Há alguns dias publicámos a notícia do músico hebraico Gilad Atzmon, crítico em relação ao Estado de israel, impedido de actuar na cidade inglesa de Nottingham.

El Asombrario & C., página internet de Madrid (Espanha), decidiu entrevistar Gilad acerca da carta assinada por 13 cidadãos, o que impediu que o espectáculo tivesse lugar.
Uma boa entrevista, muito boa mesmo, que aconselho ler.  

“Cancelada na Grã-Bretanha a actuação de um ex-israelita, músico de jazz e judeu anti-semita”. “É assim que a notícia é apresentada em Haaretz, um diário israelita [o mais antigo e um dos mais conceituados, ndt]. Em primeiro lugar, não sabia que eras anti-semita. Como é possível ser anti-semita e, simultaneamente, apoiar os palestinianos, que são um povo semita?

Não devemos levar muito a sério o rótulo de anti-semita do jornal Haaretz. Inicialmente, foi utilizado o termo anti-semitismo para referir-se a pessoas que não gostam de judeus; agora, anti-semita refere-se àquelas pessoas dos quais os judeus não gostam. É claro que não sou anti-semita, eu odeio todos da mesma forma [Risos]. No entanto, ficou demonstrado que a decisão da Câmara foi contraproducente porque hoje há um protesto nas ruas de Nottingham, o que é incrível, não estava a esperava; também fui entrevistado pela BBC e pediram-me para ir na televisão…

A Câmara na verdade nem acreditava no que fazia, foram forçados a fazer algo no qual não acreditavam e tentaram manter em segredo a verdade. Não tornaram público o empurrão que me tinham dado. O manager encontrou um outro lugar e tornou-se um concerto em massa para apoiar-me, onde foram recolhidas centenas de assinaturas. O local tornou-se pequeno para todas as pessoas que queriam entrar. A cidade queria manter o silêncio, mas há três dias o Comité Secular para a Liberdade de Expressão, ou algo assim, descobriu esta história.

Apesar dos meus pontos de vista políticos, acerca dos quais eu também falo às vezes [risos], aquele foi um concerto. Na verdade, o manager escreveu uma carta a dizer que sou um dos artistas mais populares, que toco regularmente naquele clube, que já toquei todos os anos na última década, não uma vez! E ninguém tinha reclamado até agora.
Leio a notícia: “uma carta de treze vizinhos provocou a mobilização contra Gilad Atzmon”. Treze assinaturas não parecem muitas, não entendo como seja possível influenciar uma decisão política. Quem são?

Assim funciona o poder hebraico, é assim que manifesta o seu poder. Posso assegurar-vos que treze muçulmanos não teriam sido suficientes para parar uma reunião sionista e racista no mesmo lugar. Nem mesmo trezentos. Mas treze já são muitos, apenas um judeu pode suspender um concerto de jazz.

Este é o significado exacto do poder judaico. O poder judaico, como eu digo, é o poder de silenciar o debate sobre o poder judaico. O poder judaico é o poder de silenciar o debate sobre os crimes israelitas. O poder judaico é o poder de silenciar o debate sobre as lobby judaicas.

Deixa-me ser muito claro contigo: este não é o sionismo. O poder judaico é algo que preocupa a esquerda judaica. Não sei sabes disso, mas quando John Mearsheimer e Stephen Walt publicaram o livro sobre a lobby de israel, o primeiro a rejeita-lo foi Noam Chomsky; foi Democracy Now que discutiu com ele o livro sem convidar Mearsheimer ou Walt. A esquerda judaica, de facto, é o que mantém o discurso kosher. E isso é muito preocupante, é por isso que eu sou contra qualquer forma de política judaica, seja esquerda, direita ou centro.

Sabes exactamente quem são aquelas 13 pessoas?

Não exactamente. Sei que o gajo que estava na frente da campanha tem uma biblioteca de esquerda na cidade, é um rapaz bastante mesquinho. É o editor de David Rosenberg, uma pessoa que eu apresento no meu livro como uma fraude completa. Citei o caso de Rosenberg e da sua esposa, não lembro agora o nome dela, e demonstrei como o seu programa socialista judaico seja insignificante. Mas muito pelo contrário. Surpreendentemente, praticaram um rito religioso de sangue judeu com os seus filhos, a circuncisão judaica, enquanto se definiam judeus seculares e ateus. Então, o que eu faço é apresentar David Rosenberg como uma fraude política completa, e desde então me persegue. Obviamente não poderia levar-me para o tribunal, porque tudo o que digo sobre ele é verdade e é comprovado, é publicado no meu livro The Wandering Who.

De acordo com o Nottingham Post, disseste: “Eu não me importo se as pessoas são contrárias ao que eu escrevo, mas a minha música não tem nada a ver com isso, eu acho que é injusto”. Quando li isso lembrei-me do movimento BDS [Boicote, Desinvestimento e Sanções] e pensei que um artista israelita poderia pensar o mesmo quando for promovido um boicote das suas performances.

