Sete passos

É Sexta-feira, logo à noite começa o fim-de-semana, “tempo de desligar”, quebrar a rotina, voltar ao nosso mundo.
Talvez.

O que significa “Nosso mundo”?
É uma expressão simpática, sem dúvida. Mas o que é realmente “nosso”?

Passo nº 1: Privação da saúde

Em nome do lucro e do eterno crescimento (o dogma) usam o planeta como um poço sem fundo, poluem o ar, a água, sem perceber que pedaços de papel sem valor intrínseco (o dinheiro) nunca poderão reparar os danos provocados. Até as nuvens têm que ser olhadas com suspeita.

Um especialista afirma que metade dos que nascerem agora em Portugal terão cancro. Sempre em Portugal, pagámos com parte do nosso ordenado a saúde para depois pagar outra vez em caso de cuidados médicos. A saúde custa, não é para todos.

E nós deixamos que isso aconteça.

Passo nº 2: Privação do paladar

A cozinha mediterrânica, a melhor do mundo do ponto nutricional, lentamente é substituída por comida cada vez mais “artificial”, feita de conservantes, colorantes, estabilizadores. É o mercado e os especialistas concordam: não há crise, todos os ingredientes passaram os testes, ora essa. Temos que dobrar-nós perante a ciência e aceitar o vaticínio.

De vez em quando uma notícia: ” A propósito, lembram-se do tal ingrediente? Afinal era cancerígeno”. Tudo bem, nós percebemos e agradecemos a ciência por esta sensacional descoberta.

Depois há a pressa, que sugere a compra de comida pré-cozinada, mais fácil, mais rápida: é só abrir a embalagem, pôr no microondas e logo comer. Não há esforço, não há dificuldades e, sobretudo, poupamos tempo. Muito prático.

Claro, depois não temos ideia de quais ingredientes sejam utilizados (quantos conseguem interpretar a lista das embalagens? Qual a diferença entre um “cloreto de sódio” e o sal?), nem da proveniência deles, mas importa? A pressa é pressa.

Mas é apenas uma questão de tempo? Porque será que nos centros comerciais os McDonald’s têm sempre fila de espera? Adolescentes, famílias inteiras…todos com pressa, no fim de semana?

Sinto falta da taberna de Maria, no centro da minha cidade, que servia um prato de minestrone com pesto e  batatas condito. Não “condimentado”, mas “condito” (em italiano: con + dito = com dedo, no prato no acto de servir). Era o melhor minestrone do mundo, mas Maria fechou há muito.

Paciência. Nós deixamos que isso aconteça. 

Passo nº 3: Privação da integridade familiar

Foi mostrado através dos meios de comunicação um mundo livre, globalizado, multi-étnico. Uma moderna Torre de Babel. O resultado são os escravos assalariados, móveis como peões para qualquer lugar do planeta, longe das raízes familiares: fracos e controláveis.

A falta de um emprego estável obriga a procurar, mesmo que o trabalho fique longe, às vezes milhares de quilómetros. As raízes são apagadas, o indivíduo é projectado para uma nova realidade que nada tem a ver com o mundo dele, não há a possibilidade de reencontrar-se num bairro sem alma onde o ritmo da vida é ditado exclusivamente pela partida dos meios de transporte.

Isso cria stress. Isso é stress. Os divórcios aumentam. Será um mero acaso?

Acontece. Aliás: nós deixamos que isso aconteça.

Passo nº 4: Privação de liberdade e da privacidade

Com o 11 de Setembro de 2001, o mundo muda drasticamente, a América, a “terra da liberdade” (ou assim foi contado) é transformada num território com fortes traços orwellianos, tudo em nome de terroristas afegãos capazes de manobras impossíveis num céu desprotegido.

Segurança, Protecção e Democracia são as palavras de ordem em nomes das quais pode fazer-se tudo. Desde então, a massa planetária pede protecção porque tem medo dos “inimigos da liberdade” que ficam escondidos nas inacessíveis montanhas orientais. Pode parecer o enredo duma produção do canal Sci-Fy, mas é a nossa realidade, a mesma na qual acreditamos.

O resultado é que somos espiados, com internet, como telemóvel com os vários cartões. Pensamos “não tenho nada para ser escondido, qual o meu problema?”. E deixamos que isso aconteça.

Passo nº 5: Privação de pensamento lógico e da sua expressão

Através dos meios de comunicação (procurem, tentem descobrir a qual único cartel global para o qual podem ser reconduzidos na quase totalidade), a multidão torna-se incapaz de pensar, até de desenvolver operações básicas como perguntar.

