Monsanto e OGM: o ponto da situação

Reza Wikipédia:

OGM é a sigla de Organismos Geneticamente Modificados, organismos manipulados geneticamente, de modo a favorecer características desejadas, como a cor, tamanho etc. OGMs possuem alteração em trecho(s) do genoma realizadas através da tecnologia do DNA recombinante ou engenharia genética.

Mas a pergunta fica: fazem mal?
No debate entra também a revista francesa Le Nouvel Observateur, e com argumentos de peso (em parte já tratados no passado).

A hecatombe dos ratos

Todos os ratos de laboratório alimentados com milho geneticamente modificado (também na versão não tratada com o temível Roundup da Monsanto) ficaram gravemente doentes dentro de 13 meses a partir do início do processo: tumores mamários predominantemente nos sujeitos femininos, patologias no fígado e/ou nos rins nos masculinos.

Os roedores alimentados com milho transgénico desenvolveram as doenças com uma incidência de até 5 vezes maior daqueles alimentados com milho não modificado. E uma percentagem que varia entre 50 e 80% dos ratos-OGM morreram no prazo de 2 anos.
Simples azar? Não parece.

A palavra utilizada no Le Nouvel Observateur é “hecatombe”.

De acordo com a pesquisa da equipe francesa que trabalha no projecto Gilles, liderado pelo prof. Eric Seralini (professor de biologia molecular da Universidade de Caen) e publicada nos Estados Unidos pela revista científica Food and Chemical Toxicology, o milho transgénico é muito prejudicial mesmo em quantidades particularmente reduzidas.

A milho modificado NK 603 com o qual o experimento foi conduzido em 200 ratos não tinha nada de especial: tinha sido obtido duma escola agrícola canadiana. O prof. Seralini começou a pesquisa em 2006 e a equipa teve que trabalhar ao longo de anos em condições de sigilo absoluto: nada de e-mails ou
telefonemas para evitar intervenções das empresas produtoras de OGMs. Como explicam os membros da equipa, não apenas existem sérias dificuldades na obtenção de financiamentos, mas os pesquisadores são susceptíveis de serem marginalizados, boicotados pelas lobbies ligadas ao lucrativo mercado dos produtos geneticamente modificados.

Os resultados, é claro, não encontraram nenhum eco nos órgãos de comunicação.
Alguém se lembra de ter ouvido falar desta pesquisa?
Pois.

Nem a intervenção de Corinne Lepage serviu: pesquisadora, docente universitária, ex ministro do Ambiente na França entre 1995 e 1997, deputada no Parlamento Europeu, tomou conhecimento da pesquisa da equipa do Prof. Seralini e decidiu escrever um livro chamado La verité sur les OGM c’est notre affaire, que destaca como políticos, pesquisadores, media e empresas escolheram o silêncio acerca do assunto.

Alguém se lembra de ter ouvido falar deste livro?
Pois.

Entretanto, e esta é a mais recente notícia, a Agência Europeia para a Segurança dos Alimentos (AESA) rejeitou definitivamente os resultados do estudo do Prof. Séralini.
Pode ler-se no comunicado:

Os resultados do estudo não são suportados por dados […] As grandes lacunas no projecto e na metodologia [do estudo, ndt] implicam que os padrões científicos aceitáveis ​​não foram cumpridos e, portanto, uma revisão das avaliações anteriores sobre a segurança do milho geneticamente modificado NK603 não se justifica.

A agência diz ser esta a conclusão de avaliações independentes e separadas dos seus peritos de seis dos Estados-Membros da União Europeia. Os especialistas da Agência identificaram uma série de lacunas, entre as quais: objectivos pouco claros, o pequeno número de ratos utilizados em cada grupo de tratamento, a falta de detalhes sobre a formulação e o processamento dos alimentos, a falta de informações importantes sobre os métodos estatísticos e a elaboração dum relatório incompleto sobre os factores resultantes.

A Monsanto abandona a Europa

E a Monsanto? Abandona a Europa.
Afirma o chefe das relações públicas da empresa:

É contraproducente lutar contra os moinhos de vento. Não vamos fazer mais lobby para as cultivações na Europa.

E a empresa não tem em andamento projectos para fazer aprovar sementes geneticamente modificadas
por parte de Estados do Velho Continente.

É este o resultado da “Marcha Contra a Monsanto” que ocorreu em 400 cidades em 52 Países, onde os manifestantes protestaram contra os governos, demasiado complacentes, perante o assunto Monsanto-OGM. O protesto pedia explicitamente uma rotulagem que alertasse acerca da presença nos produtos de ingredientes geneticamente modificados, tal como acontece nos casos dos açúcares e das gorduras. Uma opção de escolha por parte dos consumidores.

