É festa (Celebration)

Pode o vosso humilde cronista ficar calado? Será que pode ele esconder a alegria na qual estão mergulhados os nossos corações neste dia em que o supremo desenho de Nosso Senhor encontra o seu triunfo?
Não, não pode.
Então vamos, meus amigos, vamos festejar.,
  
Porque a verdade é esta: é dia de festa na Reino de Valium, o Soberano Iluminado Obama I foi reeleito.

Empenhado contra um temível adversário, o Duque de Romenyville, o Rei não estremeceu: olhar decidido, mão firme, alma de paixão pelas causas dos desfavorecidos, o Rei Obama I capturou os corações do povo, tal como tinha acontecido no Ano do Senhor 2008.

Que haja agora celebração nas ruas, com rios de cidra.

Não foi fácil.
O Duque de Romeny tinha prometido atacar e derrotar o grande inimigo, o Dragão Vermelho que há muito ameaça o Reino. E com o jovem escudeiro Ryan, perito na misteriosa ciência dos números, queria reformar o sistema dos impostos: menos ouro para o Reino, mais para a aristocracia. Um bom plano, sem dúvida, que todavia ficou esmagado perante os sucessos de Obama I.

Como não lembrar a vitória contra o feroz pirata Pashá Bin Laden, dito o Dialisado? Como não glorificar a engenhosa utilização das novas flechas voadoras que tanta morte espalharam no Reino do Terror, o obscuro e malvado Paquistão? E o apoio aos pobres camponeses maltratados pelo Príncipe da Síria?

Todos feitos que a memoria do povo, simples e ignorante que se farta mas grato, não pode esquecer.

Na verdade, há algumas sombras, mesmo neste dia de alegria.
No Condado da Pensilvânia, que fica perto do Condado da Transilvânia, os homens que deveriam ter contado os votos populares foram encontrados bêbedos. E no Condado do Colorado, as urnas de madeira tinham buracos. Em ambas as localidades ganhou Obama I.

Mas podem estes pormenores estragar o dia de festa? Não, não podem.
E Obama I já falou:

Esta noite, tal como há mais de 200 anos quando uma colónia decidiu pegar nas mãos o próprio destino, a tarefa de tornar cada vez mais perfeita a nossa união continua.

Palavras que vão direitas até o coração, mesmo dos infartados. E a seguir uma promessa para o povo e uma ameaça para os inimigos. O vice-versa.

O melhor ainda está por vir.

Quais outras maravilhas terá na manga Obama I? Não sabemos, mas dados os triunfos destes últimos quatro anos é lícito ser optimista.
E a seguir algumas palavras, as mais emocionadas, para a Rainha e as herdeiras ao trono:

Michelle, nunca amei-te mais. Sasha e Malia, cada vez mais mulheres maravilhosas, como vossa mãe.

E o povo fica em lágrimas. Falta só um agradecimento ao fiel Bo, o cão português que tanto fez ao longo desta campanha, mas fica para a próxima.
Depois palavras mais empenhadas acerca do Reino:

Queremos um País no qual todos possam ter acesso as escolhas melhores, que esteja no topo da tecnologia, não derrotado pela dívida e pela desigualdade e por um ambiente prejudicado. Queremos uma nação defendida pelas melhores tropas do mundo. Acreditamos numa América generosa, de compaixão e tolerante.

Na prática, é exactamente o que Obama I tinha feito ao longo dos primeiros quatro anos de reinado. Repetita juvant, como diziam os Romanos, repetir é útil.

Entretanto, no Condado do Maryland e naquele do Maine, passou a proposta em favor dos casamentos entre camponeses do mesmo sexo. O referendo, em contemporânea com a eleição do monarca, tinha o apoio do mesmo Obama I. Um triunfo em todas as frentes, festejado também nos Estados vassalos.

O Governador dos Territórios de Ultramar de Portugal e do Algarve, Dom Aníbal Cavaco Silva dito o Adormecido, assim escreveu na mensagem enviada ao amo:

“O mundo dos nossos dias coloca-nos novos e constantes desafios para os quais temos de encontrar respostas” o Presidente norte-americano continuará “empenhado em contribuir para a solução dos desafios que se colocam à comunidade internacional”.

Mas em todos os Territórios a festa continua. Dona Angela Merkel, chefe da tribo dos Alemannos, por exemplo, quer:

poder continuar esta operação, para que os nossos dois países
possam superar juntos, lado a lado, os importantes desafios em matérias
económicas e de política externa.

E “esta operação” é evidentemente a brilhante estratégia com a qual o Reino e os Territórios Ultramarinos ultrapassaram a grave crise das safras. O facto de poder continuar na mesma calha é garantia de sucesso e de ainda mais dias prósperos.

Todavia, todavia…

As forças do Mal atacam

A verdade é que há quem trame na sombra.
Ao serviço do Mal, estas pessoas espalham dúvidas, tentando arruinar o ambiente de alegria.

Trabalhando em escuras grutas, rodeados por patas de aranhas, olhos de morcego e antigos manuscritos com misteriosas formulas, estes servos da malvadez corrompem a verdade e rogam a queda do Rei iluminado.

