A desvaloriazão das moedas: previsões

É possível “ler” a queda do valor da moeda para antecipa as revoltas?

Até faz um certo sentido: a perda de valor duma moeda significa produtos importados mais caros, o que pode bem traduzir-se em menos consumos. Uma queda nos consumos pode implicar o início dum círculo vicioso, com graves consequências nos casos mais extremos.

Exemplo clássico: desvalorização da moeda nacional, artigos importados mais caros, queda nos consumos, Estado que ganha menos com os impostos, serviços públicos mais caros (ou até cortados), possível subida dos impostos, ordenados com menos valor…e o ciclo recomeça.

Em particular, os Países em maior risco são aqueles onde já estão presentes razões de descontentamento (por razões étnicas, religiosas, económicas…): tudo isso pode traduzir-se em tensões sociais.
É possível, portanto, prever o nascer de tensões, ou até de verdadeiras revoltas, tendo como base a tendência da moeda local face às outras moedas?
Na verdade não é uma operação “científica”, é algo que fica entre a economia e Nostradamus. Mesmo assim, vamos tentar.

As tensões no Mundo

Antes de mais, vamos fazer um breve resumo da situação.

Egipto
A transição para o pós-golpe de Estado continua a ser muito difícil, os confrontos e as mortes estão na ordem do dia entre os apoiantes e os adversários do ex-presidente Morsi. A situação permanece fluída, os militares no governo continuam a manter preso Morsi, apesar da União Europeia e dos EUA terem pedido a sua libertação. A situação está em constante mutação é as mortes (oficiais) desde o início do golpe quase atingem o total de 100.

Tunísia
O assassinato de um líder da oposição resultou numa forte reacção popular contra o governo islâmico e actualmente há greves e manifestações em curso.

Iraque
Ainda massacres nos confrontos entre sunitas e xiitas. As vítimas, no mês passado, foram cerca de 700. O país é susceptível de afundar numa verdadeira guerra civil.

Paquistão
Continuam os ataques de grupos terroristas ligados à Al-Qaeda contra os xiitas. A tensão permanece muito elevada.

Filipinas
Fortes protestos contra os baixos salários, o desemprego e a corrupção.

Índia
Motins e confrontos continuam na Caxemira indiana, com dezenas de vítimas.

Bulgária
Continuam os protestos populares contra o governo e contra a situação económica. Os manifestantes bloquearam por algum tempo a saída dos deputados do Parlamento.

França
Revolta urbana na zona de Trappes.

Itália
Confrontos cada vez mais violentos entre o movimento NO-TAV (contra a construção da linha ferroviária de alta velocidade) e as forças de segurança, com vários feridos.

Turquia
Os protestos continuam, todavia perderam de intensidade.

Brasil
Apesar de a visita do Papa, os protestos populares não param.

A abaixo o mapa da instabilidade em todo o mundo:

Até aqui a situação actual.
Agora vamos ver quais as “previsões” (com muitas aspas!).

As previsões

A moeda egípcia (a Lira) tem antecipado o golpe no Egipto. E, curiosamente (ou nem por isso..) o mesmo aconteceu em outras partes do mundo. Pode ser esta uma chave de leitura na óptica de prever próximas tensões? Vamos observar os casos mais delicados.

Nota: os gráficos servem apenas para dar uma ideia das tendências (linha verde), apresentam o valor da moeda local em relação ao Euro (linha azul) desde Dezembro de 2004 até hoje.

Turquia

A moeda turca continua o seu colapso inexorável. Já é conhecida na Turquia uma forte instabilidade
devida aos confrontos entre o movimento de protesto popular e o governo islâmico: se a moeda continuar a cair e a economia a piorar, há sérios riscos de uma revolta maciça.


África do Sul

A Rand Sul Africano, após a continua queda últimos meses, tem momentaneamente abrandado o o colapso. Se
depois desta paragem a queda tivesse que recomeçar, o País
sul-africano (já abalado por greves, motins e uma alta taxa de criminalidade) poderia
precipitar uma nova fase de instabilidade, que pode ser acentuada pelas
sempre presentes divisões étnicas e a morte de Nelson Mandela.

