenha decidido a nos acompanhar nesta parceria ainda.

      8. Estou me perguntando o quê você gostaria de fazer primeiro.
      A cláusula temporal "primeiro" contida nesta pergunta embutida faz pressupor que ambas as escolhas vão ocorrer de qualquer jeito. O consciente é desviado pela preocupação com a ordem em que vão ocorrer.
      Exemplo: Estou me perguntando o quê você gostaria de fazer primeiro: tomar mais um cafezinho ou assinar o pedido.

      9. Alguém pode __________, porque …
      O uso da confusão, reforçada pelo padrão "lógica sem lógica". Observe, pelo exemplo, que o cérebro do ouvinte vai ter que inventar uma ligação de causalidade lógica entre as duas orações da sentença.
      Exemplo: Alguém pode sentir-se aliviado e tranqüilo, porque você conhece a satisfação íntima de recuperar a vontade de vencer.

      10. Você vai ______ agora, ou você vai _______?
      A multiplicidade de escolhas disfarça a pressuposição de que a escolha é inevitável.
      Exemplo: Você vai garantir esta troca agora, ou você vai fazer o pedido de reserva para depois?

    3. 11. … disse (ou dizia) _____, "________"
      Você transmite seu comando ou sua mensagem através da citação de outrem.
      Exemplo: Já dizia meu avô: "quem não arrisca não petisca".

      12. … me disse uma vez, "_______"
      Mesmo padrão anterior, enriquecido com a adição de metáforas.
      Exemplo: Meu pai me disse uma vez que, com um passo após o outro, você chega aonde quiser.

      13. , , , e…
      Uma das seqüências eficazes de condução hipnótica. Após uma série de afirmações comprováveis fisicamente, você faz uma sugestão que, embora não comprovável, terá alta chance de ser incorporada às demais.
      Exemplo: Você está sentado nessa cadeira, na minha frente, pode ver o meu rosto e as minhas mãos, ouve o som da minha voz e sabe que eu não o enganaria numa transação.

      14. É fácil ________, não é?
      O mágico "não é?" final transforma o comando em uma pergunta e contorna a resistência, oferecendo a opção do contrário.
      Exemplo: É fácil negociar quando as duas partes querem o acordo, não é?

      15. Sem sombra de dúvida (ou com certeza) …
      Os advérbios de modo como felizmente, obviamente, indiscutivelmente, infelizmente, etc. fazem pressupor que a afirmação que lhes segue é necessariamente verdadeira, reforçando assim os comandos embutidos.
      Exemplo: Sem sombra de dúvida, vale a pena investir neste negócio.

      16. Eu não sei se _________.
      Neste padrão, a negação disfarça uma pergunta que, por sua vez, disfarça um comando. É uma forma indireta de se chegar ao inconsciente.
      Exemplo: Eu não sei se esta é a grande oportunidade que vai mudar sua vida.

      17. Você pode _______, não pode?
      O que distingue este padrão é o "não pode?" final. Você pode entender como ele suaviza o comando e cria fatores de rapport com o ouvinte, não pode?
      Exemplo: Você pode se colocar alguns instantes no meu lugar, não pode?

      18. A gente pode ________ porque …
      " 'Porque' é uma palavra mágica, porque ela empresta credibilidade emocional a tudo o que se diz antes dela". (Robert Anue)
      Exemplo: A gente pode gastar algum tempo analisando o assunto porque você sabe que esta é uma forma de se chegar a um acordo mais seguro.

      19. Quem sabe você gostaria de _________?
      Treine o uso sistemático de suavizadores. Este padrão contém dois. No exemplo a seguir, há também a pressuposição de que o cliente vai comprar o aparelho.
      Exemplo: Quem sabe você gostaria de experimentar o aparelho antes de comprá-lo?

      20. Você provavelmente já sabe …
      Forma excelente e elegante de suavizar o comando indireto que se segue. O ouvinte é conduzido a colocar em ação seu sistema de busca para verificar seu conhecimento do que é afirmado, enquanto o inconsciente capta a mensagem do comando embutido.
      Exemplo: Você provavelmente já sabe como identificar um produto de boa qualidade.

      21. Estou curioso para saber se …
      Forma indireta de fazer a pergunta, que vai embutida.
      Exemplo: Estou curioso para saber se você vai estudar minha proposta com o carinho que ela merece.

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