Deixa-me ser muito claro sobre isso. Como sabes, ou talvez não, não apoio em nada o BDS cultural. Eu acho que os israelitas e os judeus que se opõem estão certos.

Não é um aspecto do BDS que acho não ser bom. Acho que a troca intelectual deve permanecer aberta; acho que os artistas, independentemente das suas opiniões políticas, devem ser bem-vindos em todos os lugares. Obviamente, a decisão tem de ser minha sobre onde tocar e onde não, mas posso dizer que tenho actuado em muitas partes do mundo, com israelitas que desaprovavam totalmente a minha posição, e que depois de 20 segundos, no sétimo verso do primeiro blues, esquecemos a política e tivemos um grande momento.

Não me importo das posições políticas de cada artista, preocupo-me com a questão da arte, a sua capacidade de produzir beleza. Não aguento John Zorn, mas não por ele ser um supremacista judeu, mas porque mais do que um saxofonista é um gajo com um saxofone na mão.

O método usual da hasbara [termo usado para a propaganda israelita, ndt] e dos trolls é atacar aqueles que criticam israel, acusando de anti-semitismo. Geralmente a resposta a este ataque é responder que se deve distinguir entre israelitas e judeus. Também fazes esta distinção?

Há uma diferença entre ser um israelita e ser um judeu, e é muito interessante, é algo sobre o qual escrevi um livro. A ideia do sionismo em israel era criar uma nova identidade judaica ilustrada. Os sionistas primordiais eram vistos como um grupo de anti-semitas, porque, na verdade, admitiam que havia algo de muito errado com os judeus! Isto é o que diziam, que os judeus não se juntavam à produção, que eram capitalistas, agiotas, banqueiros, especuladores, mas que não era culpa deles e que tudo tinha acontecido porque não tínhamos uma terra. “Uma vez lá, instalados, tudo isso vai mudar.”

O que aconteceu é que se estabeleceram, os médicos tornaram-se agricultores, professores de matemática tornaram-se carpinteiros, mas depois de duas ou três semanas, perceberam que os palestinianos eram menos caros e que foi o fim do sonho sionista. Para responder à tua pergunta. Eu cresci como israelita como o admite Shlomo Sand em artigos recentes, para alguns de nós era natural ser identificados como israelitas por causa da nossa língua, o hebraico, mas não por uma questão de “judaísmo”.

De facto, estabelecer-me na Grã-Bretanha foi o que me fez perceber que a questão da identidade da Diáspora judaica é algo realmente sério, e foi na Inglaterra que decidi que não queria ser judeu. Quando era apenas um israelita, só tinha que dizer que eu não queria ser israelita, não queria viver em terras palestinianas, mas foi quando comecei a viver na Grã-Bretanha, na Europa, que percebi que havia algo problemático com a identidade da Diáspora judaica, e, especialmente, com a identidade judaica de esquerda.

O cancelamento do teui concerto por razões “anti-semitas” ocorre no exacto momento em que… [interrompe].

A propósito, e isso é muito importante. Haaretz escreveu que era por razões de anti-semitismo, mas a cidade não disse que estes eram os motivos. É muito interessante, deves ler as declarações da cidade, talvez tenha sido o que tinham em mente, não sei. Sem dúvida, estavam com medo de fazer declarações públicas nesse sentido. Este é mérito de Haaretz, esta é a distorção judaica da história.

Então, não podemos confiar em Haaretz.

Não, não. Haaretz é uma válvula de desafogo da hasbara israelita, mas deve ser lido com cautela. Há bons jornalistas que trabalham em Haaretz, a linha editorial é, em parte, boa, mas é preciso prestar atenção.

Dizia que o que aconteceu contigo, aconteceu enquanto na Europa há um debate sobre a liberdade de expressão após o massacre de Paris. Há espaço para o optimismo acerca da nossa liberdade?

É uma guerra. A liberdade de expressão não é algo que podes tomar por certo, é algo para a qual tens que lutar. Eu sou um artista de jazz, para mim a liberdade é um modo de vida. Isto é o que faço para viver. Experimento o conceito de liberdade e isso também significa que tenho que enfrentar as consequências.

Eu sou um patriota, não um cosmopolita de esquerda, a Grã-Bretanha é a minha casa. Sou patriota neste lugar. Isso é algo importante para mim e é algo para o qual vou lutar se for atingido o ponto em que não se pode dizer o que se quer dizer. Vivo reconsiderando as minhas posições. Mas, por enquanto, tudo o que vejo é que muitas pessoas estão realmente interessadas no que aconteceu em Nottingham. O cancelamento do show em si é muito grave e acho que mais cedo ou mais tarde irão desculpar-se.