Índia

Trágica a situação da rupia indiana que,
apesar das recentes medidas (a subida das taxas de juros até 10.25%) não parece conseguir evitar o colapso. A moeda do segundo País mais
populoso do mundo continua em níveis perigosamente baixos. Se a
isto acrescentarmos que a economia começa a desacelerar e um Ocidente que consome cada vez menos, nos próximos meses a Índia poderá juntar-se à lista
dos Países emergentes em revolta.

Rússia

Depois dos dados económicos
decepcionantes, o Rublo continua a perder valor. Agora estamos perto duma taxa de câmbio arriscada: 43-43,5 Euro/Rublo. Se este limite fosse ultrapassado, a situação poderia tornar-se complicada: a
fraqueza económica pode ser explorada ainda mais pelo movimento de oposição do
blogueiro Navalny, que arrisca a prisão e que poderia causar uma séria vaga de
manifestações e protestos.

Indonésia

A Indonésia, tal como a Índia e o
Brasil, tentou o caminho da subida das taxas de juros para conter a queda
da sua moeda, mas sem efeito. Se a queda da Rupia indonésia ultrapassasse os limites dos últimos tempos, pode haver
uma explosão das tensões sociais já existentes.

Irão

O Rial iraniano na prática não tem valor. Se o novo governo não for capaz de chegar a um acordo para
reduzir as sanções económicas, a explosão social é uma certeza.

Brasil

E fechamos com o Brasil: a queda do Real afastou-se do valor 3.4 (já alcançado em 2009), mas agora a tendência é duma nova subida. Isso pode trazer uma fase mais intensa de agitação social.

Há outros Países em situações delicadas.com moedas locais em fortes quedas: Argentina, Bielorrussa, Etiópia, Gana, Gâmbia, Honduras, Jamaica, Quirguistão, Sri Lanka, Birmânia, Mongólia, Mauritânia, Namíbia, Nicarágua, Nepal, Peru, Filipinas, Paraguay, Tailândia, Tunísia, Uruguay, Uzbequistão, Venezuela, Zâmbia.

Merece um discurso especial a China, onde a moeda é actualmente estável: uma perda de valor poderia significar o início dum sério processo de involução, pois não podemos esquecer que a economia chinesa lida com vários problemas ainda não resolvidos (queda das exportações, bolha imobiliárias, etc.).

Discurso especial também no caso do Japão: Tokio imprime moeda (o que pode parecer positivo no âmbito da Modern Money Theory, por exemplo), mas de forma particularmente maciça e acompanhando tudo com uma forte desvalorização. É uma maneira de contornar as quedas dos consumos ocidentais, mas é uma estrada muito arriscada.

Como afirmado, estas não são autênticas previsões: não têm em conta muitos outros factores, além do económico, que jogam um papel importante na génese das tensões que podem tornar-se verdadeiras revoltas. Todavia, o papel do dinheiro nunca pode ser subestimado.

Um cidadão que não gosta de como for conduzida a questão religiosa pelo governo é um cidadão zangado. Um cidadão que não gosta de como for conduzida a questão religiosa pelo governo e sem um tostão no bolso é um cidadão muito mais zangado.

Ipse dixit.

Fontes: Rischio Calcolato, Hescaton
Gráficos originais: FxTop

4 Replies to “A desvaloriazão das moedas: previsões”

  1. Caro Max, vc deveria dizer do Brasil o mesmo que disse sobre a Turquia: "os protestos continuam, mas cairam de intensidade". Na verdade, na verdade, esses "protestos" após a saída do papa se resumem, até agora, a ações de grupos específicos que querem a bagunça, a baderna, a desordem, o caos, podemos ver até em São Paulo um carro pichado por um desses "manifestantes" com o símbolo ANARQUISTA. Não sei se isso é filosofia dos anarquistas mas o certo é que esse bando é pequeno e não vai conseguir NADA. Não vão afetar a ordem no País. O próprio povo já está cheio, cansado dessas "manifestações" , desses "manifestantes", ou seja, esses arruaceiros, vandalos que só querem destruir o que encontram pela frente. Os verdadeiros manifestantes já praticamente todos deixaram as ruas. A situação está NORMAL, todos os brasileiros estão vivendo normalmente suas vidas.