Um excelente exemplo é dado pela doutrinação sobre a luta contra a “crise”, onde os mesmos indivíduos que têm gerado as bolhas económico-financeiras, agora são os que propõem soluções. Não é homeopatia, é gozar com as pessoas.
As mesmas pessoas que vêem neles os salvadores do Estado: ninguém pergunta como é possível este clima de recessão que parece não ter fim, o cidadão sabe que “o mundo está em crise” e isso é suficiente, não é preciso pedir esclarecimento nenhum.

Tornaram centenas de milhões de trabalhadores incapazes de produzir, privaram dezenas de Estados das suas próprias moedas, mas isso é assumido como “natural”, fruto dos tempos difíceis. E conseguiram insinuar um sentido de culpa em cada um de nós com o mecanismo da Dívida Soberana.

Não era o povo “soberano”? Era, mas agora o povo deixa que isso aconteça.

Passo nº 6: Privação de ética

Em nome do progresso foi imposta a regra do sucesso, embora este resultado seja também obtido através da venda do corpo. Quem não atingir o “topo” é simplesmente um perdedor.

O uso de drogas (cocaína) torna-se um passo necessário para ficar entre o círculo “dos que contam”. Gianni Agnelli, antigo presidente da Fiat, era um conhecido cocainómane: nunca teve problemas com a justiça.

Depois há um assunto extremamente delicado e polémico: homens ou mulheres do mesmo sexo podem casar-se e criar filhos adoptados. Não é intenção aqui criminalizar os gays, quanto realçar o que acontece com quem discordar: não podemos discordar. Quem levantar dúvidas é logo rotulado como “atrasado”, “insensível”, “retrogrado”, até “racista”. Opinar não é opção, somos obrigados a seguir a “onda”, seja ela qual for.

Gostaria dum gay que tente descobrir a origem desta “onda”.

Mas isso é complicado: melhor deixar que aconteça.

Passo nº 7: Privação das raízes

Com o monstro da globalização, o mundo torna-se cinzento e disforme, as fronteiras são cortadas e manda apenas a vontade do “mercado”. É nós dito que a “diversidade é riqueza”, mas o que se passa é exactamente o inverso, uma tentativa de homogeneização planetária. As diferencia são anuladas, temos que empacotar as nossas tradições, deita-las no lixo e aceitar o “novo.
Que, esquisito, cheira à velho.

É normal comprar mercadorias estrangeiras que lentamente reduzem o espaço dos produtos nacionais. Que fique claro: o comércio sempre existiu e é algo de positivo, decididamente positivo. Mas não quando for um comércio com sentido único. E nem é possível “proteger-se, tentar valorizar o que é nosso: em nome do “livre mercado”(e aqui as aspas são mais do que necessárias) qualquer forma de protecção é vista como “criminosa” e tem de ser eliminada.

É também assim que é apagado o sentimento de pertencer a um Estado, uma comunidade. E sem este sentimento, é muito mais difícil levantar-se e decidir as políticas do nosso País. Será também mais difícil entender que as nossas vidas são geridas por entidades privadas supranacionais, oportunamente apoiadas por órgão de informação que há muito abandonaram qualquer veleidade investigadora.

Complicado, muito complicado. Seria uma boa ocasião para parar, pensar e talvez agir, fazer alguma coisa. Mas é Sexta-feira, estamos cansados, a semana foi pesada. Depois estamos sozinhos, somos o povo e o povo é bom, não pode ter culpas.

Por isso acontece, sim, mas deve ser só azar. Ou o acaso.
Bom fim-de -semana.

Ipse dixit.

Fonte: a ideia dos “sete passos” foi retirada do blog Voci dalla Strada.  

5 Replies to “Sete passos”

  1. Ó Max, vou-lhe deixar uma sugestão para publicitar o blog: Um pequeno papel, do tamanho de um cartão-de-visita, apenas com o logótipo e o título do blog (que você pode cortar e colar do topo da página web) e o endereço eletrónico embaixo, em tudo quanto é caixa de correio.

  2. O mais difícil é saber que se está a falar com uma minoria e que a maioria não está sequer interessada em conhecer realidade em que vive como é… e ainda assim não baixar os braços e insistir e tentar chegar às pessoas de alguma forma.

    Bom fim-de-semana.

    Abraço
    Rita M.