Uma medida que a Monsanto sempre contrastou com campanhas nas quais argumentava que a rotulagem seria “muito cara” (!!!), que prejudicaria os produtores pobres, que o rótulo seria inútil já que os alimentos geneticamente modificados não representam um risco para o consumo humano.

E há mais más notícias pela empresa de Creve Coeur, no Missouri (EUA): recentemente a Hungria ordenou a destruição de pelo menos 500 hectares de milho geneticamente modificado, pois o País proíbe a utilização de OGM e já em 2011 tinha queimado centenas de hectares contaminados com sementes manipuladas.

Um assunto muito delicado este: a Monsanto tinha prometido que uma contaminação nunca poderia acontecer, mas os factos contam uma história diferente. No Oregon (EUA) foi descoberto que o trigo geneticamente modificado crescia numa quinta onde não era cultivado: houve portanto contaminação, confirmada sucessivamente pela USDA (o Departamento de Agricultura dos EUA).

A reacção tem sido desastrosa para os agricultores americanos. O ministério competente no Japão suspendeu as importações de trigo da variedade western white, com efeito imediato, e fez pressão junto ao USDA para obter os detalhes da investigação. Suspensão das importações também na Coreia do Sul, e até a autoridade europeia para a defesa dos consumidores anunciou que qualquer carga de trigo positiva aos OGM’s não pode ser vendida na Europa. Outros Países fizeram o mesmo, tal como a China e as Filipinas.

Um prejuízo económico muito pesado para os agricultores americanos, que vêem rejeitados os seus produtos, numa réplica do que aconteceu em 2006, quando a safra de arroz de grão longo americano resultou contaminada pelos OGM’s. Na altura a responsável tinha sido uma empresa concorrente da Monsanto, a BayerCropScience, mas a reacção foi a mesma: a Europa e o Japão decretaram um embargo sobre o arroz dos EUA, o que custou ao sector agrícola 750 milhões de Dólares.

Portugal: sempre muito à frente

As coisas mudaram desde então: Bayer, BASF e Syngenta, empresas europeias, já desistiram da promoção das sementes transgênicas na Alemanha e nos outros Estados-Membros: os agricultores, como afirma o porta-voz da Monsanto, “têm pouco interesse” em relação aos supostos benefícios das sementes geneticamente manipuladas. Os ocnsumidores recusam os produtos OGM’s. e afirma a ministra alemã da Agricultura, Ilse Aigner (a mesma que conseguiu banir as sementes MON810 em 2009):

Para a agricultura europeia, as promessas paradisíacas da engenharia genética não se tornaram realidade.

A Monsanto, portanto, retira-se da Europa com apenas três excepções: Espanha, Roménia…e Portugal (óbvio…). Aqui as leis são mais brandas e os consumidores são menos sensíveis à questão OGM.

A opinião dum convertido: Thierry Vrain

Para acabar, vale a pena lembrar quanto referido por Thierry Vrain, pesquisador do Departamento Canadiano de Agricultura; desde sempre promotor convencido da segurança da engenharia das sementea, agora mudou de idéia depois de uma análise cuidadosa da literatura científica:

Tudo o que tenho são os estudos da Europa e da Rússia, que mostram como os ratos alimentados com alimentos geneticamente modificados morrem prematuramente.

E continua:

A engenharia genética tem 40 anos de idade. E é baseada numa teoria de 70 anos de idade, aquela de “um gene = uma proteína”, ou seja, que cada gene codifica (e produz) uma única proteína. É uma hipótese que o Projecto Genoma Humano tem provado estar errada desde 2002. Sabemos agora que um único gene é capaz de produzir mais do que uma proteína, e que a inserção de um gene novo numa planta acaba por criar proteínas que não conhecemos, inesperadas. É evidente que algumas destas proteínas são alergénicas ou tóxicas.

Estudos europeus e russos mostram que as proteínas produzidas pelas plantas OGM’s são diferentes do que deveriam ser. Inserir um gene estranho, como é feito com a tecnologia actual, dá origem a proteínas danificadas. A literatura científica está repleta de estudos que mostram como o milho e a soja geneticamente modificados contêm proteínas indesejáveis ​​e tóxicas.

E conclui:

Rejeito a alegação das empresas de biotecnologia segundo as quais as suas sementes modificadas produzem mais, exigem menos pulverização com pesticidas, não têm impacto sobre o meio ambiente e são sem risco para a saúde.

Bastante claro.

Ipse dixit.

