O fracasso do infinito

Eis um ponto de vista um pouco diferente:

O fio condutor de tudo isso é a expansão dos combustíveis fósseis. As nossos ideologias são meros sofismas.

Será? Será que, afinal, palavras como “Capitalismo” ou “Comunismo” servem apenas para justificar um crescimento que deve manter-se “eterno”? Ideia interessante.

Imagine o Leitor que hoje seja o dia 2 de Junho de 3030 a.C.: todas as riquezas do povo egípcio podem entrar num espaço dum metro cúbico. É pouco? Claro que é pouco, é só um exemplo.

Vamos também supor que esta riqueza crescia 4,5% ao ano.

Agora, um salto temporal até o 2 de Junho de 30 a.C, exactamente três meses antes da batalha de Azio, que marcou o fim do Antigo Egipto independente: quanto grande deverá ser o espaço para conseguir conter toda a riqueza acumulada? Dez vezes o volume das pirâmides (já que falámos de egípcios…)? Toda a areia do deserto do Sahara ? Grande como o Oceano
Atlântico? Mais? O mesmo volume do planeta ? Ainda mais?

Sim, ainda mais: seriam precisos 2,5 biliões de biliões de sistemas solares. Este é um cálculo feito pelo banqueiro Jeremy Grantham. Em dígitos:
2.232.910.629.992.560.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000 metros cúbicos. 

Depois de 50 anos, uma unidade aumentou nove vezes, depois de 100 anos aumento de 82 vezes, e depois de 200 anos 6.657 vezes (tanto para rir um pouco: é a mesma regra aritmética que gere os interesses compostos, pelo que a Dívida Pública nunca vai ser reduzida).

Algo não bate certo, porque se os cálculos estiverem correctos, a única saída possível é o colapso do sistema. Ou mudamos o sistema ou o sistema irá a mudar-nos, todos nós. Aliás, já começou: já estamos no meio duma espiral que nós, e só nós, criámos.

Esqueçam as mudanças climáticas, o colapso da biodiversidade, o esgotamento de água, do solo, do minerais, do petróleo: esqueçam isso por enquanto. Há um problema ainda maior, que está na base de tudo: mesmo que, milagrosamente, todos estes problemas fossem resolvidos, a matemática, a regra simples do crescimento “infinito”, faz com que seja impossível dar continuidade a este sistema.

O actual crescimento económico é o fruto do uso dos combustíveis fósseis. Antes deles (como o carvão, por exemplo) qualquer aumento na produção industrial coincidia com um declínio na produção agrícola, tal como aconteceu quando o carvão (a força motriz necessária para expandir a indústria) reduziu a quantidade de terra disponível para o cultivo de alimentos. Cada revolução industrial causava o colapso das condições anteriores, porque o mesmo tipo de crescimento não podia ser mantido. Mas o carvão quebrou este ciclo e tornou possível, ao longo de algumas centenas de anos, o fenómeno que hoje definimos  como “crescimento sustentável”.

E isso é interessante: porque é suficiente consultar um calendário para perceber que o Capitalismo e o Comunismo chegaram só depois. São o fruto do carvão (e dos herdeiros do carvão), não a causa.

A “descoberta” do carvão (em grande escala) tornou possível o progresso e as suas patologias: a guerra total, a concentração sem precedentes da riqueza global, a destruição do planeta. Antes o carvão, depois o petróleo e o gás.

Agora, dado que estes recursos já não estão disponíveis nas mesmas quantidades duma vez, temos que saquear os cantos mais escondidos do planeta, tudo para continuar a seguir o a quimera do crescimento “ilimitado”.

“Ilimitado”? Acabem com o petróleo e o crescimento desaparecerá como neve ao sol. O nosso crescimento é limitado, limitadíssimo: depende integralmente do que conseguirmos encontrar debaixo da terra, cada vez mais com mais dificuldades.

Há poucos dias, o governo equatoriano decidiu permitir a perfuração no Parque Nacional Yasuni para
extrair o petróleo. Mas que ideia maravilhosa, os meus sinceros parabéns.