  3. Olá Max: grande reflexão, uma das melhores entre tantas boas que aparece por aqui. Mas o segundo tema da parte 6, que colocas dentro da ética, me merece atenção.
    1.Concordo que a exploração do chamado mundo gay pelo mercado, como tudo em geral, possa justificar a "onda" supostamente histórica, como tudo que diz respeito a sexo,investigado e alardeado ad nauseun.
    2.Concordo que a tentativa ou a vontade de identificação, rotulação e diferenciação de um grupo de pessoas que sempre, majoritariamente ou esporadicamente vivem a sua sexualidade com parceiros/as do mesmo sexo,seja uma grande asneira, incluindo aí os guetos, a defesa de direitos de minoria, os desfiles de orgulho etc
    3.No entanto, me parece que qualquer expressão de sexualidade,erotismo e prazer queridas pelos envolvidos/as e não vividas como negócio,seja algo bom e saudável, humanamente ético,manifestação da ainda capacidade humana de trocar formas de amor, compartilhamento e felicidade.
    4.Quanto a uniões estáveis de mesmo sexo com filhos adotados, me pergunto o que possa ser melhor para uma criança de rua, as milhares desse nosso terceiro mundo: o afeto e a proteção de um casal gay, ou o abandono e a solidão da rua. Não sei a resposta porque não fiz a pergunta a quem de direito. Abraços

  4. Continuação, voltando ao tema geral do post, fica a pergunta: será que ainda temos mundo? Com todas as privações, que justamente elencastes, como e onde encontrar um mundo que possamos chamar de nosso? Fiz-me essa questão faz muitos anos, e cheguei a conclusão, talvez muito pretensiosa, que teria de inventar um mundo aqui mesmo, já que não conseguia encontrar um UFO que me levasse para outro planeta.Inventei T.Â., que pode não ser o melhor dos mundos,nele também aparece vicissitudes e surpresas indesejáveis, mas tem dado para viver, porque quando me valho do rol de privações que bem mencionastes no post, vejo que conseguimos aqui driblar ou superar algumas. E…quando dá para dar uma mãozinha no mundão lá fora, a gente empresta solidariedade, e mais dela colhe. Abraços

  5. «Depois há um assunto extremamente delicado e polémico: homens ou mulheres do mesmo sexo podem casar-se e criar filhos adoptados»

    Fala-se em filhos adoptados… mas… também é importante falar no 'Direito de ter filhos em Sociedades Tradicionalmente Monogâmicas!'
    .
    Ainda há parolos que acreditam em histórias da carochinha… mas há que ASSUMIR a realidade:
    – Nas Sociedades Tradicionalmente Poligâmicas apenas os machos mais fortes é que possuem filhos.
    – No entanto, para conseguirem sobreviver, muitas sociedades tiveram necessidade de mobilizar/motivar os machos mais fracos no sentido de eles se interessarem/lutarem pela preservação da sua Identidade!… De facto, analisando o Tabú-Sexo (nas Sociedades Tradicionalmente Monogâmicas) chegamos à conclusão de que o verdadeiro objectivo do Tabú-Sexo era proceder à integração social dos machos sexualmente mais fracos; Ver http://tabusexo.blogspot.com/.
    .
    CONCLUINDO:
    – Nas Sociedades Tradicionalmente Poligâmicas é natural que sejam apenas os machos mais fortes a terem filhos, NO ENTANTO, as Sociedades Tradicionalmente Monogâmicas têm de assumir a sua História: não podem continuar a tratar os machos sexualmente mais fracos como sendo o caixote do lixo da sociedade!… Assim sendo, nestas sociedades deve ser possibilitada a existência de barrigas de aluguer {ÚTEROS ARTIFICIAIS – deve ser considerado uma Investigação Cientifica Prioritária!…} para que, nestas sociedades {a longo prazo} os machos (de boa saúde) rejeitados pelas fêmeas, possam ter filhos!
    .
    .
    NOTA 1: Incompetência sexual não significa inutilidade… de facto, os machos mais fracos já mostraram o seu valor: as sociedades tecnologicamente mais evoluídas… são sociedades tradicionalmente monogâmicas!
    .
    NOTA 2: Hoje em dia, por um lado, muitas mulheres vão à procura de machos de maior competência sexual, nomeadamente, machos oriundos de sociedades tradicionalmente Poligâmicas: nestas sociedades apenas os machos mais fortes é que possuem filhos, logo, seleccionam e apuram a qualidade dos machos.
    Por outro lado, hoje em dia muitos machos das sociedades tradicionalmente Monogâmicas vão à procura de fêmeas Economicamente Fragilizadas [mais dóceis] oriundas de outras sociedades…
    .
    NOTA 3: Quando se fala em Direitos das crianças, há que olhar também para o seguinte: muitas crianças hão-de querer ter a oportunidade de vir a ser pais!
    Dito de outra maneira: não está em causa ter (ou não ter) acesso a 'isto ou aquilo'… mas sim, o facto da sociedade não poder estar a IMPOR BLOQUEIOS EMOCIONAIS: leia-se, ao não legalizar as famílias monoparentais (a masculina em particular) a sociedade está a fazer com que uma faixa (de certa forma significativa) da população masculina não tenha filhos.
    (obs: ser pai ou ser mãe não é ter uma coisa qualquer)

Obrigado por participar na discussão!

This site uses User Verification plugin to reduce spam. See how your comment data is processed.

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.

%d bloggers like this: