Grécia: os cinco mitos

Enquanto Tsipars, Tpiras ou Tripas já anunciou que as promessas feitas durante as eleições devem ser “congeladas” (mas o partido no governo não fica “congelado”: aprendem depressa os rapazes…), nós vamos gastar um par de palavrinhas acerca da Dívida grega.

É preciso pois nos últimos tempos circulam ideias bastante esquisitas acerca disso. Estas ideias, activamentes reforçadas por políticos de nível europeu e pelos órgãos de comunicação mainstream, transmitem uma imagem muito falseada acerca do que se passa em Atenas.

Vamos ver quais as razões.

Mito nº 1: Cancelar a dívida grega significa uma dívida para todos os outros cidadãos europeus

Michel Sapin, Ministro da Economia Europeu, 02 de Fevereiro de 2015: “Inaceitável transferência da dívida grega para o contribuinte francês”
Le Figaro, 08 de Janeiro de 2015: “Uma telha de 735 € para cada francês”
TF1, 02 de Fevereiro de 2015: “636 €”.

Falso? Sim, falso.
Os compromissos dos vários Países europeus foram pagos apenas numa percentagem muito reduzida: a maior parte foi entregue pelo EFSF, o fundo europeu de solidariedade financeira que contraiu o empréstimo nos mercados financeiros para depois emprestar dinheiro à Grécia.
Estes empréstimos já estão contabilizados na Dívida Pública dos vários Países, pelo que a sua anulação não iria aumentar a dívida.

Os Países que emprestaram dinheiro à Grécia terão que pagar essas quantias em caso de cancelamento da Dívida grega? Não porque, de facto, nenhum País restitui realmente a sua Dívida. Quando um empréstimo acabar o prazo, simplesmente é substituído por outro empréstimo.

A única coisa que os contribuintes perderiam seriam os juros pagos no lugar da Grécia. Estes juros podem ser quantificados em 15 euros por pessoa, por ano. Mas na verdade nenhum cidadão teria que pagar este dinheiro: o BCE (Banco Central Europeu) tem não um mas vários instrumentos para resolver esta situação (exemplo: readquirir das instituições públicas os títulos gregos e cancelá-los).

Mito nº 2: Quando algo é tomado emprestado, deve ser reembolsado

Michel Sapin, 02 de Fevereiro: “A Grécia terá de pagar a sua dívida”
Marine Le Pen, 04 de Fevereiro: “A dívida é uma dívida. Pagar é um dever moral para um Estado de Direito”

Falso? Claro que sim.
Com raras exceções, um Estado nunca reembolsa a sua Dívida, mas renova o empréstimo. No Orçamento do Estado são incluídos os juros sobre a Dívida, nunca o reembolso do valor emprestado. Isso porque um Estado não é um privado, pode continuamente pedir dinheiro emprestado para pagar os juros (e os bancos agradecem) e renovar a Dívida.

O que se passa com a Grécia é que em 2011, quando os bancos ficaram assustados com as dificuldades do País, BCE e Estados europeus tiveram de conceder empréstimos. E hoje estas mesmas instituições ameaçam travar novos empréstimos: é isso que lhes permite exercer uma chantagem brutal.

Além disso, quando a Dívida é demasiado elevada (num Estado que já não pode emitir dinheiro) a única solução é cancelar ou reestruturar a mesma Dívida. E a Grécia tem uma Dívida que é 190% do seu Produto Interno Bruto. Atenas nunca terá a possibilidade de reembolsar os empréstimos: já pagar os juros cria enormes dificuldades.

É interessante também realçar que nem toda a Dívida tem que ser reembolsada do ponto de vista legal. Segundo o direito internacional, é legítima a Dívida para financiar investimentos ou políticas que beneficiam a população; é ilegal o que não serviu os interesses da população mas, em vez disso, beneficiou minorias privilegiadas. De acordo com isso, a Dívida pode até ter um caráter discriminatório ou ser ilegal, dependendo das condições na qual é estipulada.

Pegar num Estado pela garganta e obriga-lo a assinar um empréstimo que beneficia em primeiro lugar os bancos privados pode ser considerado legal? Para quando uma auditoria sobre a Dívida grega?

Mito nº 3: Os Gregos encheram os bolsos, agora têm que pagar

Claudia Senik, economista:  A Grécia tem uma “administração inchada, 7% do PIB, em comparação com 3% na Europa”, há “problemas na colecta dos impostos e em conter os custos”.

Será falso? Pois é falso.
Segundo os dados da OCDE, na Grécia os funcionários públicos representavam 7% da força-trabalho empregue em 2001 e 8% em 2011. Em comparação, em 2011 a Alemanha tinha 11% de funcionários públicos e a França 23%.

Sempre em 2011, a Despesa Pública na Grécia representava 42% do PIB, em comparação com 45% da Alemanha e 52% da França.

Todavia, a austeridade da Troika afundou o PIB em 25% a partir de 2010, fazendo com que automaticamente o rácio Dívida/PIB aumentasse 33%.

