Saudade da fogueira

Apesar das opiniões expressas por alguns Leitores (poucos, em boa verdade) que utilizam o anonimado para acusar Informação Incorrecta de atitudes anti-semitas, este blog tem uma posição bastante clara acerca do assunto: dois Estados soberanos, um Estado de Israel e um Estado da Palestina.
Muito simples, não é?

Mais: Informação Incorrecta é um dos poucos blogues da informação alternativa que põe em dúvida a existência duma alegada conspiração sionista para dominar o mundo. E condena a utilização do terrorismo (leia-se ataques contras os civis) como forma para resolver os conflitos.

Este é o motivo pelo qual Hamas goza de pouca simpatia por parte do autor (que sou eu): além da recusa do terrorismo (e disparar foguetes contra civis não é “resistência”, é terrorismo), atingir cidades israelitas é a melhor maneira para desencadear (e justificar aos olhos de boa parte da comunidade internacional) uma reacção de Tel Avive. Esperar num grande movimento de protesto internacional que possa resolver a questão após um ataque (como no caso da operação Coluna de Nuvem destes dias), significa na melhor das hipóteses não ter memória histórica.

Todavia, não é possível não reconhecer a enorme disparidade de meios entre as duas facções e a profunda diversidade de tratamento do qual gozam os israelitas dum lado e os palestinianos do outro.

Eis um exemplo que deve fazer reflectir. É um artigo de Piergiorgio Odifreddi (matemático e divulgador científico) que costumava ser hospede nas páginas do diário italiano La Repubblica. Vamos ler.

Um dos piores crimes da ocupação nazista na Itália foi o massacre das Fosse Ardeatine. Em 24 de Maio de 1944, o alemães “executaram”, de acordo com o rudimentar conceito de justiça deles, 335 italianos em retaliação ao bombardeio realizado pela resistência no dia 23 de Maio na rua Rasella, que resultou na morte de 32 soldados do exército de ocupação. A estabelecer uma versão moderna da “lei do talião”, que substituiu a proporção de um para um no “olho por olho, dente por dente” com uma proporção de dez para um, tinha sido o mesmo Hitler.

O Marechal de Campo Albert Kesselring transmitiu a ordem para Herbert Kappler, o oficial da SS que já um ano antes, em Outubro de 1943, tinha “limpo” o gueto de Roma. E este, com um excesso de zelo, adicionando 15 vítimas ao número de 320 definido pelo Fuehrer. Após a guerra, Kesselring foi condenado à morte pelo massacre, mas a sentença foi comutada em prisão perpétua que descontou até 1952, quando o prisioneiro foi libertado por “razões de saúde” (entre aspas porque sobreviveu mais oito anos). Também Kappler e o seu assistente, Erich Priebke, foram condenados à prisão perpétua. O primeiro conseguiu escapar em 1977, e morreu alguns meses mais tarde, na Alemanha. O segundo, que foi capturado e extraditado para a Argentina em 1995, ainda vive numa condição de semi-cativeiro em Roma, embora hoje seja quase centenário.

Nesses dias, em Israel há uma nova réplica da lógica nazista das Ardeatine. Sob o pretexto de combater os “actos terroristas” da resistência palestiniana contra a ocupação israelita, o governo de Netanyahu bombardeia a Faixa de Gaza e está a preparar-se para invadi-la com dezenas de milhares de soldados. Coisa que, aliás, já tinha preparado e decidido para punir a Autoridade Palestina dum crime terrível: ter pedido às Nações Unidas para ser admitida como membro observador!

O que irá acontecer durante a invasão é facilmente previsível. Durante a Operação Chumbo Fundido, no final de 2008 e início de 2009, de facto realizado com as mesmas desculpas e a mesma finalidade, pelo menos 1.400 palestinianos foram mortos de acordo com o relatório da ONU, em comparação com as 15 mortes israelitas provocadas em oito anos ( !) pelos foguetes do Hamas. Uma proporção de cerca 100 contra 1, portanto dez vezes maior do que a do massacre das Fosse Ardeatine. É claro, o massacre de quatro anos atrás é apenas um dos muitos perpetrados pelo governo e pelo exército de ocupação israelita nos territórios palestinianos.

Mas para a condenação à prisão perpétua de Kesselring, Kappler e Priebke foi o suficiente apenas um massacre, e muito menos brutal: quando, portanto, um tribunal internacional para processar e condenar Netanyahu e os seus generais?

Piergiorgio Odifreddi

Até aqui o artigo. Que apareceu nas páginas online de La Repubblica e que foi prontamente apagado após 24 horas.
Obviamente Odifreddi já disse adeus ao jornal:

Continuar seria um problema. Agora, toda vez deveria perguntar-me se o que eu penso ou escrevo pode não ser aceitável para quem lê.

Mas é interessante realçar como desta vez a censura tenha origem no diário não-oficial da Esquerda parlamentar italiana (e, com o filo-governativo Il Corriere della Sera, um dos dois diários mais lidos no País): La Repubblica, sempre presente na defesa dos vários Partido Democrático, Verdes ou Italia dei Valori, sempre pronto numa oposição de fachada contra o governo de Mario Monti (Goldman Sachs).

