O limite da riqueza (de alguns)

Uma medida histórica na Suíça.
Informa o diário Público:

Os eleitores suíços aprovaram neste domingo, em referendo, a adopção de medidas legislativas para controlar os salários dos conselhos de administração.

Segundo os resultados avançados pelas agências internacionais AFP e Reuters, o “sim” ganhou com 67,9% dos votos. Isto significa que o Governo, que se declarou contra a iniciativa, deverá agora redigir um projecto de lei que respeite as disposições do texto referendado e depois levá-lo ao Parlamento para ser aprovado.

É correcto? Não sei.
É correcto no sentido que assim a maioria dos Suíços decidiu: é o País deles, são eles que decidem. Ámen.
Mas em princípio, faz sentido limitar o salário duma pessoa? E porquê?
Pormenor interessante: não falamos aqui de empresas estatais, mas privadas.
Casos recentes terão tido influência na decisão dos eleitores. O último é o do presidente cessante do conselho de administração da farmacêutica Novartis, Daniel Vasella, para o qual está prevista uma indemnização de “saída” de 72 milhões de francos suíços (cerca de 60 milhões de euros). Também os problemas financeiros do banco USB, que perdeu milhares de milhões de euros entre 2008 e 2011, tanto com activos tóxicos como com negócios fraudulentos, enfureceram os suíços. O banco acabou por ser salvo com dinheiro público.

Sim, eu sei: bancos, farmacêuticas…há tudo para dizer “Sim, é justo que haja um limite”. Mas as coisas não são tão simples.

Com o referendum, os Suíços decidiram que os salários duma empresa privada podem ser limitados pela legislação nacional. Se pode ser visto como correcto no caso de empresas-abutres (quando não criminosas) como instituições de crédito e produtores de venenos, as coisas mudam no caso de empresas onde as pessoas limitam-se a trabalhar de forma honesta.

Se eu for um empresário de sucesso, que trabalha duramente e seriamente, porque o meu salário (privado) deveria ser limitado? Tentamos ver as coisas dum outro ponto de vista: se o meu salário estiver limitado, atingido o limite simplesmente deixo de trabalhar até o ano sucessivo (esta é uma simplificação, como evidente). Por qual razão deveria trabalhar mais? Mesmo que a minha empresa ganhe mais, eu vou ficar na mesma.
Mas que acontece se a empresa ficar na mesma? Acontece que a empresa não precisa de mais trabalhadores e não vou assumir mais. Acontece que o Estado ganha menos com os meus impostos. Acontece que exporto menos também e a balança comercial sofre.

Repito: tudo isso dito de forma muito banal. Mas a ideia não é nada banal: é justo que um Estado imponha limites à riqueza que eu, privado cidadão, posso conseguir mesmo com meios honestos? E se sim, porquê?

No caso do referendum suíço há o discurso ligado aos administradores das empresas, aos concelhos de administração:

A
Iniciativa Minder [Minder é o promotor do referedum, ndt] reforça os direitos dos accionistas de impedirem
salários e prémios muito elevados. Determina, segundo a AFP, a duração
do mandato dos membros de conselhos de administração a um ano e proíbe
certas formas de remuneração, como indemnizações “milionárias” ou
prémios por aquisição de empresas. As novas regras aplicam-se às
empresas cotadas em bolsa e quem as violar incorre em pena de prisão de,
pelo menos, três anos e a uma “pena pecuniária”, que poderá chegar às
seis remunerações anuais.

Sem dúvida: neste aspecto é uma medida positiva, como não concordar? Mas o que conta é que desta forma é introduzido um princípio novo, aplicável não apenas no âmbito dos administradores.

Por acaso, o mesmo princípio que será introduzido mais logo em toda a União Europeia. Sempre tendo como motivação “o mau comportamento dos bancos”:

No conjunto dos 27 países da União Europeia, foram aprovados na última quarta-feira
novas regras que também irão ter como consequência um maior controlo
nos bónus bancários. A partir de 2014 e ao longo dos seis anos que se
seguem, os bancos europeus terão de obedecer a um conjunto de regras
únicas para os 27 Estados-membros, conhecidas como o pacote Basileia
III. Incluído neste pacote está o limite dos bónus ao valor de um salário, normal aplicável ao sistema financeiro.

Alguém terá a coragem de opor-se perante uma norma que persegue os bancos malandros? Não, claro que não. É justo que assim seja, nisso todos concordamos. E o limite para os salários privados é introduzido com a bênção popular.

Nenhuma suspeita?

Ipse dixit.

Fonte: Público

2 Replies to “O limite da riqueza (de alguns)”

  1. Realmente… é algo meio ridículo, ao invés de resolver a doença, ameniza-se um dos sintomas. Sendo que esse sintoma, em outros contextos, não está ligado à doenças.

    Ridículo! E o problema de abutres, cartéis e aí por diante são, para variar, abafados…

  2. Olá Max: embora considere, como Ricardo, que isso não é tudo, ou seja, que as fortunas fundamentais não passam pela questão salário e bônus abusivos, que fundamental seria atingir as grandes fortunas, os grandes conglomerados empresariais e bancários e seus desvios de verba e exploração do trabalho humano, as grandes heranças, os incomensuráveis latifúndios, tenho de reconhecer que é uma medida exemplar.
    Houve um dia que um "caudilho" latino americano (não uma medida popular, oriunda da coletividade e submetida a pleito) implantou isso num paizinho chamado… pasmem, Paraguai! E corria os anos de 1800…e era América Latina. A oligarquia paraguaia fora esmagada, o paizinho fachara-se sobre si mesmo, e prosperava, e nenhum menino paraguaio era analfabeto! Agrada-me a ideia, talvez muito simples, que para alguns terem demasiado, uma maioria vive na miséria. E isso não é justo.
    Se a medida legislativa na Suíça atinge a liberdade individual? Claro que atinge, desde que se considere que a liberdade de um termina quando começa a liberdade do outro. Mas,caso se considere que a liberdade de um começa na liberdade do outro, aí é outra história. Questão de filosofia, de mentalidade, de caráter…? Eu diria, questão de inteligência apenas, porque do meu ponto de vista, há que organizar as condições para que a miséria não limite a potência de liberdade dos próximos, justamente para garantir a minha liberdade. E uma das possibilidades concretas é uma distribuição mais equitativa de dinheiro entre as pessoas. Abraços

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