Gordon Walton: A Teoria das Seis Ilusões – Parte I

Professor Walton, você dedicou o seu último trabalho a um período obscuro da nossa História, a assim chamada Idade Escura. De que se trata?
É verdade, o “A Segunda Idade das Trevas” é dedicado inteiramente a este período histórico que podemos indicar como as décadas que vão desde a Primeira Guerra Mundial até as Grandes Revoluções após a Terceira. Uma época conturbada, feroz, de grandes desigualdades. Mas, sobretudo, uma época em que foi tentada uma operação nunca vista antes: a homologação planetária.

Como foi possível isso?
É difícil resumir isso em poucas palavras: o processo tinha começado pouco séculos antes, com a descrição daquele que depois foi conhecido como Capitalismo. Um sistema perverso, baseado em leis não-naturais, mas que conseguiu proporcionar um novo bem estar e a ilusão de progresso ao longo dos primeiros tempos.

E depois?
Depois, como sempre acontece, o sistema esgotou-se. Este “esgotar-se” do Capitalismo foi bastante rápido até, mesmo por ser algo tão afastado da Natureza. E aqui aconteceu algo extraordinário.

O quê?
As elites económicas, para manter os privilégios que o sistema de facto lhes proporcionava, tiveram que inventar, literalmente, um novo Capitalismo. Era o tal Neo-Capitalismo identificado por Greenwood, muito afastado do original mas que permitia um cada vez mais apertado controle sobre os cidadãos.

Todos os cidadãos?
Na prática sim, porque também aqueles que viviam em sistemas diferentes ou não particularmente desenvolvidos sofriam as consequências. Isso numa primeira fase: depois o Neo-Capitalismo tornou-se a regra, sendo adoptado por todos os Países.

É aqui entramos no capítulo das Seis Ilusões. Quer falar-nos desta sua teoria?
Com prazer. Para que uma ilusão consiga enganar o público, é necessário que o truque seja invisível. E, para isso, o mágico evoca no espectador um estado de suspensão da descrença. A suspensão da descrença muitas vezes é mais reconfortante do que descobrir os segredos do mágico. Agora, retomando o nosso discurso acerca da Idade Escura, a ilusão foi o elemento essencial para o regime neo-capitalista sobreviver, em particular nas suas últimas fases.

Nisso, portanto, apoia a Teoria da Ilusão de McGrow.
Sim, com certeza. Aliás, foi com base no trabalho dele que decidi analisar ao pormenor esta fase histórica até individuar aquela que agora é conhecida como a Teoria das Seis Ilusões.

Quais foram estas Seis Ilusões?
A primeira é a Ilusão da Lei, da Ordem e da Autoridade. Esta é a ilusão primordial, provavelmente a mais importante porque tende a criar um base aparentemente sólida e quase dogmática sobra a qual cultivar as outras Cinco. A Ilusão da Lei é o terreno sobre o qual pode ser construído o conceito de Estado. Atenção: falamos de Estado, não de Nação, pois se a segunda é uma característica natural, o primeiro é uma criatura que os Homens forjaram muitas vezes para controlar e até destruir o conceito de Nação. Na Idade Escura foi exactamente isto que aconteceu.

Mas Professor, na base dos primeiros Estados havia o conceito de Nação também e, após as Grandes Revoluções, este até foi recuperado com sucesso…
Sim, correcto: mas não devemos esquecer o período histórico em análise. Na Idade Escura, o Estado funcionou muitas vezes como um Cavalo de Tróia para o desmantelamento da identidade nacional, a tentativa de arrancar parte das raízes comunitárias para deixar ainda mais sozinho o ser humano, tirando-lhe um dos pontos de referência ancestrais.

Portanto, uma Lei utilizada como forma de opressão.
Exacto. Como sabemos, a lei só é legítima quando não for utilizada como uma ferramenta de opressão, controle social e até roubo. Uma lei, qualquer lei, deve ser simples, clara, directa, de forma que todos possam entende-la. Pelo contrário, uma lei obscura, que necessita de terceiros para ser entendida, pode facilmente tornar-se num instrumento de coerção. E na Idade Escura exemplos deste género não faltavam: pensamos na “volatilidade” das leis internacionais, dobradas ao sabor dos mais fortes. Quando é a mesma lei que não respeita as leis, significa que não há nenhuma lei, nenhuma ordem, não há justiça. O teatro das instituições servia apenas para esconder os factos, isso é: uma ordem baseada no controle, não no consenso.

