A demanda agregada e os mecanismos perversos

Interessante observar uma intervenção do ex-secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Larry Summer, na última reunião do Fundo Monetário Internacional (o FMI).

Summer anuncia uma tendência do Capitalismo para a estagnação, hipótese prontamente partilhada pelo prémio Nobel Paul Krugman e pelo macro-economista de Oxford Simon Wren-Lewis.

Em resumo, Summers argumenta que o Capitalismo pode evitar uma estagnação secular só quando for capaz de reproduzir bolhas imobiliárias ou de investimento (ligadas à Bolsa) semelhantes às que aconteceram no passado recente e que, paradoxalmente, resultaram numa crise económica-financeira que ainda não acabou.

Summers explica que isso é devido ao declínio demográfico (do mundo ocidental) e cita a este respeito um influente divulgador do economista Keynes, Alvin Hansen. Esta passagem é particularmente interessante: não é por acaso que, numa altura em que as teorias monetárias de Keynes ganham terreno, o establishment tenta uma leitura da actual situação citando o pai da Modern Money Theory.

Na verdade, esta leitura, tal como as explicações de Summer & companhia, está errada. Se o crescimento populacional estivesse na base do bem estar económico, a África deveria ser riquíssima. Mas assim não é. Será que existem outros mecanismos, até mais importantes?

O problema do actual Capitalismo (se assim desejamos chama-lo) é a demanda agregada, isso é: a procura total de bens e serviços numa dada economia, num determinado momento. É o total de bens e serviços que será adquirido a todos os níveis de preços possíveis. É esta é a demanda que constrói o produto interno bruto (o PIB) de um País.

Isso está desligado do volume da população.
Vamos fazer um exemplo muito simples e tecnicamente errado, mas que ajuda a perceber a ideia.

  • Nos Estados Unidos são vendidas 10 vivendas ao preço de 1 milhão de Dólares cada uma. Total: 10 milhões de Dólares de negócios.
  • No Mali são vendidas 100 cabanas ao preço de 1.000 Dólares cada uma. Total: 100.000 Dólares de negócio.

Qual dos dois negócios vale mais? Claramente, o negócio dos EUA: não importa apenas “quanto” é comprado, o que conta neste aspecto é também o valor do negócio, pois é isso que cria riqueza. É por isso (também) que a economia dos Países africanos é pobre, apesar do grande número de pessoas: os valores envolvidos são baixos e baixo permanece o PIB, o Produto Interno Bruto gerado.

Tudo isso parece teoria, quando na verdade é a nossa realidade. É por isso que os nossos frigoríficos funcionam 10 anos quando antes duravam uma vida: o sistema precisa de manter a demanda agregada elevada, nós, os consumidores, temos que adquirir. Mas isso pode não ser suficiente.

O que acontece quando as compras dos consumidores não são suficientes para sustentar a demanda agregada? Quando todos têm uma casa, um carro, um frigorífico que, temporariamente, funciona?

Acontece um fenómeno que nós últimos tempos aprendemos a conhecer: a bolha.
A bolha consiste na criação de riqueza, mas uma “criação” que não tem as bases para existir.

A crise dos subprimes, o factor que provocou a eclosão da actual crise, é um óptimo exemplo de bolha.

Os bancos começaram a vender casa a pessoas que não tinham possibilidade de comprar: os mútuos eram concedidos e transformados em “activos”, algo que depois era utilizado na Bolsa como formas de investimentos.

Mas, como sabemos, as bolhas têm a tendência natural para rebentar. E a bolha dos subprimes rebentou, com as consequências que conhecemos.

Não há nada de “teórico” em tudo isso: é, pelo contrário, algo muito prático.  
As afirmações de Larry Summers, portanto, são assustadoras porque descrevem a realidade: na sua actual fase, o Capitalismo pode evitar uma
estagnação só com a criação de bolhas.

Na verdade, estamos num período nem sequer pode ser definido como de “Capitalismo clássico”.
Por aqui não andam meios de produção detidos por empreendedores. Andam, pelo contrário, riquezas que não são investidas na produção mas na Bolsa, o que permite gerar mais riqueza de forma mais rápida e mais “segura” (aspas necessárias).

A desigualdade na distribuição da riqueza piora a deficiência da demanda agregada: cada vez menos pessoas possuem cada vez mais riqueza e esta não é devolvida ao trabalho (produção, comercio, etc.) mas investida na Finança. Este é um esquema que não gera nenhuma demanda agregada, só enriquece poucos indivíduos.

Paradoxalmente (mas nem tanto), esta situação tem como resultado o facto das classes médias e baixas serem convidadas a gastar cada vez mais: a demanda deve ser mantida elevada, e se a classe mais alta não gastar, então terão que gastar as outras.

Os mútuos subprimes tinham como alvo os cidadãos com rendimentos médio-baixos e baixos (ou até inexistentes). Isso não foi um acaso: dado que, como vimos, a demanda agregada deve ser mantida alta, as classes médias e baixas recebem facilitações (cartões, créditos, mútuos, empréstimos…) para diminuir as poupanças e gastar mais; o resultado é que o endividamento privado aumenta, pois na maior parte dos casos não há o dinheiro suficiente para adquirir a totalidade dum bem (uma casa, um carro…) e o recurso ao crédito torna-se normalidade.

Portanto, este pseudo-Capitalismo acaba por ser mantido em vida com bolhas especulativas e endividamento das famílias ou de nações inteiras; bolhas e dívida que culminam numa inevitável crise financeira.

Entrámos numa fase que de Capitalismo tem pouco ou nada: é este um sistema que conta com mecanismos perversos para suportar a demanda agregada. É, basicamente, um sistema baseado na desigualdade, o que deprime a demanda agregada, gerando miséria perante o bem-estar de poucos.

Soluções? Claro que há, e muitas. Mas, como muitas vezes acontece, não é a falta de soluções o problema, é a falta de vontade.

Ipse dixit.

2 Replies to “A demanda agregada e os mecanismos perversos”

  1. "Alá" o clemente, o misericordioso, condena a usura e o pagamento de juros. Uma grande reforma será necessária para que a economia seja boa aos olhos do SENHOR.

Obrigado por participar na discussão!

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