  2. Olá António!

    Longe de mim a ideia de contradizer, mas a ocupação da Câmara de Rio de Janeiro não me parece tão "normal".

    Quanto aos manifestantes: neste lado do Atlântico é possível julgar apenas pelas imagens transmitidas pelos media, exercício que não vale a pena fazer.
    Acabei de ver os manifestantes que invadiram a dita Câmara: parecem numerosos, de facto (contrariamente aos que tentaram dirigir-se até a casa do governador), mas acerca da origem ou das motivações políticas deles, pouco ou nada é transmitido.

    Grande abraço!

  3. Prezado Max, pelo que li são apenas 15 (podes ver no site da Rádio CBN) os que invadiram a Câmara mas já foram colocados pra fora. E 15 não é nenhuma multidão, nada assustador, e aposto que são desses grupos agressivos, como os "black blocs". Mas, de qualquer forma, são protestos contra o governador do Rio, que tem mesmo "aprontado". Também li sobre uns 100 "black blocs", anarquistas, arruaceiros, vândalos, pelas ruas, cuja rotina é destruir patrimônio público ou alheio. E também há claramente grupos de "manifestantes" a serviço de grupos políticos ou até mesmo a serviço de interesses externos… Essa gente é que faz essas arruaças, esses vandalismos que vemos na TV ou nos jornais. O povo é CONTRA isso e já está "cheio" dessa gente. Enfim, esses atos mais recentes tratam-se apenas de manifestações especificamente no Rio de Janeiro, contra o governador, e em boa parte vindas de gente com algum interesse político nisso… O que não quer dizer que não haverá outras manifestações, em outros estados, pois, desde que ordeiras, sem violência, até faz parte do "jogo democrático". Mas podes ver que os jornais daqui não noticiaram neste momento nada maior do que esses atos contra o governador do Rio. Como eu disse, o País está em ordem, calmo, todos vivem normalmente suas vidas, e qualquer manifestação nova que possa acontecer é normal, desde que não vinda dessses grupos que querem justamente a anarquia, a bagunça, quebradeiras, o caos… Esses "black blocs", por exemplo, não vão mesmo parar, pois é a política deles, vão continuar a inventar motivos para atacar aqui ou ali, depredando, quebrando, destruindo. E vamos continuar a ver a polícia em confronto com esses arruaceiros, vamos continuar, aqui ou ali, a ver esse confronto, porque se é muito "bonzinho", por aqui, com esses arruaceiros, esses vândalos. Quando começarem a colocar essa gente na cadeia, na prisão, aí devem parar com seu vandalismo… Mas não é o povo que faz esses atos de violência, não! O povo é contra! São esses grupos organizados. E esses são muito poucos para afetarem a ordem no País, para desestabilizarem o Brasil…

    Um abraço!

  4. Prezado Max, hoje, 3 de agosto, leio nos jornais, como o G1 ( http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2013/08/ato-contra-alckmin-e-cabral-termina-em-confronto-e-prisao-na-assembleia.html ) sobre uma "manifestação" ontem em São Paulo contra o governador do Estado e contra o governador do Rio de Janeiro, onde havia no máximo 400 pessoas, conforme noticiado. Um grupo tão pequeno não representa o POVO. E visível que se trata de um grupo organizado, com interesses políticos. E mais uma vez tentaram partir para a violencia, reprimida pela polícia. Esses grupos organizados vão continuar com seus "protestos", suas "manifestações", mas dá para ver claramente, até pelo número de pessoas, que não é o POVO que está ali, mas sim gente com um interesse específico por trás dessas "manifestações". Quando vermos grandes multidões a fazer protestos, manifestações, aí, sim, é o POVO. Mas agora, essas poucas pessoas não passam de grupos organizados com interesses ocultos – ou nem tão ocultos assim.

    Um abraço!

Obrigado por participar na discussão!

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