Afinal, dizem, quem é este Obama? Donde veio? O trono do Reino de Valium sempre foi destinado aos eleitos, membros dum restrito círculo. Quem é este Obama I?

A maior parte dos camponeses nunca tinha ouvido falar de Barack Obama antes de 2008 e mesmo um servo de Dona Clinton (antiga pretendente ao trono) um dia desabafou: estavam a competir com uma pessoal real ou uma história?

Há bardos nos distritos que cantam os versos de “Quem é que alguma vez tinha ouvido falar de um monarca do Reino de Valium eleito graças aos dois livros que escreveu?”. Claro, os livros são os bem conhecidos Dreams From My Father (A Minha Herança, na tradução portuguesa) e The Audacity Of Hope, que ajudaram a definir a imagem pública de Obama I no Ano do Senhor 2008. Tornaram-se livros bem sucedidos, cujas histórias foram contadas aos miúdos, perto da fogueira, nas frias noites do Inverno. E foram muito importantes na subida ao trono.

Mais importante do que isso, os livros deram a Obama o controlo total sobre a sua história. Os candidatos monarcas sabem que a investigação do passado, sem distinções entre a esfera pública e a esfera privada, é um ritual obrigatório. Mas a imprensa do Reino de Valium não descobriu nada que contrariasse a narrativa pessoal de Obama, convenceram os camponeses de que Obama é bom.

Até as biografias entretanto publicadas por outros autores demonstraram estar sob a influência do que o próprio Obama já tinha escrito, como é o caso de The Bridge (A Ponte), do amanuense David Remnick.

No final do ano passado, o Conde Peter Hart foi perguntar aos camponeses ignorantes qual a ideia deles acerca do grande ObamaI, e concluiu, através da realização destes inquéritos, que os camponeses não têm uma imagem clara de Obama I. Ele é descrito de formas diferentes por diferentes pessoas.

E circulam vozes: alegadas confissões duma namorada branca, o consumo de drogas do Oriente em juventude. Insinuam-se suspeitas de que a tão venerada avó do Território do Quénia afinal não teve papel nenhum; que os verdadeiros parentes de Obama I vivem completamente desconhecidos; que Obama I apagou da memória algumas amizade brancas e até pretas; que a mitologia familiar apontada pelo Rei não passa duma invenção.

Onde realmente nasceu? Porque o documento apresentado por Obama I é um concentrado de dúvidas. Qual a religião dele?  Como é que uma pessoa desconhecida e oficialmente sem apoios no mundo da corte obtém de repente o financiamento da aristocracia?

O Bem triunfa

Dúvidas criadas para espalhar o medo e a insegurança. A verdade é muito mais simples: Obama I é o nosso Rei, um Rei que até hoje governou o País com a força dos sentimentos, do amor.

E se ainda houver suspeitas, estas são postas em fuga pelas palavras que com certeza mais prazer providenciaram aos meandros do coração de Obama I, as palavras do Grande Sábio, o Duque George Soros: 

O eleitorado americano rejeitou as posições extremistas, abrindo a porta para uma política mais sensível

Quem pode duvidar do Grande Sábio? Quem? Que se atreve, esta ruína humana, a mostrar a cara! Eu mesmo, humilde cronista, desafie-ó…desafie-lo-iá…desaf…ehm, irei desafia-lo em combate singular na presença do Grande Sábio!

Porque as palavras de Soros representam a consagração final, a extrema vontade de Deus: os Grandes Sábios apreciaram o trabalho desenvolvido até aqui pelo Rei, aplaudiram as heróicas empresas e desejam que tudo possa ir em frente tal como agora.

É o selo final.
Deixem que a cidra correr.

Ipse dixit

Fonte: Público

6 Replies to “É festa (Celebration)”

  1. Olá Max e todos:São pouco mais de 15h, horário de verão no Brasil,e estou novamente em Porto Alegre, na sala de espera do consultório médico, computadorzinho nas pernas, a espera que a Ana seja atendida.Leio o último post de ii, e…qua,qua, qua, qua…E leio mais um pouco e os rsssss meus ficam ecoando pelo seleto ambiente climatizado da sala de fina estampa.Um gauchão na poltrona ao lado me olha sorrindo, como a perguntar:estás rindo do que tchê? Respondendo sem pensar, digo: é…o Obama foi reeleito. E ele: ótima notícia, já sabia…um cara que está acabando com as guerras!Sobressaltada, paro de rir, e encaro o meu vizinho de poltrona: O que o senhor faz na vida?A Ana me fuzila com o olhar que diz nada mais que:pronto, esta diaba já vai arranjar encrenca…Ao que o cara ao lado me responde:advogo. Calei a boca…Se há uma coisa que me cala é a estupidez exacerbada. Mas não posso deixar de me perguntar, cá dentro de mim, sobre o que há na cabeça das pessoas que elas conseguem enviesar ainda mais as notícias enviesadas que recebem. Abraços

  2. Olá Max,

    Realmente esta reeleição do Barack foi tudo menos emotiva…então não é que apesar de toda a "comunicação social mainstream" falar em disputa renhida, o país do marketing e das estatitiscas falhou redondamente nos resultados e o Nobel da Paz ganhou com um avanço considerável…afinal manter o poder instalado é uma necessidade…

    Um abraço

    Zarco

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