Danos Colaterais e Terrorismo de Estado

Vamos fazer um pouco de limpeza.
Nomeadamente, vamos retirar da cena um equivoco, ou melhor, um mito: o mito dos “danos colaterais”.

Já esta expressão consegue apresentar um concentrado de hipocrisia único: os danos colaterais são os civis mortos durante acções de guerra, como se fosse possível bombardear as linhas inimigas sem provocar vítimas inocentes.

Obviamente, quando for o inimigo a cometer um crime destes fala-se em “massacre”; quando somos nós, as forças do Bem, são “danos colaterais”.
E, sendo colaterais, não há nada para fazer: é só alargar os braços, dizer “acontece, é o azar, a guerra é triste” e seguir em frente.

Mas os danos colaterais são realmente um simples azar, fruto do acaso?

Durante as guerras travadas pelos Estados Unidos após a queda do Muro de Berlim, o novo conceito de “danos colaterais” tem sido utilizado para justificar e tornar aceitável perante a opinião pública as vítimas civis: a ideia de base, portanto, é que estes “danos” não sejam desejados pelos militares, que falam de “casualidade”, “erros”, “errada informação” ou “problema de ordem tecnológico”.

Mas um olhar mais atento permite entender que a maioria destes actos de guerra, que destruíram a vida de milhares de civis no Afeganistão, Iraque, Líbia, Síria nos últimos anos, não são frutos de erros ou de casualidade: são actos deliberados, destinados a matar mulheres, crianças e homens indefesos.

E estes actos não são um monopólio dos Estados Unidos: existe uma específica doutrina acerca disso, que é adoptada pela maior parte dos exércitos do mundo. É mais evidente no caso dos Estados Unidos simplesmente porque estes não conseguem ficar quietos algumas semanas sem invadir alguém, mas o conceito é geral.

A doutrina em si é simples e clara: impor o terror, que é a fonte da obediência.

Síria, antes e depois

A doutrina militar contradiz abertamente a propaganda política: atingir a população civil é uma maneira de ganhar a guerra; a tortura é uma das maneiras para destruí-la; abalar a sua consciência é uma forma de ganhar a sua alma (os bombardeios dos Aliados no final da Segunda Guerra Mundial constituem um amplo testemunho disso).

Os soldados ao redor do mundo estão bem conscientes e respondem com muita clareza: as vítimas do terror raramente se vingam; a maioria sofre em silêncio e deseja apenas a paz para enterrar os seus mortos. Não só, mas às vezes as vítimas pedem a protecção dos seus torturadores: desmoralizados por tanto sofrimento, aceitando a mão que o inimigo tende do outro lado da arma.

Durante a Guerra da Argélia, os militares franceses (em particular os coronéis Trinquier e Lacheroy) desenvolveram uma doutrina que se concentra num conflito armado contra a população civil: Os Ingleses tinham efectuado uma abordagem semelhante no Quénia, no início da década dos anos ’50 (onde haviam voluntariamente massacrados inteiras aldeias de não-combatentes), mas ainda não tinham elaborado uma doutrina digna de ser ensinada nas escolas militares.

Líbia

Já não alvos não intencionais duma guerra brutal, os civis se tornam o objectivo militar para
conquistar e destruir em nome de objectivos humanos. Tortura, execuções sumárias, bombadeios de civis não são apenas um crimes de guerra, mas parte integrante duma estratégia militar a serviço da causa política.

O coronéis Trinquier e Lacheroy exportaram esta doutrina em escolas militares norte-americanos que, por suas vezes, implementaram-a nos Países da América Latina, especialmente na América Central.

As legiões “democráticas” e atlantistas que, sob os auspícios da Nato atacaram a ex-Jugoslávia, o Afeganistão e a Líbia também aplicaram esta doutrina na tentativa de impor The American Way of Life, o modo de vida americano e o liberalismo triunfante.

A doutrina militar shock and awe (choque e pavor) aplicada pelos Estados Unidos durante a invasão do Iraque em 2003 é que a reactivação desta doutrina por parte de teóricos interessados na actualização da teoria: Harlan Ullman e James Wade, tomando como exemplo o bombardeio de Hiroshima e Nagasaki pelos Estados Unidos em Agosto de 1945, descrevem em termos inequívocos que o efeito desejado é infligir destruição de massa, humana e material, com o fim de influenciar uma sociedade para que tome a direcção desejada pelos atacantes. Tudo isso em vez de atacar directamente alvos puramente militares.

Todavia, também aqui podemos encontrar uma profunda hipocrisia: escondido atrás do termo de “doutrina militar” fica mais simplesmente aquele que é um terrorismo de Estado, um terrorismo em massa, um terrorismo do Ocidente (no caso das Forças americanas e da Nato) perante o qual os órgãos de comunicação estão facilmente adaptados, porque é o trabalho dos seus donos atlantistas.

Continuam a utilizar o termo “danos colaterais”, sem sequer deixar que o Leitor possa vislumbrar atrás disso uma precisa táctica que, como vimos, não passa de terrorismo.

Homs, Síria

Fica uma pergunta: podem ser considerados simplesmente como “ignorantes” ou “vendidos” ou estamos perante uma voluntária acção de cumplicidade?

Fica uma segunda pergunta: quem é o terrorista? O fanático que corta a garganta do ocidental ou as forças ocidentais que voluntariamente aterrorizam e massacram cidadãos inocentes? Neste caso a resposta é clara: ambos.

Este terrorismo de Estado mascarado com cinismo de doutrina militar tem de facto um dano colateral, e bastante grave até: a morte da Democracia.

Como nota final, alguns aprofundamentos:

  • Marie-Monique Robin, Les escadrons de la mort. L’école française, 2004, La Découverte
  • Maurice Lemoine, De la guerre coloniale au terrorisme d’État, Le Monde Diplomatique, 2004
  • Harlan K. Ullman, James P. Wade, Shock And Awe: Achieving Rapid Dominance, National Defense University, 1996 (versão Pdf em Inglês neste link)

Ipse dixit.

Fonte: artigo baseado em Dommages Collatéraux: la face cachée d’un terrorisme d’État de Guillaume de Rouville em L’idiot du Village

10 Replies to “Danos Colaterais e Terrorismo de Estado”

  1. Democracia e socialismo são utopias humanas, não acredite nem por um segundo…gostei do novo adjetivo para os sionistas, atlantistas…muito bom. Danos colaterais é um eufemismo desses terroristas, portadores da mais alta tecnologia bélica e que se escondem atrás da bandeira estadunidense e da alcunha de defensores da liberdade.

  2. O Noam Chomsky publicou recentemente um texto sobre o terrorismo de estado e que começa assim:
    'É oficial: Os EUA são o principal Estado terrorista do mundo, e está orgulhoso disso'
    O post relata muito bem o conceito, e os pressupostos para os novos termos utilizados para definir estes actos terroristas são tão bárbaros como o acto em sí.

    Krowler

    1. Olá Chaplin, Olá Ferreira, Olá Krowler!

      Obrigado, como sempre.

      Chaplin vê-se rodeado de sionistas em todos os lados (lol), mas realço esta frase que, como diz Ferreira, bem resume tudo:

      "Danos colaterais é um eufemismo desses terroristas, portadores da mais alta tecnologia bélica e que se escondem atrás da bandeira estadunidense e da alcunha de defensores da liberdade"

      É tristemente verdade.

      Quanto ao Chomsky: vi o artigo dele e alguns relacionados; alguém fala em "sondagens" efectuadas acerca disso. Mas não encontrei nenhum dado: ou percebi mal ou ando um pouco distraído. Se encontrar algo, claro que vou publicar.

      Grande abraço!!!

    2. EXP001

      Olá Krowler, boa tarde. Durante esta tarde enquanto fazia as minhas leituras deparei-me com esse artigo em http://resistir.info/eua/chomsky_03nov14.html o qual achei muito interessante,

      Ja agora acrescento viva a Hungria 🙂

      PARLAMENTO HÚNGARO MARIMBA-SE PARA A UE
      O Parlamento húngaro aprovou em 3 de Novembro uma lei que permite a construção do gasoduto South Stream sem a aprovação da União Europeia. A lei foi aprovada por 132 votos a favor e 35 contra. O projecto do South Stream prevê a entrega do gás russo à Europa Central através do Mar Negro e dos Balcãs, sem passar pela Ucrânia.

    3. Olá EXP001,
      Li os 2 artigos e a frase do Chomsky é a nota de entrada do primeiro.
      Relativamente à questão do gás, existe também uma entrevista do Michael Hudson sobre as negociações entre a Rússia, Ucrânia e UE que vale a pena ler.
      Abraço
      Krowler

  3. Será? "There's a secret government, inside the government…and I don't control it." Bill Clinton
    .Kennedy ia expor algo que não era para se saber, morreu com a famosa "bala mágica", antes Eisenhower já falava no complexo militar-industrial ( ver youtube ).
    Clinton não consigo encontrar o video, apagado? Sim vi esse vídeo, seja como for aparece em vários jornais.
    Sim é uma plutocracia. Quem brinca com isto são as grandes corporações/senhores do mundo.
    Fallow the money
    Abraço
    Nuno

  4. Fica uma segunda pergunta: quem é o terrorista? O fanático que corta a garganta do ocidental ou as forças ocidentais que voluntariamente aterrorizam e massacram cidadãos inocentes? Neste caso a resposta é clara: ambos.
    E um da subsidios ao outro, o que faz a coisa mais grotesca ainda.

  5. Olá Max.A questão não é a de simploriamente sentir-me "rodeado" de sionistas, mas entender que o poder e seu exercício de dominação possui um componente histórico e secular, cujo desenrolar culmina com o atual estado de ordem globalizado e sob amplo controle sionista, cujos vassalos espalham-se por todos continentes e nações. Mas para chegar a tal entendimento é preciso ler as entrelinhas da história, desde os sacerdotes hebreus e suas nuances, onde o fator econômico sempre preponderou. Ou seja, o poder que domina sociedades é real e seus autores são grupos de pessoas e tais grupos são majoritariamente sionistas. Espero que deixes de interpretar minhas colocações como mais uma entre tantas caricaturas internéticas.. Quanto a Chomsky, brilhante mas não se permite, seja por ser sionistas ou mesmo por se alimentar do sistema, ir até a origem do poder histórico e ao princípio dos princípios. .Abraço.

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