O que há de perceber aqui? Que o Equador é um País pobre, coitadinhos, que precisam disso?
O que é preciso perceber é que o Equador está pobre porque o nosso sistema, baseado no petróleo, quer que o Equador e todos os habitantes dele assim permaneçam. Agora, o mesmo sistema diz “Olhem para aqueles desgraçados, tão fofinhos e tão miseráveis: deixem-nos extrair o petróleo deles, vão ver como que maravilha de vida poderão fazer”.

O
resultado é que Petroamazonas , uma empresa com um registo completo
de desgraças e destruição, pode agora entrar num dos
lugares onde há a maior concentração de biodiversidade do
planeta, onde se diz que um hectare de floresta contém mais espécies das existentes em todo o continente norte-americano.

Entretanto, a companhia de petróleo britânica Soco espera conseguir entrar no Virunga, o mais antigo Parque Nacional Africano, na República Democrática do Congo; um dos últimos redutos dos gorilas das montanha e em perigo de extinção, ocapi, chimpanzés e elefantes da floresta.

Na Grã Bretanha, onde foi apenas identificada um provável reserva de 4,4 biliões de barris de petróleo de óleo de xisto, o governo quer transformar uma verde periferia no sul-este da Inglaterra numa espécie de novo Delta do Níger.

A exploração dessas novas reservas, no entanto, não vai resolver nada_ a fome de recursos continuará, porque se o crescimento for infinito, também a necessidade de recursos só pode ser infinita.

Objecção: os processos estão a tornar-se cada vez mais eficientes e os dispositivos que utilizamos estão cada vez mais miniaturizados e, no geral, são produzidos com menos materiais.

Sim e não. Que dizer: em teoria a ideia funciona, mas na prática nem sempre é assim.
A extracção de ferro aumentou 180% em 10 anos. Pior: o consumo global de papel encontra-se num nível recorde e vai continuar a crescer. Como raio é possível que em plena era digital o gasto de papel aumente?

O problema é que num mundo governado pelo crescimento “infinito”, crescem infinitamente também as exigências. A miniaturização não consegue compensar as novas “necessidades”, verdadeiras ou induzidas que sejam. Como o filósofo Michael Rowan aponta, se o crescimento global previsto no ano de 2014 (3,1%) fosse sustentável, mesmo que milagrosamente se consiga reduzir o consumo de matérias-primas em 90%, no máximo seria possível apenas adiar de 75 anos algo que não podemos evitar.

O que é este algo? O fracasso.

O fracasso é inevitável numa sociedade baseada no crescimento “infinito”e na destruição dos sistemas vivos da Terra: a nossa existência não depende do novo iPhone, mas dos outros seres vivos, os mesmos que destruímos.

E nem gostamos de falar do assunto. Não é um tabu, mas é tratado como tal. Se falarmos sobre estas questões com amigos ou vizinhos, estes ficam aborrecidos. Porque vivemos como se estivéssemos presos entre as páginas duma revista: martelados por celebridades, moda, futebol, receitas, televisão. É o nada absoluto, mas é fácil, custa muito menos de que falar de assuntos sérios, tal como: porque raio estamos a destruir o lugar onde vivemos?

Ipse dixit.

Fontes: The Oil Drum, Persuade Me,  The Guardian: 1, 2, 3Entorno Inteligente, WWF, The Gaia Foundation, Forestindustries

5 Replies to “O fracasso do infinito”

  1. Olá Max:quando quero que uma platéia se desmanche de rir, falo uma verdade que ninguém acredita, mas é uma verdade que me é cara. Quero morrer tranquilamente na minha cama de falência dos órgãos, ou seja, de velhice, e isto implica em daqui muitos anos, ou de prazer, um coito interrompido por morte súbita, o que também deverá acontecer daqui muitos anos.Logo…eis a razão da existência de Terra Âncora. Acredito religiosamente que a humanidade vai se suicidar insanamente, e talvez antes do que se possa especular a respeito. E eu não vou morrer envenenada por agrotóxicos e fármacos, de sede por falta de água, de frio por falta de combustível da mata, de fome por falta de comida, de calor por falta de sombra, de radiação por falta de àlamos, de burrice por falta de consciência minimamente esclarecida, de depressão por falta de motivos para ser gente com razoável qualidade, de tristeza por falta de iniciativas livres e criativas, de guerra porque ninguém me alcançará mais para servir de munição. Abraços

