Shadow banking

Shadow banking. O que é isso agora?

Bom, na verdade é algo que já encontrámos: o shadow banking é algo que mede o sistema bancário sombra, assim como calculado no último relatório do
Financial Stability Board (Conselho de Estabilidade Financeira, FSB) de Basileia.

É um sistema complexo, que inclui a actividade de credito fora dos circuitos tradicionais. É um sistema arriscado.

A maioria das pessoas vê o banco como a simpática instituição que empresta dinheiro, que ajuda a comprar uma casa ou o carro, que paga as nossas contas com a domiciliação bancária. Sem dúvida um banco é tudo isso, mas não só, como os aficionados Leitores deste blog já aprenderam.

Existe um lado obscuro dos bancos e, por incrível que pareça, este lado é bem maior do que o lado visível. Isso é o shadow banking.

O FSB calculou o valor deste sistema-sombra e o total é assustador: sessenta e sete mil biliões de Dólares, mais ou menos o equivalente do produto interno bruto do planeta. Um sistema paralelo, difícil de individuar porque, como afirmado, afastado dos normais circuitos. Mas, acima de tudo, um sistema de crescimento: alimentou a crise antes e continua a alimentar-se dela agora, cúmplices as intervenções de estabilização dos bancos (em palavras mais simples: dinheiro dos contribuintes atirado para os cofres dos bancos privados, que agradecem).

No shadow banking podemos encontrar de tudo um pouco: mas na maior parte dos casos temos uma prática bem conhecida, já vista no caso dos subprimes americanos (a origem da actual crise, lembram-se?). O mecanismo é simples: os devedores subscrevem mútuos, os bancos transformam estes créditos em garantias para outros produtos (os derivados) trocados fora das bolsas, através de veículos de investimento no sistema-sombra. Isso gera o fenómeno da “alavancagem”, que alimenta outros empréstimos e multiplica os montantes em jogo. Até que a bolha assim criada fica fora de controle. E rebenta, pois este é o destino das bolhas.

Mas tudo isso não deveria ter, no mínimo, abrandado após a crise dos subprimes de 2007? Já vimos que não, pelo contrário: em 2002 o sistema-sombra valia apenas (por assim dizer) 26 mil biliões de Dólares; em 2007, no início da crise, o número tinha subido para 62 mil biliões e agora atingiu o novo máximo, 67 mil biliões.
O aspecto mais perturbador é este: após o colapso do banco Lehman e da crise financeira global, o valor da intermediação financeira fora do sistema bancário continuou a crescer a uma taxa de um mil biliões por ano e não há sinais de que tal tendência possa mudar.

Explicação? Ganancia dos bancos?
Não só. 

Um efeito colateral do tratamento pós-crise é mesmo este: desde 2008, de facto, as autoridades dos EUA, do Reino Unido e da Zona Euro têm forçado os bancos a aumentar as reservas monetárias para evitar novas falências. Parecia uma boa ideia. Só que isso reduziu o crédito e os bancos procuraram novas formas de financiamento, fora dos canais tradicionais. E aqui entra em cena o shadow banking, o sistema que cresce e prospera longe dos mercados oficiais.

Mas os vários Países não deveriam impedir a utilização dum tal sistema por parte dos bancos?
Deveriam, mas não querem e não podem. Não querem por razões que não é difícil imaginar (a excessiva proximidade entre políticos e poder financeiro), não podem porque a realidade é que o sistema bancário não poderia sobreviver apenas com os empréstimos para a compra dum carro ou duma casa. Depois há outras questões, como a dificuldade me lidar com os offshore (as plataformas utilizadas para operações longe dos olhares indiscretos), mas as principais motivações são as duas acima reportadas.

O shadow banking é um fenómeno complexo que esconde várias realidades. Como bem sabe a China, por exemplo, que desde o ano 1984 (fim do monopólio do Banco Popular da China) tem visto o desenvolvimento de uma sistema-sombra que cresceu para compensar os limites ao crédito impostos pelo governo de Pequim. Uma miríade de empresários de pequena e média dimensão tiveram que abdicar dos insuficientes empréstimos oficiais e utilizar canais alternativos. Isso é, shadow banking.

