Ébola: o vírus e o dinheiro

Na passada Segunda-feira, dia 23 de Junho, a organização Médicos Sem Fronteiras (MSF) afirmava que o surto do vírus Ébola na Guiné, Libéria e Serra Leoa estava agora fora de controle, acrescentando que são necessários recursos substanciais, tanto por parte dos governos que das agências de ajuda humanitária para evitar que a doença possa espalhar-se ainda mais.

MSF alertou que os médicos estão a lutar arduamente para conter a segunda vaga da doença entre os pobres da região, designadamente através da monitorização e da informação.

Acrescentou ainda que na luta contra o surto de Ébola na África Ocidental a acção médica imediata não é o suficiente.

É preciso cuidado ao encarar as notícias destas organizações sem fins lucrativos: não pelas acções dos voluntários no campo, mas pelos relacionamentos institucionais que, muitas (demasiadas) vezes são “suspeitos”.

No caso do Ébola, por exemplo, os dados até agora falam de 350 vítimas mortais (dados da Organização Mundial da Sanidade): pouco para falar dum vírus “fora de controle”. Considerando a alta taxa de mortalidade (pode chegar ao 90% dos casos), pode ser lícito falar de 500/600 casos de Ébola em toda a África Ocidental? Se assim for, então mata muito mais a fome.

Em qualquer caso, estamos perante de mais uma caso que bem representa o estado de abandono no qual se encontra boa parte do continente africano. O Dr. Bart Janssens, Director da Operações de MSF, afirma:

Apesar de recursos humanos e equipamentos distribuídos pela MSF nos três países afectados, não somos capazes de enviar unidades operacionais adicionais no novos focos de infecção.

Falta de meio, falta de ajuda, subdesenvolvimento: estas as condições típico de muitos Países africanos que o novo surto do Ébola, se não pode ser ainda definida como uma verdadeira epidemia, ajuda a delinear:

No final de Abril começamos a observar uma diminuição dos casos, mas também um certo relaxamento da intervenção nos três países afectados. Tudo isso permitiu que Ebola reiniciasse. Além disso, tem havido alguns problemas de compreensão com a população atingida, que às vezes não foi totalmente ouvida.

Numa em entrevista à AFP (Agence France-Presse), o Dr. Formenty (de Médicos Sem Fronteiras) disse que a OMS, MSF e outros mobilizaram dezenas de especialistas, mas que os médicos só não são capazes de conter o surto:

As coisas mais importantes são o acompanhamento e a informação. Os Estados estão a melhorar, mas os problemas de comunicação continuam a existir. Os médicos por si só não podem travar esta epidemia. É apenas com a ajuda da população que podemos lutar e acabar com essa doença.

O Dr. Formenty admite que teria sido preciso fazer mais para explicar os perigos de infecção às pessoas, incluídas aquelas que participam nos funerais (situação que pode facilitar a difusão do vírus)  e as que cuidam dos doentes:

A ocorrência de um único caso pode reiniciar toda a epidemia. Numa uma área geográfica em que a qualidade dos serviços de saúde não é o ideal, as pessoas fadigaram para entender porque pedimos para fazer tal esforço. Não temos sido capazes de explicar ao povo as características desta doença, e quais são as ferramentas necessárias para colocá-la sob controle.

Poucos dias depois da declaração de MSF,  a autoridade médica da Organização Mundial de Saúde (OMS) afirmava o seguinte:

A situação não está fora de mão.

E divulgou alguns dados: o actual surto afectou 599 pessoas e matou 338 (taxa de mortalidade de aproximadamente 56 %) na Guiné, Serra Leoa e na Libéria desde o início deste ano.

Mesmo assim, a OMS também adverte os Países vizinhos pois o vírus tem o potencial para espalhar-se rapidamente:

Queremos que os outros países da África Ocidental estejam prontos, países limítrofes como Costa do Marfim, Mali e Guiné-Bissau.

Todavia a OMS não recomenda restrições nas viagens e no comércio: o que choca com o ponto de vista da MSF.

Em resposta ao surto, a OMS convocou uma reunião extraordinária dos Ministros da Saúde de onze Países no Gana para discutir um “plano de resposta global”, num esforço para interromper a propagação do vírus no menor tempo possível.

Até há alguns anos, o pessoal médico usava equipamentos especiais de protecção (como fatos) quando lidava com doentes de Ébola: no entanto, hoje se sabe que o vírus não é altamente contagioso. Pode espalhar-se com rapidez, mas só em caso de contacto directo com o portador da doença; como na África, onde muitas famílias, com parentes, lavam o corpo dos mortos manualmente antes do enterro.

Existem pesquisas acerca da transmissão do Ébola pelo ar, de porco para porco ou de porco para o ser humano (esta é uma nova variação do vírus), mas o vírus em si só é contagioso de humano para humano pelo contacto directo com secreções e sangue. Hoje o pessoal médico usa apenas luvas de látex e filtros respiratórios, suficientes para impedir a transmissão da doença.

Isso significa que umas simples luvas de látex seriam suficientes para abrandar fortemente a propagação do Ébola. Em vez disso, temos que ver uma organização sem fins lucrativos que litiga com a Organização Mundial da Saúde acerca dos números dos mortos e da possibilidade de ter ou não uma epidemia.

A causa? Como sempre: sigam o dinheiro (as doações, neste caso).

Ipse dixit.

Fontes: The Guardian, Examiner

2 Replies to “Ébola: o vírus e o dinheiro”

  1. Olá Max: me parece que o continente africano precisaria mesmo ser esquecido pelo resto do planeta. Se isso acontecesse seria uma benção para os nativos de lá, pois não teriam "cientistas" fazendo experimentos com o povo, corporações sugando as matérias primas do solo e a energia dos corpos escravos, empresas infectando o ambiente com indústrias poluentes e lixo tóxico, tornando solos antes extremamente férteis em zonas mortas e consequentemente produzindo migrações forçadas, políticas estrangeiras de conquista instigando rivalidades e inventando guerras étnicas, missões estrangeiras traficando mulheres, crianças e órgãos humanos, entidades "filantrópicas" desgastando costumes e culturas milenares, organizações de "proteção ao meio ambiente" inventando reservas naturais para desvio de plantas, animais e minerais raros e, para culminar, até empresas de top models usando a miséria local como fundo de cartão postal. Se o mundo esquecesse a África, talvez houvesse um pouco de esperança para aqueles povos. Abraços

    1. Maria, se o mundo esqueçesse a África, havia esperança para os africanos, e para o resto do mundo também.
      Quanto ao Ebola, pensei que era mais contagioso. Ainda bem que não é!

      Abraço
      Krowler

Obrigado por participar na discussão!

This site uses User Verification plugin to reduce spam. See how your comment data is processed.

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.

%d bloggers like this: