O Inverno Árabe: a Líbia

É silêncio acerca da Líbia.

Não admira: o Egipto também faz notícia só quando houver um número “decente” de mortos, o mesmo se passa no Iraque, a Tunísia desapareceu dos mapas.

Antes publicitados como intervenções humanitárias, como “a democracia que avança”, em seguida esquecidos. Mas nestes Países há pessoas que continuam a lutar.

As batalhas no sul da Líbia, por exemplo, não são simples conflitos tribais. Pelo contrário, representam uma possível aliança entre dois grupos (um deles pró-Khadafi) que têm a intenção de libertar o País do governo neo-colonial implementado pela Nato.

A asa protectora

Sabado, 18 de Janeiro, um grupo de combatentes invadiu uma base aérea perto da cidade de Sabha, no sul da Líbia. Derrotaram as forças que apoiam o governo do primeiro-ministro Ali Zeidan e ocuparam a base. Ao mesmo tempo, espalham-se as notícias que vêem a bandeira verde da “Grande Jamāhīriyya Araba Libica Popolare Socialista” aparecer novamente numa série de cidades. Apesar da falta de informações (o governo de Tripoli fornece apenas detalhes vagos), uma coisa é certa: a guerra na Líbia continua.

Ali Zeidan, o primeiro-ministro, pediu uma sessão de emergência do Congresso Nacional Geral para declarar o estado de alerta no País após o ataque contra a base aérea. O primeiro-ministro anunciou ter ordenado que as tropas sufocassem a rebelião, afirmando perante os jornalistas que “esta batalha continua, mas em poucas horas vamos acaba-la”.

Mais tarde, um porta-voz do Ministério da Defesa anunciou que o governo central tinha a situação sob-controle:A

A situação no sul do País tem proporcionado a possibilidade que os criminosos, […] partidários do regime de Khadafi, têm explorado para atacar a base aérea de Tamahind. A revolução e o povo líbio permanecerá sob a nossa asa protectora.

Mas não é apenas uma questão de base aérea. Houve outros ataques, contra membros do governo em Tripoli.

O incidente mais grave foi o recente assassinato do vice-ministro da indústria, Hassan al- Droui, na área da Sirte. Ainda não está claro se a matá-lo foram as forças islâmicas ou os combatentes da resistência verde.

No entanto, é evidente que o governo central está cercado e deixou de exercer a sua autoridade ou garantir a segurança no País (doutro lado, algo que nunca conseguiu). Muitos observadores assumem que estes episódios, em vez de isolados, são parte duma crescente onda de resistência verde pró-Khadafi.

O avanço das forças da resistência em Sabha (não apenas “verdes”) é apenas um pedaço no complexo panorama da situação política e militar no sul da Líbia, um lugar onde diferentes tribos e grupos étnicos lutam contra aquela que, correctamente, entenderam como uma marginalização política, económica e social.

Grupos como as duas minorias étnicas africanas Tawergha e Tebu sofreram os violentos ataques desencadeados pelas milícias árabes, sem receber qualquer apoio do governo central. Esses e outros grupos têm sido não apenas vítimas de limpeza étnica, mas também foram mantidos fora da participação na vida política e económica da Líbia.

O estado de tensão atingiu o pico no início deste mês, quando foi morto um líder rebelde pertencente à tribo árabe Awled Sleiman. Ao invés de iniciar uma investigação oficial ou processo judicial, os membros da tribo Awled atacaram os vizinhos Tebu, acusando-os de terem cometido o assassinato. Os confrontos provocaram a morte de dezenas de pessoas.

A tensão levou a uma reorganização das alianças na região: os Tebu, os Tuareg e outras minorias étnicas que habitam o sul da Líbia, o Chade e norte do Níger, aproximaram-se das forças pró-Khadafi. Ainda não sabemos se estas alianças forem formais ou não mas é claro que muitos grupos da Líbia já perceberam que o governo criado pela Nato não cumpriu as promessas feitas e que é necessário agir.

Até a última gota

Apesar da retórica dos intervencionistas ocidentais (“democracia”, “liberdade”, etc.) na Líbia a realidade está longe disso, especialmente para alguns grupos de líbios (por exemplo, os de pele escura) que viram diminuir o seu estatuto político e sócio-económico desde o final da Jamahiriyya e do governo de Khadafi. Enquanto estes povos desfrutaram uma igualdade política substancial e foram legalmente protegidos durante o anterior governo, na Líbia pós-Khadafi ficaram completamente privados dos seus direitos.

Em vez de serem integrados num novo Estado democrático, estes líbios foram sistematicamente excluídos.

Até Human Rights Watch, uma das organização que mais têm contribuído para justificar a guerra da Nato (afirmando falsamente que as forças de Khadafi utilizavam o estupro como uma arma e que estavam a preparar um “iminente genocídio”, agora declara:

Um crime contra a humanidade de deslocamento forçado em massa tem lugar, enquanto as milícias, especialmente em Misurata, impediram que 40.000 pessoas da tribo de Tawergha pudessem voltar para as suas casas, donde foram expulsas em 2011.

Este episódio, combinado com as histórias (e as imagens) de linchamentos, estupros e outros crimes contra a humanidade, fornece um retrato da desconcertante vida na Líbia.
Obviamente, tudo com o silêncio dos media mainstream do resto do mundo.

No seu relatório de 2011, Amnistia Internacional documentou vários crimes de guerra perpetrados pelos chamados “combatentes da liberdade” na Líbia, que, apesar de ser aclamados como “libertadores” pelos órgãos de informação ocidentais, aproveitaram a oportunidade para levar a cabo execuções de massa contra vários grupos tribais.

Um contraste marcante com o tratamento recebido sob o governo de Khadafi, particularmente elogiado pelo Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas (relatório de 2011). O Conselho na altura afirmava que Khadafi tinha feito todo o possível para garantir o sustentamento económico e social, bem como para fornecer oportunidades económicas e protecção política, aos grupos das minorias étnicas e aos trabalhadores migrantes dos Países africanos vizinhos.

Não admira, portanto, que em Setembro de 2011Al-Jazeera citasse um combatente Tuareg pró-Khadafi:

Lutar para Khadafi é como quando um filho luta para o pai…Estamos prontos a lutar até a última gota de sangue.

O facto das minorias étnicas terem que lutar para defender os seus direitos mais uma vez ilustra as considerações expressas por muitos observadores internacionais desde o início da guerra: a intervenção da Nato nunca foi para proteger os civis ou os direitos humanos deles, mas destinava-se apenas a uma mudança de regime ditada por interesses económicos e geopolíticos.

Que a maioria da população, incluindo as minorias étnicas, hoje estejam pior do que quando estavam sob Khadafi, é um facto cuidadosamente escondido. Apesar das tropas estrangeiras ter saído, apesar da Primavera Árabe ter acabado, a Líbia é ainda um País em guerra. Tal como o Egipto, tal como o Iraque, tal como a Síria…

Ipse dixit.

Fontes: Al Jazeera, BBC News, Global Research, The Wall Street Journal, Human Rights Watch, Open Democracy, Stop Imperialism

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