Estas as razões pelas quais o shadow banking hoje atinge valores assombrosos.
Para ter uma ideia, pode ser útil comprar do shadow banking (67 mil biliões de Dólares) com o PIB (Produto Interno Bruto) dos seguintes Países (em milhares de biliões de Dólares, dados do FMI, ano 2010):

  • Shadow Banking: 67.000 (valor aproximado)
  • EUA: 14.526
  • China: 5.878
  • Japão 5.458
  • Alemanha 3.286
  • França 2.562
  • Italia 2.055
  • Espanha 1.409
  • Reino Unido 2.090
  • Brasil  2.250
  • México  1.034
  • Venezuela: 293
  • Portugal 229

Algo não bate bem…

Ipse dixit.

Relacionados:
O sistema dos bancos-sombras
Offshore e o dinheiro escondido
Paraísos fiscais: os bancos

Fontes: Il Fatto, Wikipedia (versão inglesa), Financial Stability Borad: Global Shadow Banking Monitoring Report 2012 (documento Pdf, inglês), Publications – Shadow Banking (conjunto de documentos em formato Pdf e língua inglesa acerca do sistema shadow banking)

10 Replies to “Shadow banking”

  1. Olá Max,

    fiquei na dúvida em relação a este artigo.
    Tenho a seguinte questão: Na prática, onde é que essas transacções estão a acontecer? São meras transferências bancárias? Onde são estipuladas as garantias entre as partes envolvidas?

    Agradecia um esclarecimento.

    Um abraço,

    R. Saraiva

  2. Olá Max: aproveitando a coluna das perguntas,eu queria saber quem/quais, a título de exemplo, e como, pessoas, instituições ou seja lá o que for, tem acesso a esse funcionamento obscuro dos bancos, e se beneficia com ele? De quem/que depende esse acesso privilegiado?De quais formas se podem beneficiar?Em que implicam as perdas para países,instituições, populações? Tudo assim bem "mastigadinho", porque apesar de ser leitora/comentarista/divulgadora permanente de ii, faço parte dos "normais" que patinam nas obscuridades, especialmente econômicas.
    Eu entendo o suficiente de obscuridades das histórias de vida, fiquei sabendo que existe um terreno obscuro na web…tudo isso me faz rir dos que afirmam que realidade é o que se vê. Mas, essa dos bancos,exceção dos off shores, nunca tinha ouvido falar, a não ser de uma outra vez que um post teu tocou no assunto. Abraços

  3. Olá Max: não sei se tu e o pessoal comentarista acharia legal, mas como é um assunto "obscuro" para os "normais", que acredito que desperta muito interesse, pois a gente sempre gostaria de saber por onde está sendo iludido, ludibriado e roubado, taí, me parece, um bom assunto para o próximo papelzinho. Abraços

  4. Pegando na ideia da maria, para os próximos Papelzinhos, vou fazer tambem uma sugestão:

    Eu começaria por abordar temas que sejam familiares às pessoas. Divida Publica e Privada, FMI, BCE, Agências de Rating e tudo aquilo que anda a ser discutido um pouco por toda a parte, ou seja, os temas da actualidade.

    Mais tarde, e já com uma horda de leitores fieis ( muitos milhares, lol), poderiam ser então abordados os assuntos mais indigestos, mas não menos importantes.

    Por ex.: Plano de Chicago Revisitado, Negociações em Alta Frequência, Derivados Financeiros, etc. etc.

