O referendo da Suíça

Diário Expresso, colunista Daniel Oliveira, notoriamente de Esquerda.
Título da peça:

Democracia directa: o populismo como forma de governo

Surpreendidos? Não é o caso.
Também a Esquerda (ou aquela que se faz chamar assim) vê o povo como um grupo de ovelhas, com uma actividade cerebral bastante reduzida, cujo único fim é ser conduzidas por uma elite de mentes superiores.

Então qual a diferencia entre Esquerda e Direita?

Simples: segundo a Esquerda as ovelhas são boas, segundo a Direita são ovelhas e basta.
O caso do referendo na Suíça é gritante. A maioria dos cidadãos foi votar e votou contra as indicações dos principais partidos, do governo, dos sindicatos. O povo suíço, graças ao sistema da democracia directa, escolheu.

Não deveria ser razão para ataques oriundos de todos os quadrantes políticos: não é contado que “o povo é soberano”? Qual melhor ocasião para elogiar um sistema eleitoral que realmente consente que os cidadãos tomem decisões, sem tem que recorrer a inúteis quantos prejudiciais (e custosos) intermediários?

Mas não: quando é o cidadão a escolher não passa de populismo.

Ainda o simpático Oliveira:

Acredito na democracia representativa temperada pela democracia
participativa. É uma coisa bem diferente da democracia direta ou
referendária. É a garantia de que a democracia representativa deixa
espaço para que os cidadãos organizados possam exercer o controlo ao
trabalho feito pelos seus representantes.

Isso deveria ser gravado numa lamina de ouro e moldurado.

A democracia representativa (“temperada”, óbvio) é garantia para os cidadãos de poder exercer o controlo ao trabalho feito pelos representantes. Dado que a quase totalidade das democracias do planeta são representativas, significa que vivemos numa espécie de paraíso: não existe corrupção, não há más escolhas, não há ingerência do capital privado nas decisões políticas, pela simples razão de que o cidadão controla.
Não sei o Leitor, mas eu sinto-me melhor agora, estou mais feliz.
Mais:
Chegam-me, todos os dias, mensagens e comentários em defesa da
“democracia direta”. Como o que está a dar é falar mal dos partidos
políticos, quem quer aplauso fácil (ou até voto fácil) acompanha a
música. Mas eu não me limito a desconfiar da viabilidade da democracia
direta. Sou contra ela. 
Porque o ato de governar (ou até de fazer
oposição) não corresponde a tomar decisões avulsas sobre vários temas,
em que não há programa, horizonte, modo de olhar o mundo e o país, nada
que cole pedaços de opiniões e excitações momentâneas. A política exige a
coerência que as estruturas mediadoras lhe podem dar. Saber e
informação que não se recolhe nas horas vagas. Exige negociação e
compromisso. E a negociação e o compromisso exige que haja partes para
negociar e para se comprometerem para o futuro. Partes com
representantes.
Mais uma vez: o cidadão não tem capacidade. Se faz escolhas, estas são ditadas por excitações momentâneas. No melhor dos casos, o cidadão consegue “pedaços de opiniões”. E já com algum esforço, acrescento eu.
E na democracia representativa? Nada disso: aí há profissionais. E eles sabem:

A política exige a coerência que as estruturas mediadoras lhe podem dar.
Saber e informação que não se recolhe nas horas vagas. Exige negociação
e compromisso. E a negociação e o compromisso exige que haja partes
para negociar e para se comprometerem para o futuro. Partes com
representantes.

Exacto.

Qual melhor forma de comprovar estas pérolas de sabedoria que o simpático colunista de Esquerda partilha connosco? Simplesmente observando a realidade.
E a realidade fala dum Daniel Oliveira vive e trabalha em Portugal, País onde (sorte nossa!) há democracia representativa e donde partem milhares de emigrantes que procuram trabalho…onde? Olha: na Suíça!
Porque será?

A Suíça é democracia directa, a má e feia democracia directa. Porque milhares de portugueses não ficam aqui a trabalhar e preferem o País helvético? Isso não faz muito sentido: na Suíça há demagogia ao poder, as pessoas conseguem apenas “colagem de opiniões”. Com os cidadãos que põem o nariz nas questões importantes (que entre nós são justamente resolvidas por um restrito círculo de eleitos) nada pode funcionar, deve ser uma espécie de inferno.

Doutro lado, é só ver a história daquele País: nem uma única guerra nos últimos 300 anos, nem uma ditadura, nem uma colónia. Não é um País, é um caos total.

Nós, que estúpidos não somos, ficamos aqui, bem agarrados à nossa democracia representativa, que tantas satisfações traz. E, não satisfeitos, deixamos que os vários Daniel Oliveira expliquem nos diários a razão pela qual somos abençoados.

O referendo 

A propósito, já que estamos em tema, vamos ver o que realmente decidiram os Suíços. Deixamos de lado as acusações de populismo e demagogia, pois os factos são um pouco diferente.

Neste fim de semana o povo suíço foi às urnas e decidiu aprovar a iniciativa da UDC, o Partido Conservador de Christoph Blocher, contra a “imigração em massa”, ou melhor, contra os acordos da União Europeia, aqueles que liberalizaram o mercado de trabalho suíço, abrindo-o para os cidadãos da União Europeia.


Isso significa que amanhã as fronteiras serão fechadas? Ninguém mais poderá entrar na Suíça para procurar emprego? Os emigrantes que aí residem serão varridos? Claro que não.

O povo suíço deu um mandato ao Conselho Federal (isso é, o governo federal) para renegociar os tratados existentes e introduzir leis que imponham quotas com base nos “interesses globais da economia suíça”. Tempo para a actuação: três anos.


A decisão suíça é histórica porque antecipa a sensação de que um número crescente de Países europeus sentem em relação à União Europeia e às organizações supranacionais. Um sentimento que se reflectirá nas próximas eleições europeias. Os suíços, apesar de viver em prosperidade, já não se sentem plenamente soberanos: vêem os costumes e os contratos sociais, que pareciam inabaláveis​​, continuamente corroídos por modalidades opacas. Na Suíça não há crise mas há um forte desconforto, um sentimento de perda, a necessidade de afirmação da identidade.

Não foi um voto “contra “, mas um voto “para ” defender-se e sua própria identidade.


Isso, claro, já desencadeou a ira em Bruxelas, ainda antes da votação ter lugar.
Algumas semanas atrás, o Comissário para o Mercado Interno da UE, Viviane Reding, advertiu que “A Suíça não pode escolher o que gosta”. E agora, a União Europeia não pode certamente permitir que a estratégia toda possa ser comprometida.

A partir de hoje começa o bombardeio da União Europeia para exercer pressão, com ameaças, chantagens, com a cumplicidade da “Esquerda” e da “Direita” e com opinionistas iluminados que explicam como todos temos de viver, suíços incluídos. A oligarquia Europeia fará o possível para transformar esta derrota numa vitória, para provar ser mais forte do que a democracia, capaz de dobrar a vontade mesmo dos povos que se iludem de ser livres e soberanos.

Ipse dixit.

Fonte: Expresso

8 Replies to “O referendo da Suíça”

  1. Ó Max, eu quer quanto à democracia direta, quer quanto à representativa, acho que há pontos bons e pontos maus: Quando um governante age segundo interesses pessoais e de sociedades secretas, claro que é mau. Mas quando o povo governa e o que conta é a maioria, também se pode correr o risco do povo seguir "apetites" comuns sem ponta de coerência.
    Lembra-se daquele post em que você perguntava abertamente "O povo é quem mais ordena?" e no qual mencionava as desvantagens disso?

  2. confundir democracia com gestão não ajuda a ter ideias claras e definidas. claro que nem D:O: nem as seita adjacentes ou opostas gostam de ouvir isso, tão entretidos que andam amostrar que são importantes e inteligentes. Queodigam amaioria dos eleitores das autarquias comos eleitos a confundirem vitoria nas eleiçoes com capacidade de gerir um municipio. Dêm uma vista de olhos as "palhaçadas " que vão ter que pagar dos incompetentes que meteram a frente dos municipios e até se assustam =isto da esquerda/direita tanto faz.

  3. Olá Anónimo!

    Eu escrevi isso? Tenho que apagar já lololol

    E aproveito parta responder à A. Cristovão também.

    Infelizmente, até hoje não foi encontrado nenhum sistema que seja garantia de justiça, transparência e eficiência.

    Pode a democracia directa ser tudo isso? Acho que não.

    Todavia, temos que olhar o que temos. Pegamos no caso de Portugal, por exemplo: o que deram 40 anos de democracia representativa? Um País falido, com elevado desemprego, à beira de perder a pouca soberania que ainda tem. A corrupção existe e é pesada; os cidadãos afasta-se dos partidos. E seria possível continuar.

    A democracia directa não é garantia de sucesso: todavia, onde for aplicada, consegue dar óptimos resultados. Isso é, na Suíça, pois infelizmente é o único País moderno que adopta este sistema.

    Então pergunto: porque não experimentar um sistema sempre democrático mas alternativo?

    Não será a cura para todos os males, de certeza que não. E por uma razão muito simples: também na Escandinávia há democracias representativas, funcionam e muito bem.

    A verdade é que no sul de Europa pagamos também uma mentalidade atrasada, é preciso reconhecer isso. Todavia, temos também que admitir que a democracia representativa favorece a implementação de práticas ilícitas.

    No artigo do Expresso fala-se de "controle" por parte dos cidadãos representados, isso é, por parte da oposição. Mas se também esta for corrupta? Como fica o cidadão?

    Fica sem instrumentos. E é esta a nossa actual situação.

    Experimentamos a democracia representativa, conseguimos estraga-la, vende-la, viola-la.

    Acho ser esta a altura para dar uma oportunidade à democracia directa. Pode ser que conseguimos estragar também aquela. Mas pode ser que não.

    Queremos continuar na dúvida, nas tristes condições nas quais estamos, ou tentamos um passo para frente?

  4. A democracia representativa, se formos rigorosos na sua interpretação, não é mais que o referendo a um determinado 'Programa de Governo'.

    Mas na prática não é bem assim. Dá-se pouca atenção aos programas de governo. Os cidadãos votam normalmente no seu clube ou alternam entre o seu clube e o seu ex-clube.
    Existe também uma franja da sociedade mais oscilante, mas que não tem peso para mudar o resultado final.

    Os partidos políticos gostam deste sistema porque, mesmo propondo um determinado 'Programa de Governo', sabem que podem alterá-lo sem aviso prévio, pois daí não virão consequências de maior.

    Numa democracia directa aquilo que realmente importa teria de ser posto à aprovação dos cidadãos.

    Sabemos que para quem governa é preferível ter carta branca para fazer o quem bem entender do que passar todo o tempo a consultar as ovelhas. Até porque para eles a maioria das ovelhas não pensa.

    Krowler

  5. Desde a fundação dos Estados Nacionais, com o ascensão da ideologia burguesa e de suas Repúblicas, seus maior propósito foi o de represar os interesses da maioria em favorecimento aos interesses de uma pequena minoria. E o ponto de partida é a própria educação teológica/política. Somos doutrinados para sermos servos obedientes aos preceitos de uma ilusória democracia representativa,onde governantes são escolhidos previamente pelo poder econômico privado, com raríssimas exceções. Paralelamente a isso, a mídia oligárquica utiliza-se de uma agenda alienante e de meias verdades, voltada para a distração e os mesmos interesses da classe dominante, e os controladores dos meios de produção desapropriam o indivíduo de seu próprio tempo, não havendo qualquer possibilidade para que o mesmo consiga desenvolver um pensamento independente e verdadeiramente livre.

  6. Também penso que a democracia direta (DD) tende a evitar os desvios que a democracia representativa (DR) permite, principalmente corrupção e agir em prol de grupos poderosos em troca de vantagens pessoais e partidárias.
    Mas vejo duas grandes dificuldades para que a DD funcione: (i) acesso a informações incorrectas, isto é, não manipuladas pela grande mídia e (ii) responsabilidade civil, em que não se fica esperando o governo ou as autoridades (ou um ditador) resolver todos os problemas.
    Exige uma ruptura e será um processo de amadurecimento, que no Brasil, por exemplo, exigirá esforço e muita convicção para que os tropeços não sejam usados para voltar ao status quo anterior…
    AS

  7. Acho que a chave é a palavra: tempo. Maioria das pessoas já não tem esse bem precioso. Com um pouco de tempo e sentido nem diria critico, talvez mais senso comum o que já nem é pedir muito… Este sistema ruia porque como tão bem está exposto nos posts acima o problema é o indivíduo apanhar com tanto "ruído" que cansa. Sem o "ruído" começa a pensar e a questionar algo pouco desejado por quem controla o "jogo".
    Democracia? ! lol viver de aparências é tramado e só nos tramamos a nos próprios.
    N-g

  8. Olá. Eu realmente acho que para a DD funcionar, há uma coisa que tem que acontecer: é o povo ser sério, responsável e bem-informado. Mas isso é coisa que as elites trataram de eliminar…
    A propósito de democracia direta: o movimento 5 estrelas, de Beppe Grillo tinha uma problema de gente que se vendeu ao adversário, não tinha?

Obrigado por participar na discussão!

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