Banco de Inglaterra: a história – Parte III

Última parte do artigo acerca da história do Banco da Inglaterra.

Após a aventura republicana e o regresso da monarquia, surgiu a ideia dum banco central inglês.

O Banco da Inglaterra

Em 1639, William Patterson publicou um panfleto cujo título era A Brief Account of the intended Bank of England. Era um mercante com pouco faro para os negócios, que em passado até tinha prestado serviço como pirata nas Bahamas: portanto bem conhecia o assunto. Segundo Patterson, “este banco teria o benefício dos juros sobre o dinheiro que ele pode criar a partir do nada”.

Em 21 de Junho de 1694 as listas de subscrição foram abertas para juntar o dinheiro necessário (um capital de 1,2 milhões de Libras), na seguinte Segunda-feira o valor já tinha sido alcançado. O propósito ostensivo do banco era emprestar dinheiro ilimitado ao rei William com juros de 8% ao ano, isso para permitir a continuação da guerra contra Luís XIV de França. O banco, então, teria recebido da Coroa 100.000 Libras por ano sob forma de interesses, mais uns adicionais 4.000 Libras como custos de administração.

Os estatutos do banco tinham sido aperfeiçoados por Serjeant Levinz, um judeu que trabalhava como advogado em Amsterdam.

Todavia houve forte oposição à criação do banco. A maioria dos ourives e dos agiotas eram contrários, pois temiam que o banco teria entrado na posse do negócio dos empréstimos; os proprietários de casas e a pequena nobreza era assustada pelos juros que teria vindo a acompanhar a circulação de dinheiro no País. E não eram ideias erradas.

Por isso a discussão no Parlamento aconteceu numa altura particular.

Na época, a Câmara dos Comuns tinha 512 membros, dos quais 243 Tories, 241 Whigs e 28 membros dos quais não é conhecida a orientação. Cerca de dois terços dos membros eram senhores de terras, 20% dos quais analfabetos. A lei foi debatida em 27 de Julho de 1694, em pleno Verão, quando a maioria dos membros era ocupado nos assuntos ligados à prática agrícola: apenas 42 membros estavam presentes, todos Whigs (os Tories eram contra a lei) e o título da Lei proposta nem fazia menção do Banco, escondido numa linguagem ininteligível para os não iniciados.

A lei iniciava da seguinte forma:

William e Mary, pela graça de Deus rei e rainha da Inglaterra, Escócia, França e Irlanda, defensores da fé, [etc.]. Para todos aqueles presentes são estas saudações…

E no terceiro paragrafo podia-se ler:

Considerando que por um certo Acto feito no Parlamento para garantir a Suas Majestades diversas taxas e deveres sobre a tonelagem de navios e de embarcações, e sobre cerveja e outras bebidas, para garantir certas recompensas e vantagens na referida lei mencionada, dado que algumas pessoas avançaram voluntariamente a soma de 1.500 milhares de Libras para levar adiante a guerra é entre outras coisas promulgada…

Na prática, a essência dos primeiros dois terços da Lei enumera a necessidade de impor um novo e complicado conjunto de taxas e impostos sobre navios, cerveja e licores: a verdadeira razão para estas taxas era a necessidade de pagar os juros sobre os futuros empréstimos à Coroa.

Pouco tempo depois foram introduzidos mais impostos, incluindo impostos sobre a propriedade, sobre o papel de parede, sobre as heranças, sobre as pessoas com mais de 15 anos, sobre o sal, imposto de selo, imposto sobre as janelas, taxa sobre o funil.

Outros impostos foram introduzidos sobre os vendedores ambulantes, sobre as carruagens, sobre os nascimentos, casamentos e funerais, e o imposto sobre os solteiros.

O banco central começava a funcionar na máxima força.

As guerras

A partir desse momento, surgiu um fenómeno esquisito: guerras contra os Países cujos sistemas bancários não previam juros. Como no caso das colónias americanas e da França de Napoleão. Mas não podemos esquecer a derrota da Rússia Imperial durante a Primeira Guerra Mundial, a derrota da Alemanha, da Itália e do Japão na Segunda, e mais recentemente a Líbia em 2011.

Caso estranho, estes eram todos Países que tinham um sistema bancário do Estado. Isso não significa que todas as guerras tenham tido como causa os bancos do Estado, mas é também curioso que os Estados donos dum próprio sistema bancário ficassem sempre do lado do inimigo.

Voltemos ao Banco de Inglaterra.
Dentro de dois anos após a sua fundação, o Banco da Inglaterra tinham em circulação um valor em notas de 1.750.000 Libras, com uma reserva de ouro de apenas 2% (36.000 Libras). Em 1720, após a conclusão da Guerra de Sucessão Espanhola (1701-1714), a dívida nacional já tinha alcançado os 30 milhões de Libras. Tudo em menos de 20 anos.

Após a Guerra da Independência Americana (1776-1883), que foi travada após os colonialistas terem forçado os colonos a substituir a moeda deles, sem juros, a dívida pública saltou para 176 milhões de Libras.

Em 1786 o Primeiro Ministro Wiliam Pitt (o Jovem) tentou abolir a dívida nacional com a criação dum fundo de reserva que efectivamente gerava um interesse de 1 milhão de Libras (por ano), isso para pagar a dívida. Mas o esquema foi logo abandonado, pois foi preciso financiar a guerra contra Napoleão. O qual odiava os banqueiros e tinha-se nomeado governador do Banco Central da França.