    O Shadow Banking, é mais uma dequelas coisas que o inocente cidadão, nem sonha que possa existir.
    Pergunto muitas vezes que assuntos desta natureza ainda vão ser revelados.

    abraço
    krowler

  5. Não estou muito familiarizado com esta questão mas não duvido minimamente que exista um sistema bancário paralelo para "Insiders".
    Até porque, as pessoas que realmente manobram nos bastidores e sabem de antemão, com informação previligiada, como é que os mercados se movimentam/ram e como futuras operações financeiras se iram desenrrolar, não podem ficar á mercê da "vontade dos mercados"
    Parece-me lógico se pensarmos realmente nesta questão.
    Aqueles que criam e se servem dos mercados, não podem ficar sujeitos do seu próprio jogo.
    E isto vem reforçar a tése que tenho que, podemos mudar o feudalismo,o imperialismo,o fascismo,o comunismo, o socialismo e os "ismos " que quisermos…enquanto não mudarmos as regras do sistema bancários, estaremos sempre reféns desta manipulação que joga sempre a favor dos mesmos.
    Abraço max

  6. Olá!
    Tentamos responder às várias perguntas.

    "Na prática, onde é que essas transacções estão a acontecer?"

    Depende. No artigo não fiz uma clara distinção entre os vários tipos de bancos-sombras, pois de facto não há apenas uma forma de "shadow-banking". Por exemplo, é diferente o fenómeno dos bancos-paralelos chineses e ocidentais.
    No primeiro caso estamos perante empréstimos feito "às escondidas", o que não é tão complicado: trata-se afinal de ter dois orçamentos, um oficial (regularmente depositado), outro real onde aparecem as operações "incomodas".

    No segundo caso o nível é outro e acho que uma boa explicação pode ser encontrada neste post: Dark Pools (http://informacaoincorrecta.blogspot.pt/2012/10/dark-pools.html).

    As transacções acontecem em lugares virtuais, não há uma verdadeira "Bolsa de Valores-sombra", como Wall Street, apesar de existirem sociedades reais (com sedes, analistas e tudo o resto) que tratam destes assuntos.

    E não são meras transferências bancárias, mas também (e sobretudo) investimentos que desfrutam também a tecnologia (High Frequency Trading, por exemplo) para obter lucros.

    "Onde são estipuladas as garantias entre as partes envolvidas?". Esta é uma boa pergunta e não sei responder porque infelizmente não conheço ninguém que trabalhe nisso! Afinal não é coisa para comuns mortais…

    É claro que, tratando-se de operações numa zona cinzenta, fogem das regras utilizadas na actividade normal. Nem sei (e duvido) se é possível falar de "garantias" no sentido clássico.
    No geral, todavia, podemos tomar como exemplo o que aconteceu com os bancos americanos envolvidos no começo da crise, em 2007: as garantias que estavam na derradeira base dos derivados eram os mútuos contraídos pelo clientes dos bancos em ocasião do aquisição da casa. Uma garantia aparentemente muito sólida, acima da qual foram construídos instrumentos financeiros "empacotados" em papel de luxo.

    (continua)

  7. (continua)

    "queria saber quem/quais, a título de exemplo, e como, pessoas, instituições ou seja lá o que for, tem acesso a esse funcionamento obscuro dos bancos, e se beneficia com ele?"

    Aqui a resposta é simples: tem acesso quem tiver dinheiro. Mas não vale a pena começar a juntar os trocos, aqui o dinheiro envolvido é muito, ao alcance apenas de instituições ou da "creme" dos investidores.

    A razão é simples. Dum lado os software High Frequency Trading custam, doutro lado para obter lucros é preciso um investimento inicial considerável.

    Por exemplo, os melhores programas HFT conseguem detectar a subida do valor das acções em todos o mundo, comprar e vender a mesma acção no prazo de segundo ou até menos: mas na maior parte dos casos falamos de subidas ínfimas, fracções de cêntimos. O ganho, portanto, é dado pelo somatório de todos estes micro-ganhos: pode ser possível investir um milhão em acções e vender as mesmas passado um segundo. Não há perdas e o ganho é misérrimo. Mas multiplicar este mini-ganho vezes sem conta num dia faz que no final o lucro alcance patamares significativos.