  2. Um caos organizado por alguns – a superclasse!
    Uma nova ordem a seguir ao caos… a superclasse (alta finança internacional – capital global, e suas corporações) ambiciona um neo-feudalismo!…
    Ora, de facto, por exemplo, a Goldman Sachs andou a camuflar a dívida grega sabendo que muitos iriam perder com a recessão/crise… mas, plenamente consciente que uns iriam perder mais do que outros… isto é, ou seja, o verdadeiro objectivo da Goldman Sachs era/foi alterar a correlação de forças: muitas empresas estratégicas saíram do domínio público!
    [uma obs: a superclasse também promove a dissolução/implosão de Identidades]
    .
    P.S.
    Vários estudiosos da crise de 1929 já afirmaram o mesmo: com a recessão/crise muitos perderam… no entanto, uns perderam mais do que outros… e, no final, a correlação de forças foi alterada: os mais-pequenos perderam 'peso' na economia, os maiores passaram a ter mais 'peso' na economia.

  3. Por falar em Equador… "Ecuador Transfers Half Its Gold Reserves To Goldman Sachs In Exchange For "Liquidity""

  4. Para que ainda não viu aqui vai.

    O tema é, a função exponencial aplicada à economia, população ambiente e energia.

    Krowler

  5. E isso tudo do crescimento tem algum problema!??? Eu até já deixei de fazer o meu jogging matinal para diminuir a minha pegada de carbono, e reciclo tudo a pensar na sustentabilidade. Agora vens-me atormentar com isso do crescimento infinito.
    Max deves estar enganado com isso das grandes empresas multinacionais serem um problema, afinal eles pagam as taxas de carbono e investem muito na sustentabilidade, por isso levantas falsos problemas, ex o caso do papel, se produzir-mos mais papel podemos reciclar mais quantidade, e isso é uma coisa boa, certo!
    E qual é o problema de destruir uns metros de ecossistema, a biodiversidade fica assegurada com o trabalho dos parques zoológicos, patrocinados por grandes empresas é claro. Os gorilas devem produzir imensos gazes com efeito estufa, acaba por ser um mal que vem por bem. Olha Max, nessas áreas protegidas depois da exploração de recursos as multinacionais podem sempre plantar a monocultura de palma para produzir o biocombustível que me fará sentir descansado quando deitar a cabeça na almofada.

    Tens que começar a olhar as coisas de forma mais positiva, e se começares a ver mais televisão deixas de te preocupar com coisas menores (crescimento infinito se fosse problema passava na tv) e a ter mais foco no que é importante, tal como reciclar ou reduzir a tua pegada de carbono e utilizar mais energias verdes, por exemplo eu dou sempre 2 voltas de carro ao quarteirão quando chego a casa para gastar um pouco mais de gasóleo, assim contribuo para a sustentabilidade gastando um pouco mais do biodiesel adicionado ao Gasóleo.

    Max desculpa a brincadeira, tu estás certo e abordas o verdadeiro problema.
    Só que estou tão cansado das reacções e respostas que obtenho (risos, indignação e até respostas violentas acompanhadas da pergunta "reciclas o teu lixo?") quando por exemplo digo a alguém que as mudanças climáticas (ou AGA ou lá como lhe chamam agora) são o menor dos problemas e que possivelmente tal coisa nem existe. Costumo dizer sempre que se os bens que compro durassem uma vida eu tinha deixado de trabalhar aos 25 anos e que a esta altura produzia os meus alimentos em agricultura de subsistência e não teria duplas e triplas embalagens para reciclar, e assim não era hoje um escravo do sistema. A esta altura da conversa já os meus interlocutores soltam gargalhadas e me dizem que padeço de insanidade mental, e me dizem que assim não ia ter dinheiro para comprar o novo iphone que está para sair, enfim conversas de surdos mudos.

    Max, já podes parar de rir da minha conversa, ok.
    Falta pouco para o mundial começar e eu aqui a fazer comentários inúteis sem saber se o Ronaldo já recuperou da lesão e pode jogar o primeiro jogo, a coisa com uns probióticos curava-se muito mais rápido. Uma loucura, é o que isto tudo é!

    Abraço Max,
    Keep the good work.
    LM

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