Nenhuma reacção por parte da “comunidade internacional”, nada. Doutro lado, quem deveria intervir? A Esquerda, atacando assim os partidos de referência italianos? Ou a Direita, que apoia as posições filo-israelitas? Nada. E o episódio aconteceu num País onde a Palestina consegue recolher muitas simpatias e apoios.

O que sobra é uma informação censurada, preparada para que o Leitor possa formar-se uma ideia pré-estabelecida: no caso da Esquerda, israel é mau, sim, mas não “tão mau”. Mauzinho, isso mesmo, mauzinho e justificado: afinal a Palestina tinha bombardeado israel, por isso é uma questão de auto-defesa.
E as bombas são bombas: não pode haver diferença entre os explosivos quase-caseiros (no geral não conseguem atingir objectivos além dos 8 quilómetros) de Hamas e os mísseis de alta precisão de israel.

Mas o grave erro de Odifreddi foi a comparação com o exército nazista. Aí enterrou-se sem possibilidade de salvação.

Porque israel tem uma espécie de exclusiva neste sentido e basta uma palavra: Holocausto.
Ao citar o Nazismo deve ser automático o surgimento das imagens dos campos de extermínio e dos israelitas como únicas vítimas. O que não foi verdade, nos ditos campos morreram não apenas israelitas. Mas isso não importa, o que conta é a mensagem que deve ser transmitida. Uma mensagem simples e eficaz: israel sempre foi vítima, dos Romanos antes, do Ocidente depois, dos nazistas a seguir, dos ferozes árabes agora.

E se israel for vítima, tem todo o direito e as bases morais para justificar qualquer acção para a própria defesa. Aproximar as acções do exército israelita as dos nazistas é pura heresia. Nos bons tempos idos havia uma fogueira na praça (Giordano Bruno), hoje temos de ficar satisfeitos com uma simples censura por parte dum diário.
Melhor do que nada.

É claro: desta forma a paz nunca será alcançada.
Mas é este o verdadeiro objectivo?

Ipse dixit.

Fonte: Il Fatto, La Repubblica

9 Replies to “Saudade da fogueira”

  1. Caro Max
    Ótima postagem.
    Mas… O Universo é infinito e está em expansão. E nós aqui agrilhoados milenarmente aos remos das galés da casa grande e senzala a caminho do fechamento dos portões da "nova" Guantânamo planetária. A manutenção da antropofágica escravidão do planeta é única verdadeira religião permitida e incentivada, milenarmente. O 4º REICH nazi sionista continua avançando sua agenda com fúria e ninguém está prestando atenção… Nem podem…

    Sinto muito, sou grato.

  2. Se não existe conspiração de sionistas que se corromperam, então por que é que Israel vive de cheques?

  3. Olá Max:penso que o objetivo nunca seja a paz, mas convém que pareça que há esforços continuados para que ela um dia aconteça. É claro que numa economia movida a aparelhos de guerra,tornarem-se inúteis, é absolutamente impensável para quem detém os lucros do mercado do armamento…é acabar com os negócios, também no estado de Israel, especialista no assunto. Algumas armas palestinas são movidas a estrume e urina, o que pode se depreender de um "país" sem exército, que ainda não conseguiu matar ninguém do outro lado, nos últimos dias.
    Continuando, uma economia movida a escassez de recursos de petróleo, gás, comida, água e compaixão, opera de forma sempre genocida do mais forte sobre o mais fraco, ou seja, o sempre presente estado de ocupação, com tratativas políticas daqui e dali que nada mais são que a guerra, em curso, de outra maneira.E os tribunais internacionais, que mais são que a política do mais forte sob o manto da legalidade e quiça da justiça?
    Assim, no mundo da representação e do espetáculo, muitíssimas vozes bem intencionadas se levantam contra as injustiças, acreditando piamente que deterão a guerra, a ocupação e o genocídio, antes de deter a exploração econômico financeira de uns sobre a maioria. Abraços

  4. Os Israelitas não são assim tão coitadinhos, se chegassem ao meu quintal a dizer que agora aquele território era deles, eu também retaliava com rockets!

  5. -> Se os Nativos Norte-Americanos (ex: os nómadas que seguiam as manadas de bisontes) tivessem a capacidade de AUTO-DEFESA que os israelitas possuem… não lhes tinham sido roubados os seus territórios e os seus recursos naturais… nem tinham apanhado com um Holocausto em cima… que os deixou à beira de um completo extermínio.
    .
    -> Anda por aí muito pessoal numa corrida demográfica pelo controlo de mais e mais territórios… exemplo: veja-se o discurso da INQUISIÇÃO MESTIÇA -> uma coisa são os 'globalization-lovers' gostarem de o ser… outra coisa, é o comportamento nazi de alguns deles – 'globalization-lovers mafiosos' (um exemplo, a Inquisição Mestiça): andam por aí numa busca de pretextos… com o objectivo de negar o Direito à Sobrevivência de outros… nomeadamente, de Identidades Étnicas Autóctones.
    .
    .
    —>>> Pelo Direito à Sobrevivência de Identidades Étnicas Autóctones: SEPARATISMO-50-50!

  6. Muito bom Post Max…sempre no registro.
    Boa comparação com a porpoção de baixas.
    Será que o Palestinos são todos terroristas? Ou estão reféns destes 2 grupos que os usam como arma politica, tanto o Hammas como Israel?

Obrigado por participar na discussão!

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