    Mas, lá está, é preciso dinheiro, muito dinheiro. Os beneficiados (e portanto o acesso a determinadas técnicas) sempre serão poucos e bem conhecidos.

    Não podemos esperar de encontrar o nome dum famoso banco no meio destas operações: aqui entram em jogo os offshore, as zonas francas que permitem estender um véu acima das operações ilegais.
    Sem controle, é simples criar empresas fictícias que operem em nome de entidades verdadeiras, igualmente simples será a transferências de dinheiro entre as mesmas empresas. É por isso que todos os bancos têm agências nos offshore ("Paraísos fiscais: os bancos" http://informacaoincorrecta.blogspot.pt/2011/07/paraisos-fiscais-os-bancos.html).

    "Em que implicam as perdas para países,instituições, populações?"

    Uhi!…podemos sintetizar desta forma: um banco não pode falir (só os mais "incapazes", como ensinam os EUA), cada vez que um banco entrar em dificuldades, é lançado o alarme pelo mundo político. "É o Armageddon, o fim dum banco significa o fim de toda a economia e a perda de cabelos também".
    Lógico, portanto, que o Estado seja "obrigado" a intervir com transferências de dinheiro público para os cofres privados.

    Aconteceu nos Estados Unidos, aconteceu mais de recente na Espanha (La Caixa).

    Os lucros são privados, mas as perdas são públicas. E ainda há quem tenha a coragem de falar em "Capitalismo"…

    Grande abraçoooo para todos!!!

  8. @ Maria & Krowler:

    A sugestão foi votada e a maioria (Leo) aprovou, no próximo papelzinho irá tornar-se realidade. Obrigado!

    @ Streetwarriors:

    Concordo. Há muito era minha intenção abrir um blog de informação alternativa, e quando comecei a traduzir a versão italiana de Informazione Scorretta tencionava tratar de assuntos económicos mas dar muito mais espaço a outras questões.

    Depois, lentamente, comecei a perceber que o papel da economia não era secundário, pelo contrário: a economia é ao mesmo tempo o objectivo final que justifica muito do que acontece na nossa sociedade mas também um meio para obrigar as pessoas a viver duma determinada forma e
    a aceitar determinadas escolhas.

    Tenho a sorte (???) de viver num País falido (Portugal), cuja vida política e não só é dominada pelos assuntos económicos. Com a desculpa "económica" (a Dívida!), Portugal aceita coisas que até bem poucos anos atrás teriam sido impensáveis.

    O País é agora refém dum grupo de paranóicos que literalmente ditam as regras da nossas vidas; e a maioria acha isso perfeitamente normal, o justo castigo pela fase de (fraco) crescimento vivido nas últimas décadas.

    Tudo em nome da economia.

    "podemos mudar o feudalismo,o imperialismo,o fascismo,o comunismo, o socialismo e os "ismos " que quisermos… enquanto não mudarmos as regras do sistema bancários, estaremos sempre reféns desta manipulação que joga sempre a favor dos mesmos".

    Absolutamente de acordo.

    Abraçoooo!

  9. Olá Max: "Em que implicam as perdas para países,instituições, populações?" Eu continuo achando esta pergunta, e a resposta a ela, o mais didaticamente possível,uma questão fundamental a ser abordada em algum papelzinho próximo. Percebe que cabe 3 níveis de respostas aí:
    1. eu, cidadão comum, como sou afetado por esta distorção de uma economia que se apresenta como capitalista?
    2. a democracia (instituições), como é afetada por essa distorção?
    3. o país que o cidadão comum vive (Portugal, por exemplo, e sua economia nacional), como tem sido afetado por essa distorção?
    Abraços

  10. Max,

    Como sabes o sistema financeiro internacional tem vários "loopholes", tais como offshores, shadow banking, dark pools, etc…que beneficiam só os "big players", os únicos com capacidade financeira para jogar esse jogo
    e prejudicam o pequeno investidor que investe as suas pequenas poupanças na esperança de multiplicar essas poupanças e não raras vezes perde tudo.

    Um abraço

    Zarco

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