G.Walton

Mas os cidadãos da altura não tinham consciência disso?
Tinham, até um certo ponto, porque aqui entra em cena a Segunda Ilusão: a Ilusão da Prosperidade. E não há muito a dizer neste aspecto: é suficiente visitar o Museu de Tecnologia Antiga, aqui mesmo em Nova Londres. Expositores literalmente cheios de objectos obsoletos e redundantes. Pensamos nisso: aqueles objectos representam apenas uma pequena amostra do que acontecia na realidade.

A economia da Idade Escura tinha entrado num círculo vicioso, aparentemente fútil, no qual milhares de objectos eram clonados infinitas vezes, quase a demonstrar o estado de potência e abundância atingido. Uma prosperidade sem fim, que todavia de fútil nada tinha: o objectivo era distrair, anestesiar e, ao mesmo tempo, criar metas, razões para perpetuar a ordem estabelecida.

Lei, Prosperidade…e a Liberdade?
Ora bem, esta era a Terceira Ilusão que, com a Primeira e a próxima, julgo representar as três Ilusões Maiores. Na Idade Escura o conceito de “liberdade” era bastante reduzido, muito mais reduzido quando comparado com os nossos dias. Liberdade é ter escolha, como sabemos, mas na altura as escolhas eram maioritariamente uma selecção dentro de um conjunto muito limitado de opções.

Mas mesmo assim havia escolha?
Depende do ponto de vista.  A escolha em certos casos não pode ser limitada e tem que apresentar um leque variáveis de opções. Variáveis consoante o passar do tempo também, pois as condições mudam. Mas na Idade Escura o fenómeno foi exactamente o inverso: quanto mais o tempo passava, menor eram as escolhas disponíveis.

Este é um ponto complicado de entender: os cidadãos não sentiam a necessidade de algo novo?
Sim, claro que sentiam, mas não esqueça que a Ilusão da Liberdade trabalhava em conjunto com as outras. Percebo que não seja intuitivo como raciocínio, mas a verdade é que o tempo passava e as escolham diminuíam.

Pode fazer um exemplo?
Com certeza. Veja: antes da Primeira Guerra Mundial havia várias formas de governo. Havia monarquias absolutas, monarquias constitucionais, havia Repúblicas… Após a Primeira Guerra Mundial surgiram também o Comunismo e o Fascismo. Enfim, o mundo parecia encaminhado para tornar-se um laboratório do qual poderia ter saído uma forma de Estado melhor, fruto das várias experiências. Mas assim não foi: no prazo de poucas décadas, todos os sistemas acabaram com o confluir na Democracia, mesmo naqueles lugares onde oficialmente continuou a existir a monarquia, esta era fortemente limitada por leis democráticas. Todo o mundo com apenas um tipo de regime: e isso foi apresentado como um progresso.

Incrível…
Sim, incrível. Chegou-se a um ponto no qual uma qualquer forma de governo que não fosse “democrática” era vista como atrasada, repressiva. E outras opções, as que não tinham expressão na realidade, simplesmente foram afastadas como “ilusões”. Não é paradoxal?

De facto…Professor, importa-se de ficar connosco para completar o seu discurso? Ainda faltam Três Ilusões…
Será um prazer. Fica para a segunda parte da entrevista então.

Ipse dixit.

3 Replies to “Gordon Walton: A Teoria das Seis Ilusões – Parte I”

  1. Fantástico!!! Um dos melhores ensaios senão talvez mesmo o melhor que já li sobre a descrição da nossa sociedade e as suas origens recentes, uma linguagem simples e eficaz, magistral. Claro que tenho muitas questões que gostaria de oprofundar mas vou esperar com espectativa pelos artigos que se seguem . Um documento para imprimir e reler e divulgar. Obrigado Max!
    P. Lopes

Obrigado por participar na discussão!

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