Agora estás em tour com o The Orient House Ensemble, e apresentas o material de novo álbum, The Whistleblower. São espiões [whistle blowers em inglês, ndt] a única esperança que temos de obter informação verdadeira?

Isto é o que acho bastante embaraçoso, que no mundo livre são precisos espiões para descobrir o que realmente acontece. Porque precisamos de espiões? Porque não podem a BBC, a CNN, ou a RT dar informações verdadeiras? Porque manter o silêncio? Então, sim, é uma homenagem às luzes, às pessoas que procuram a verdade. Mas ao ouvir o disco entende-se de que há um significado mais profundo.

Não sei se estás familiarizado com Moana Pozzi. Foi uma linda mulher italiana, era uma estrela porno e amante do Primeiro-Ministro [na verdade, Moana Pozzi foi amante dum político, Bettino Craxi, muito antes deste tornar-se Primeiro Ministro, ndt]. Eu não sabia, era um amigo músico que me mostrou uma foto dela e apaixonei-me instantaneamente. Eu não podia acreditar quão bonita era esta mulher. Senti vontade de gritar, e lembrei-me de que, quando era jovem, era possível assobiar [to whistle em inglês, ndt] às mulheres e mostrar o nosso apreço. Eu nunca fui muito bom a assobiar, mas na Grã-Bretanha é permitido assobiar somente se fores um pedreiro. O que eu estou a tentar fazer nas minhas noites, no final da primeira parte, é restaurar o assobio. Nós temos uma música chamada The Whistle Blower, onde a intenção é criar um assobio colectivo entre homens e mulheres, para mostrar juntos o nosso lado libidinoso.

Acho que o “politicamente correcto” seja extremamente perigoso. É uma tirania da esquerda sobre a qual já escreveu Orwell, descreve as políticas que não permitem uma oposição política. É exactamente a definição de uma ditadura, mas é muito mais perigosa do que uma ditadura, porque, no caso da ditadura é algo externo que limita a tua liberdade e é chamado de Stalin, Hitler, Franco, Tony Blair. O “politicamente correto” é um auto-repressão, é mesmo! E começamos a pensar antes de falar em vez de dizer o que pensamos. Estou cansado disso, vou passar os próximos anos da minha vida em uma guerra sem tréguas contra todas as medidas de “correcção”. Isto é o que eu estou a fazer.


É a música que te salva? É uma maneira de sobreviver no meio de tanta merda?

Definitivamente. É algo que me coloca no lugar certo para descobrir a verdade. E sabes algo? Quando se trata de música não podes mentir, ou bonito ou chato. Num certo sentido, todos os grandes artistas, pintores, músicos, artistas de jazz, dançarinos, dramaturgos… todos somos buscadores da verdade. É por isso que os artistas são tão, tão perigosos para a tirania do correcto.

Entre as várias coisas a reter: “Inicialmente, foi utilizado o termo anti-semitismo para referir-se a
pessoas que não gostam de judeus; agora, anti-semita refere-se àquelas
pessoas dos quais os judeus não gostam”.

Acho ser esta uma das melhores entrevistas publicadas neste blog. Clara,
simples mas não superficial, completa, directa. E cada vez mais sinto
pena daquelas 13 alminhas de Nottingham.

Ipse dixit.

Relacionado: Gilad Aztmon, o hebreu incómodo

Fontes: El Asombrario & C

8 Replies to “”

    1. Não, não passou despercebida. Hoje estava quase a escrever algo acerca disso. Passou despercebida fora da América Latina, isso sim.

      Amanhã vamos tratar disso, prometido. Não vão ficar satisfeitos até ver a Argentina dobrada, isso é claro.

      Abraço (e obrigado)!!!

  1. Sensacional! Um momento sublime do blog. O viés ideológico do poder maior. Lástima é o tamanho da repercussão de algo tão importante.

    1. Olha, Chaplin gostou!

      Estava certo que não. Quando traduzi a frase "Deixa-me ser muito claro contigo: este não é o sionismo. O poder judaico é algo que preocupa a esquerda judaica." pensei logo "Eis que Chaplin vai dar-me na cabeça…"

      Estava enganado: ainda bem porque, tal como escrito, achei esta uma das melhores publicadas em quase 5 anos.

      Abraço!!!

  2. "crítico em relação ao Estado de israel" – é de estranhar não ter sido acusado de anti-semitismo rsrsr.

  3. Olá Max. O conceito de sionismo é propositalmente confuso. Uma espécie de esconderijo para uma elite majoritariamente judaica não secular e voltada para o controle econômico/financeiro do mundo, mas que usa os próprios judeus em benefício próprio. E não discutir sobre isso é fundamental para que os mesmo continuem nas sombras. Abraço.

Obrigado por participar na discussão!

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