O modelo Chipre: quando o Estado rouba

Os cidadãos têm dinheiro nos bancos: contas, depósitos, investimentos, fundos.
E que tal utilizar este dinheiro parta resolver parte dos problemas financeiros?
Se calhar não todo o dinheiro: mas um pouquinho sim, porque não?

A grande ideia nasceu em Chipre e tomou o nome de bail-in.

Funcionou? Funcionou: alguns foram para as ruas, tímidos protestos. Mas nada de sério: o bail-in passou. Então, se passou em Chipre, porque não deveria passar em outros Países também?

Polónia, por exemplo: mas também Islândia, Nova Zelândia, Canada e outros lugares. A moda cipriota pegou.

Polónia

De acordo com a Reuters, os fundos de previdência privada foram “aligeirados”, de modo a reduzir o tamanho da Dívida Pública. Pois, a Dívida, sempre ela: o que não se faz em nome dela?

Muitos dos activos detidos por fundos de pensão privados serão transferidos para o Estado, para reduzir a dívida pública, mas colocando em dúvida o futuro dos fundos com biliões de Euros, muitos deles de propriedade estrangeira .

O governo polaco faz o melhor para que tudo pareça uma espécie de manobra legal, complicada mas rigorosamente legal. O termo é na verdade extremamente simples: roubo. Pois entram na posse das riquezas dos outros, sem dar qualquer tipo de compensação.

A organização dos fundos de pensão polaca afirma que as mudanças são inconstitucionais porque o governo está a retirar patrimónios sem oferecer qualquer indemnização.[…] O que resta dos pagamentos dos cidadãos aos fundos privados será gradualmente transferido para o sistema estatal ao longo dos próximos 10 anos, antes que os poupadores atinjam a idade da reforma.

Muito simples. E, como sabemos, as coisas simples funcionam.

Islândia

Durante anos, a Islândia tem sido aplaudida pela forma como lidou com a última crise financeira. Mas, agora, propõe-se que a “garantia” que actualmente se aplica a todas as contas bancárias seja reduzida para 100.000 Euros. Isto irá abrir a porta a “cortes” aplicados em contas bancárias superiores a esse valor?

Após a crise de Outubro de 2008, o governo islandês declarou que todos os depósitos em instituições financeiras nacionais estavam garantidos e cobertos por uma lei de emergência que já foi alterada duas vezes. No entanto, de acordo com a RUV [a televisão de Estado, ndt], o ministro das Finanças propõe limitar essa garantia aos depósitos de menos de 100.000 Euros.

Enquanto alguns podem ver nisso um sinal positivo, outros lembram do esquema da União Europeia para clarear as principais contas bancárias. Este é um momento particularmente difícil, dada a actual estagnação das negociações entre os credores dos bancos islandeses e o governo sobre os cortes e os controles dos capitais.

Europa

Os ministros das Finanças europeus acordaram um plano que tornaria o bail -in  o procedimento padrão para o resgate de bancos Too Big To Fail (grandes demais para falir).
Afirma a CNN:

Os ministros das Finanças da União Europeia aprovaram um plano para lidar com futuros resgates bancários, obrigando os obrigacionistas e os accionistas a sofrer o golpe do resgate antes dos contribuintes.
A nova estrutura garante que os obrigacionistas, accionistas e grandes investidores, com contas superiores aos 100.000 Euros, serão os primeiros a sofrer perdas se os bancos falirem. Os depositantes com menos de 100.000 Euros estarão protegidos.

Isto significa que quem tiver uma conta bancária europeia com mais de 100.000 Euro, pode perder cada Euro desprotegidos se os bancos entrar em falência.

Nova Zelândia

O Governo da Nova Zelândia tem discutido a implementação de um bail -in para lidar com futuras falência de bancos. O neozelandês Voxy:

O Partido Verde disse hoje que o governo federal está a pressionar para uma solução ao estilo de Chipre em caso de falência de bancos na Nova Zelândia, coisa que vai ver os pequenos investidores perderem parte das suas poupanças para financiar os grandes resgates bancários .

A Open Bank Resolution (OBR) é a opção preferida pelo ministro das Finanças Bill English para lidar com uma grande falência bancária. Se um banco falir no regime OBR, todos os depositantes vão encontrar as poupanças reduzidas no prazo duma noite para financiar o bail-out do banco.