Fontes: Le Nouvel Observatour (Pesquisa do Prof. Seralini, Intervenção Corinne Lepage),
Cience Direct: Long term toxicity of a Roundup herbicide and a Roundup-tolerant genetically modified maize, Libération, European Food Safety Authority: Final review of the Séralini et al. (2012 a) publication on a 2-year rodent feeding study with glyphosate formulations and GM maize NK603 as published online on 19 September 2012 in Food and Chemical Toxicology (ficheiro Pdf, inglês)

5 Replies to “Monsanto e OGM: o ponto da situação”

  1. Então, vai sobrar semente para o plantio na South America. Quanta felicidade! Com certeza, como bem disse Daniel Estulin numa entrevista televisiva, o B do Brics é de Britain, já que o Brasil foi todo vendido à City, o foco total destas ignomínias estará no Brasil e seus circunvizinhos. Tudo com o beneplácito dos nossos gerentes da politicagem vassala encastelados no poder, e não me refiro à apenas PT não.

    Mudando um pouco de assunto e não querendo parecer intrometido, noto que entre as postagens tá faltando um assunto de extrema importância. Offshore Leaks talvez devesse ser tema de postagem. Estes paraísos fiscais são a constatação de que o sistema é podre, indiferentemente se beneficia à regime A ou B. É a verdadeira locupletação em cima da desgraça humana, consentida entre si pela plutocracia. Posso estar enganado, mas me parece que lentamente, muito lentamente, está havendo um ligeiro despertar. As atitudes contra estas corporações de OGMs, a lenta tomada de consciência das ações de Obama contra as liberdades individuais pelo povo americano, as críticas sobre suas atitudes em relação ao uso de drones para aniquilar terroristas e colateralmente sua vizinhança e agora o Offshore Leaks. Algo parece estar ocorrendo e me parece positivo. Nada de tão empolgante, mas uma maior tomada de consciência por parte da humanidade. Parece que novos macacos estão se juntando ao bando.

    Minha referência ao Offshore Leaks e o pedido que fiz, se deve ao fato, de que nada, absolutamente nada, foi publicado ou comentado em parte alguma sobre o assunto no Brasil. Bem compreensível aliás. Penso que aqui é um bom espaço para divulgação de tema tão contundente que as pessoas devem ter conhecimento. Gilson Sampaio já deu sua contribuição colocando o assunto sobre a mesa.

    Muito agradecido.

  2. Atenção: pelo que parece, não era da Europa que se retiravam, mas da UE…há países europeus que não pertencem à UE onde ainda existem…
    Mas mesmo que a Monsanto se retire, não quer dizer que deixem de existir transgénicos, infelizmente…

  3. É meio difícil pedir às pessoas que leiam, ainda mais que entendam, mas o simples estudo da teoria da trofobiose (dos meus tempos de universidade) já foi o suficiente para me manter afastado dos agrotóxicos, hipocritamente chamados insumos químicos.

    E se pudermos fazer uma noção mental do que seja uma célula vegetal NATURAL, recuaremos horrorizadoss ao entender o que se passa com os tais cultivos transgênicos. Isso por não lembrar do sul do México, aonde está quase extinto o milho nativo por causa dos efeitos de contaminação genética.

  4. Olá Max: esta me parece uma das piores guerras de extermínio travadas atualmente neste planetinha.Alguns países europeus estão dando mostras de que ainda é possível se falar em civilização.O Brasil perdeu…e perdeu feio! Enredado na dependência dos lucros do agro negócio, do qual a balança de pagamentos depende nas escolhas da atual governança,o solo brasileiro, que maior tonelagem ano de agrotóxicos recebe no mundo, tanto quanto maior uso de sementes modificadas, está morto nas vastas áreas do agro negócio. As forças resistentes são os bancos de sementes nativas que as cooperativas de agricultura orgânica familiar protegem a duras penas, e que deveria servir de exemplo para os agricultores de países onde a Monsanto ganhou a guerra. Abraços

  5. Ontem estive na Feira da Agricultura de Santarém.
    Entre algumas aberrações que se podem encontrar numa feira de agricultura, como um stand da McDonald's entre satnds de bancos e do Pingo Doce, havia um unico modelo reduzido de plantio em todo o recinto da feira: Era de milho transgénico marca Pioneer da DuPont.
    Quem for dar uma volta pela Golegã vai ver campos e mais campos de diversas variantes deste milho da Pioneer. Cada um com uma placa identificativa com a referência comercial tipo 30K64 ou outro qualquer.
    Aqui em Portugal, ainda há muito trabalho pela frente, para correr com esta gente daqui para fora.

    abraço
    Krowler

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