Relativamente às taxas, para satisfazer o critério de Maastricht sobre o deficit máximo de 3%, a Grécia aumentou muito os impostos ao longo dos anos: desde 1990, de 28% para 42% do PIB.
No entanto, após a adesão à Zona Euro em 2001, os Gregos ricos fizeram festa. Por exemplo, em 2004 e 2008, a Grécia reduziu o imposto sobre a herança, diminuiu duas vezes os impostos sobre os rendimentos e decretou três leis de amnistia para os evasores fiscais.

Quem ganhou mais com esta operações? Os trabalhadores dependentes ou as camadas mais ricas da sociedade? Simples responder. E as receitas fiscais voltaram para 38% do PIB. Se a Grécia tivesse mantido o nível do ano de 2000 (42%), em 2007 a Dívida Pública teria sido 86% do PIB e não 103%.

Mito nº 4: Os Gregos foram ajudados, devem agradecer

Wolfgang Schäuble, ministro alemão das Finanças, 12 de Fevereiro de 2012: “A Grécia tem de deixar de ser um poço sem fundo”.

Falso. Verdadeiramente falso.
De 2010 até 2013, a Grécia recebeu 207 biliões de Euro em empréstimos de Países europeus e de instituições europeias. Esta é a “ajuda à Grécia”.

Um estudo de Attac Áustria revela os destinos desta “ajuda” entre 2010 e 2013.
77% desses empréstimos tem servido para recapitalizar os bancos privados gregos (58 biliões de Euro) ou foi pago directamente aos credores do Estado grego (101 biliões de Euros), em primeiro lugar bancos privados europeus e americanos.

Feitas as contas, a realidade é um pouco diferente: por cada 5 Euros de “ajuda”, apenas 1 Euro entrou nos cofres do Estado grego.

Entre 2010 e 2014, 52,8 bilhões de Euros foram utilizados para pagar os interesses dos credores; apenas 14,7 biliões de Euros foram utilizados para financiar a Despesas Pública.

E não esquecemos que a “ajuda” tão ajuda não é: os Grego têm que pagar os juros sobre todos os empréstimos, pelo que estará em dívida para os próximos 40 anos (no mínimo até 2054) e 30 bilhões de Euros deverão ser encontrados já este anos. Repetimos: apenas para pagar os juros.

Mas quem são os credores da Grécia?
A Dívida total é de 314 biliões de Euros e os credores são:

  • Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (EFSF, agora substituído pelo MES) 142 bilhões
  • Estados europeus 53 biliões
  • FMI 23 biliões
  • Sector privado 39 biliões
  • BCE 27 biliões
  • outros credores privados 31 biliões.

Portanto, dos 314 biliões de Dívida, 245 são daquelas instituições que deveriam “ajudar” a Grécia.

Mito nº 5: A Grécia deve continuar a impulsionar as reformas iniciadas

Wolfgang Schäuble, 04 de Janeiro de 2014: “É necessário que a Grécia continue as reformas já em curso, sem alternativa, independentemente do resultado das eleições”
François Hollande, 27 de Janeiro de 2014:”Tomaram um compromisso e os compromissos devem ser mantidos”.

Isso não é falso: é estúpido.
A Grécia precisa de reformas económicas, sociais e políticas. Sem dúvida. Mas não aquelas ditadas pela Troika, porque falharam redondamente. Na Grécia de hoje há menos Estado, mais mercado, mais pobreza, mais desigualdades. E os resultados económicos estão à vista.

A razão é que a Troika implementou uma programa financeiro com uma visão de curto prazo. O objectivo era arrecadar dinheiro, quanto mais possível, para pagar os credores. Mas os cidadãos? As empresas locais?

Os efeitos da austeridade podem ser resumidos nestes dados: em 2014, o PIB da Grécia foi inferior em 25,8% em relação ao nível de 2007; o investimento caiu 67%; a taxa de desemprego saltou para 26%; 46% dos Gregos está abaixo da linha de pobreza; a mortalidade infantil aumentou em 43%.

Em Outono de 2011, as Mentes Pensantes de Bruxelas anunciaram a retoma da Grécia para o ano 2013. Naquele ano, obviamente, o PIB grego caiu 4,7%.

Estes são os números da austeridade. O resto é apenas fantasia.
A nível europeu, o tratamento da austeridade conseguiu um aumento da Dívida Pública: de 65% para 94% do PIB entre 2008 e 2014. Países como a Grécia, ou Portugal entraram em crise por causa da excessiva Dívida Pública. Esta, na Zona Euro, não apenas não diminuiu mas aumentou 29%.

Sim senhor, verdadeiramente óptimos resultados…

Ipse dixit.

Fontes: France Attac, CAC: Collectif pour un audit citoyen

5 Replies to “Grécia: os cinco mitos”

  1. O assunto auditoria do sistema da dívida pública é proibido em qualquer país pois mostraria o quanto as populações, via Estados nacionais com seus governantes fantoches, são exploradas e mantidas em permanente endividamento com uns poucos banqueiros, travestidos de salvadores de países…

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