“Bill English propõe uma solução cipriota para gerir a falência de um banco aqui na Nova Zelândia, uma solução que vai ver os pequenos investidores perderem parte das suas economias para financiar os grandes salvamentos bancários” disse o líder do Partido Verde Russel Norman .

“O Banco Central encontra-se na fase final da implementação de um sistema de gestão de falências bancárias chamado Open Bank Resolution. Este esquema vai colocar todos os depositantes dos bancos em risco no caso de um resgate. Os depositantes vão ver as suas poupanças reduzidas do montante necessários para manter o banco à tona”.

Canadá

Até mesmo o Canadá está a mexer-se para a aprovação do bail-in bancário. Este seria parte do novo orçamento do governo canadense:

O resgates “cipriota” está realmente incluído na nova proposta de orçamento do governo canadense.[…] É certo que está mesmo aí, nas páginas 144 e 145 do “Plano de Acção Económica 2013”, que o governo Harper já apresentou na Câmara dos Comuns. Este novo orçamento propõe “a implementação de um regime de bail-in para os bancos sistemicamente importantes” no Canadá. O “Plano de Acção Económica 2013” foi apresentado em 21 de Março , o que significa que este sistema de bail-in foi provavelmente concebido muito antes da eclosão da crise em Chipre.

Então, o que tudo isso significa para nós?

Isso significa que os governos do mundo estão a observar o nosso dinheiro como parte da solução de eventuais futuras falências de grandes bancos.

Dito de outra forma: não há mais nenhum lugar realmente “seguro” para colocar o nosso dinheiro. E nem é preciso ser milionário para correr riscos: é suficiente ter mais de 100.000 Euros, o que na Europa, por exemplo, podem significar as poupanças duma vida, com as quais adquirir uma casa (pequena).

Claro, esta técnica acarreta riscos: em primeiro lugar, uma total perda de confiança dos depositantes nos bancos. Mas por enquanto funciona, cúmplice também a falta de alternativas para quem deseje guardar dinheiro em segurança (como vimos, não são atingidos apenas bancos, mas também fundos de pensões privados).

Taxas e impostos aumentados; cortes nos salários e nas reformas; perdas das poupanças bancárias: fica claro quem é que te de pagar os problemas dos bancos?

Ipse dixit.

Relacionados:
O sacrifício de Chipre
…e Chipre já era.
Bail in: o Grande Roubo, mas legal (e sempre para o nosso bem)
Fontes: Reuter, Zero Hedge, CNN, Voxy, The Economic Collapse

6 Replies to “O modelo Chipre: quando o Estado rouba”

  1. o poder que os cidadaos têm dado ao poder politico -com a treta que é democratico – deixa-nos bem vulneraveis. Um assunto que já foi abordado é a excessiva dependencia do ouro depositado nos EUA e da divida americana. Esperemos que os nossos ir/responsaveis não estejam feitos com as mafias sede bancos/EUA e invertam isto a tempo (já curto)

  2. Olá Max: e como não existe opção porque até as cooperativas financeiras acabam sendo mal gestionadas e as perdas são naturalmente cobradas dos cooperativados, penso que só resta uma única coisa a fazer (exceptuando se matar, que sempre é uma alternativa): defender com unhas e dentes uma política estatal que não seja cúmplice do poder dos bancos. Abraços

  3. Quando a roubalheira atingiu o Chipre cheirou-me que esta vigarisse se iria propagar.
    Resta saber nesta altura, se mesmo o valor de garantia dos 100.000 euros, é seguro. Não me parece.
    Ainda existe muita gente que dorme descansada julgando que as suas poupanças estão em mãos seguras. Cada um acredita naquilo que quiser. É um direito seu.

    Krowler

  4. Por enquanto ainda vai estando fácil contornar essa eventual situação, basta dividir valores acima desses 100.000 euros (Europa) por vários bancos. O mal pior é se os bancos começam por baixar o tecto desse valor, para valores ainda mais inferiores ou na pior das hipóteses, não existir garantia alguma na responsabilidade de reembolso por parte dos bancos em qualquer valor mínimo, em caso de bail in.

    Miguel

  5. Max,

    Sempre concordei contigo, que o Chipre funcionou como "teste", como passou, é lógico que as mentes brilhantes que arquitectaram o esquema, o iriam propagar a outros países, até chegar a todos…e na minha opinião, daqui a uns tempos, não vai existir nenhum valor mínimo de garantia em caso de bail in.

    A bolha dos derivados deve estar mesmo a rebentar…

    Zarco

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