O boomerang dos EUA: PRO 100 e Petrodólares

As posições afastam-se cada vez mais.

Barack Obama deu ordem para que Visa e Mastercard bloqueiem as operações na Rússia: isso faz parte do pacote de sanções, as mesmas que irão causar grave perdas em Europa (que tem em Moscovo um importante partner comercial).

Depois alguém deve ter feito notar ao simpático Obama o efeito-boomerang da decisão: isso fazia que os circuitos Visa e Mastercard perdessem de repente um mercado de 100 milhões de clientes.

As operações retomaram, mas já era tarde: em dois dias, os clientes tinham retirado 111 milhões de Dólares só dum banco, o SMP Bank.

Pior: a medida deu uma forte aceleração ao projecto russo PRO 100.
Depois de anos de retórica sobre a necessidade de ter um sistema nacional de pagamento electrónico na Rússia, Obama fez que isso em breve possa tornar-se uma realidade.

Andrey Nesterov, director de comunicações corporativas da Card Universal:

O sistema de pagamento PRO 100 está tecnologicamente pronto para prestar um serviço nacional no futuro próximo. Estimamos que serão precisos um par de meses, no entanto os grandes bancos russos, que representam mais de 40 por cento do mercado doméstico, já estão conectados ao sistema de pagamento PRO 100.

Lançado como teste em 2010, o projecto de um cartão de crédito universal electrónico deverá ser
utilizado em todos os departamentos do governo, serviços municipais e comerciais, Internet e caixas electrónicas em toda a Rússia.

De facto, os quatro maiores bancos russos encontram-se tecnicamente prontos para usar o sistema de pagamento: Sberbank , Uralsib , BAR AK e Moscow Industrial Bank.

Com isso, a medida de Obama conseguiu afastar Visa e Mastercard dum quarto do planeta e acelerou a implementação duma alternativa viável aos gigantes americanos de crédito electrónico.
Parabéns.

Mas há algo mais grave do que isso.

O fim do Petrodólar

PRO 100

A Rússia ameaça abandonar o Dólar como moeda de transição para as trocas petrolíferas, adoptando ou o Rublo (a moeda da Rússia), ou as moedas locais ou, mais provável ainda, o Yaun, a moeda da China.

Falamos, portanto, de Petrodólares.
Mas o que é um Petrodólar e porque é tão importante?

O termo “Petrodólares” foi cunhado em 1973 por Ibrahim Oweiss, professor de Economia da Universidade de Georgetown, para descrever a situação ocorria na altura nos Países do OPEC (a organização dos Países exportadores de petróleo): estes, devido ao aumento do preço do “ouro negro”, tinham enormes recursos monetários, precisamente porque o petróleo era pago em Dólares.

Estes recursos foram reinvestidos apenas em pequena parte nos Estados Unidos: na maior parte dos casos, o Dólar entrou directamente no sistema económico e financeiro mundial.

Porque, do ponto de vista dos EUA, manter o petróleo pago em Dólares é tão importante?
O pagamento do petróleo (e também de outras matérias-primas) em Dólares garante uma procura constante para esta moeda no exterior, o que serve para manter constante também a taxa de câmbio, mesmo em presença de um saldo comercial negativo do comércio. Dito de outra forma: os Petrdólares financiam o deficit externo dos Estados Unidos.

Simplificando: o valor duma moeda reflecte em boa medida o estado de saúde económico dum País. Mas, no caso dos Estados Unidos, isso não acontece porque a moeda deles (o Dólar) continua a ser procurada para o comércio do petróleo e o seu valor continua artificialmente elevado.

Desde os acordos de Bretton Woods (fim da Segunda Guerra Mundial) o Dólar tem sido a moeda soberana nas transações de petróleo: este pode ser comprado ou vendido apenas em Dólares.

Mas o monopólio começa a abanar.
Em Julho de 2011, o Irão começou a negociar o petróleo com outras moedas; mais tarde, a China assinou um acordo de comércio com o Japão e o Irão para o fornecimento de petróleo e de outros produtos com pagamento em moeda local; e em Setembro de 2012, a China anunciou a abertura de uma bolsa de valores em que o petróleo bruto vai ser negociado com a Rússia em Yuan.

 O boomerang

Se o sistema global (ou boa parte deste) abandonasse o Dólar como meio de pagamento do petróleo, as consequências para os EUA (e não só…) seriam extremamente graves.

O Dólar perderia a condição de moeda superavaliada e o seu valor seria determinado com base nos parâmetros normalmente utilizados no caso das outras moedas.

Considerado o estado de saúde da economia de Washington e o abismal deficit federal, as consequências seriam terríveis, para os Estados Unidos e para todos aqueles Países que estão pesadamente ligados a eles do ponto de vista económico e financeiro.

O Ministro da Economia russo, Alexei Uljukaev, acerca das companhias energéticas nacionais:

Precisam assinar contratos mais corajosos em rublos e moedas dos Países parceiros.

Depois (dia 2 do passado Março) Andrei Kostin, do Banco do Estado:

Falei com a gestão de Gazprom, Rosneft e Rosoboronexport e não estão preocupados de utilizar o rublo para exportação. Só precisam de um mecanismo para fazer isso.

Pois: e eis o PRO 100, por exemplo.
Valentina Matvenko,
presidente da câmara alta do Parlamento russo:

Algumas “cabeças quentes” já se esqueceram de que a crise
económica mundial de 2008, que ainda afecta o mundo, começou com o colapso
de alguns bancos nos Estados Unidos, na Grã-Bretanha e em outros países. É por isso que
acreditamos que todas as acções financeiras hostis são uma faca de dois
gumes, e até mesmo o menor erro voltará como um boomerang.

Pode-se dizer que as sanções norte-americanas abriram a clássica caixa de problemas de Pandora. E que arrisca pagar mais será a igualmente clássica nota verde dos EUA.

E tudo para evitar que o povo duma região, a Crimeia, decidisse qual o próprio futuro.
Valeu a pena?

Ipse dixit.

Fontes: Aurora, Investire Oggi, RT

2 Replies to “O boomerang dos EUA: PRO 100 e Petrodólares”

  1. Meu caro Max. Seguindo a linha da matéria, seria muito interessante explorar o dualismo do poder na Rússia. Sabemos, superficialmente, que a elite russa é subdividida entre judeus sionistas e descendentes dos monarcas (czares), mas os desdobramentos de tal antagonismo tem pouca visibilidade. Um assunto de alta relevância e extremamente desprezado. Obrigado.

  2. Se o povo da Crimeia pode decidir o que entende sobre o seu futuro como uma região autónoma, um estado federado talvez possa pensar o mesmo… assim, por exemplo, o Texas ou o Alabama.
    Há sonhos que nunca morrem e quando as coisas começam a correr mal… renascem.
    Impossível? Talvez. De qualquer forma, até onde é possível ir para tirar certas ideias da cabeça das pessoas?

    Isto lembra-me a história da dívida do Iraque. Só que esta não passou despercebida e muito menos foi abafada. Porquê?

    A Visa e a Mastercard terem concorrência não deixa de ser interessante e até irónico. Afinal, será uma realidade mais rapidamente do que estava previsto graças ao país onde "tudo nasce".

    A Valentina Matvenko fala no efeito boomerang, eu já começo a ter dificuldade em entender tantos tiros no pés… é que quando os pés se acabarem, em que ficamos?

Obrigado por participar na discussão!

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