Em 1815, com a guerra concluída, a dívida nacional atingiu 885 milhões de Libras. Apenas custo da guerra? Não: da guerra e dos interesses compostos que, ano após ano, determinam o aumento imparável da dívida. Não acaso, o capital do Banco de Inglaterra aumentou de cinco vezes no mesmo período. Como disse o parlamentar, William Cobbett (1763-1835):

Sentei para ler a Lei do Parlamento com a qual o Banco da Inglaterra foi criado. Os investidores sabiam o que faziam…terras…casas…propriedades…trabalho. O esquema tem produzido o que o mundo nunca viu antes: a fome no meio da abundância.

Houve tentativas para travar o processo.
Em 1800, um deputado, Sir William Pulteney, propôs a formação de um banco nacional após ter vigorosamente atacado o Banco da Inglaterra. Em 1924, um outro membro do Parlamento, David Ricardo, apresentou um plano detalhado para tornar o Banco da Inglaterra num Banco Nacional.
Ambas as tentativas falharam.

No início da primeira Guerra Mundial, em 1914, a dívida nacional tinha ligeiramente melhorado: 650 milhões de libras. Mas 5 anos mais tarde, em 31 de Março de 1919, já tinha aumentado até 743 biliões de Libras, dos quais 3.000 milhões ainda estão “suspensos” após 94 anos.
Após a Segunda Guerra Mundial, a dívida nacional subiu quase de 200%, passando para 20 biliões de Libras em 1945.

Actualmente é de cerca 1.2 triliões de Libras.

Ipse dixit.

Relacionados:
Banco de Inglaterra: a história – Parte I
Banco de Inglaterra: a história – Parte II

Fontes: O artigo é baseado no trabalho de Stephen Goodson, economista, hoje director da South African Reserve Bank. O texto original (em língua inglesa) pode ser encontrado no The Barnes Review, vol XVIII n.5 set/out 2012

4 Replies to “Banco de Inglaterra: a história – Parte III”

  1. Excelente esta perspectiva histórica Max.
    Lembrei-me do post com uma lista de países/bancos e datas em que entraram em bancarrota. A memória diz-me que a Inglaterra tinha uma "participação" considerável na lista. Tentei rever o post, mas não consegui encontrá-lo.
    Bem sei que isto não é um programa de discos pedidos, mas fica já um voto para mais posts como estes 3.
    Abraço
    Rita M.

  2. Max, ja leu algo parecido ??

    A Grande Golpada

    Os Rothschild começaram por encetar um relacionamento com o Príncipe Guilherme de Áustria, o nobre mais rico da europa. Mas quando napoleão o forçou ao exílio, ele enviou 550.000 libras, uma soma exorbitante nesse tempo, para Nathan Rothschild em Londres com instruções para que comprasse títulos do tesouro ingleses, mas Nathan usou o dinheiro em seu próprio proveito.

    Com Napoleão à solta pela Europa, as oportunidades de negócios em tempo de guerra eram enormes. Guilherme voltou pouco antes da batalha de Waterloo, em 1815. Convocou Rothschild e exigiu o seu dinheiro de volta. Os Rothschild devolveram o dinheiro, acrescido dos juros que teriam rendido se empregues em títulos do tesouro. Mas ficaram com o lucro que tinham tirado do uso do dinheiro de Guilherme. Um lucro exorbitante.

    Por exemplo: em Inglaterra, Nathan Rothschild vê a oportunidade de montar um golpe que lhe permitiria apoderar-se do mercado de capitais ou mesmo do Bank of England, em vésperas de batalha de Waterloo.

    Rothschild enviou um espião para Waterloo. Mal a batalha acabou, o seu espião partiu rapidamente de volta a Inglaterra. Entregou a notícia a Rothschild 24 horas antes do próprio correio de Wellington. Rothschild correu para a bolsa com um ar triste e abatido. Todos o seguiam com o olhar. Subitamente, Nathan começa a vender. Os outros investidores viram que ele tinha começado a vender. A resposta só poderia ser uma: Napoleão tinha ganho em Waterloo e Rothschild sabia. Em poucos minutos, todos vendiam. Os preços cairam em flecha. Entretanto, agentes de Rothschild começaram a comprar secretamente os títulos por uma fracção do seu valor real. Numa questão de horas, Nathan Rothschild passou a dominar a bolsa de Londres, assim como, segundo se supõe, o Bank of England.

  3. Olá Max: utilíssima contribuição! Parabéns! Gostaria que me informasses se conheces alguma fonte confiável escrita em português ou espanhol, que siga o mesmo tipo de narrativa histórica. Abraços

  4. Grande post.

    Um banco central criado à má fila (já tinha visto isto em qualquer lado, já sei … o FED no EUA).

    Banco Central privado igual a divida publica a crescer exponencialmente, ou será que os ingleses também andavam a viver acima das suas possibilidades?

    Banco central privado igual a impostos a multiplicarem-se como cogumelos. Nem é precisa a Troika.

    Banco central privado igual a guerras infindáveis.

    É um fartote. Mas o pessoal merece.

    PS. Pareceu-me ter lido em qualquer lado que havia judeus metidos no processo, mas deve ter sido engano meu. Só pode.

    abraço
    krowler

Obrigado por participar na discussão!

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