Líbia: na boa.

E a Líbia, como está?

Lembram-se da Líbia, aquele País que foi atacado e invadido pelas forças democráticas à sombra da bandeira da Nato (que não por acaso é uma organização militar defensiva)?

Ora bem, passado mais do que um ano após a “libertação”, a Líbia encontra-se num estado que metaforicamente podemos definir como “confuso”.
Já o facto de não ter implodido é sinal que afinal os milagres acontecem. Pena que, além disso, não haja muito mais.

Durante cerca de um mês, as tropas governamentais do Conselho Nacional Geral (CNG) atacaram Bani Walid, uma vez tranquila localidade a cerca de 150 quilómetros sul-oeste de Tripoli, e nas últimas horas parecem ter conseguido o controle.

Dizemos “parece” porque a informação é fragmentaria e bastante manipulada desde o início da história. Esta longa batalha tem sido justificada pela necessidade de “limpar” a área dos fiéis do Coronel Kadhafi.

Algo, todavia, não bate bem.
A inesperada nomeação de Ali Zeidan qual novo Primeiro Ministro, há pouco mais duma semana, oferece diversas interpretações.

A mais básica é que a Líbia ainda encontra-se numa estado de grande instabilidade. O que não é uma grande notícia. Mais interessante é saber quem é, por exemplo, o filho de Ali Zeidan, cujo nome é Zeidan Ali Zeidan (na família parecem existir dificuldades em encontrar novos nomes).

Zeidan Ali Zeidan, de 29 anos, vive em Garchling, perto de Mónaco de Baviera, é um habilidos homem de negócios e está em excelentes relacionamentos com o governo em Berlim: desde o início da “Primavera Líbia” fornece apoio logístico para a facção anti-Khadafi e também meios de comunicação através da Libyschen Gesellschaft, a associação dos líbios que vivem na Alemanha.

Tudo isso não deve surpreender pois a família Zeidan sempre frequentou os palácios da política: Ali Zeidan, o pai, era diplomata e advogado numa organização sediada na Suíça, o National Front for the Salvation of Libya (Frente Nacional de Salvação da Líbia, NFSL), financiado pela Arábia Saudita e pela americana CIA. E, como refere a BBC, parece ter desenvolvido um importante papel como conselheiro do ex presidente francês Sarkosy.

A Alemanha penetrou nas salas do governo líbio? Bem provável.

Agora um passo atrás: a batalha de Bani Walid esconde uma questão não resolvida, a inimizade entre a tribo Ourfella e o distrito de Misurata (pois Bani Walid pertence ao mesmo distrito). A entrada no governo de Ali Zeidan levou aos novos ataques contra Bani Walid.

Mas qual a ligação entre Ali Zeidan e a tribo?
Ali Zeidan deve escolher se aliar-se com a ANF (a Aliança das Forças Nacionais), liderada por Mahmoud Jibril (da tribo Orfella) ou com a Irmandade Muçulmana (por trás da qual há Washington), que é a alma de Misurata e das operações contra Bani Walid.

As tropas que atacaram Bani Walid foram em grande parte controladas por Salem Al Dabnoun Wa’er, que conta com o apoio das tribos Oursheffana e Jmil. Salem Al Dabnoun Wa’er tem vivido exilado nos Estados Unidos após uma tentativa falhada para derrubar o Coronel Khadafi em 1993. Não admira, portanto, que este ex-exilado decidiu aliar-se com Abdul Rahman Al Swehli e Hassan, da Irmandade Muçulmana.

Confuso, não é? Pois. O facto é que cada tribo pretende ter uma presença significativamente influente no governo de Ali Zeidan; será portanto difícil encontrar elementos para formar o novo executivo. E surge a ideia dum “governo técnico”.

Tudo isso enquanto a guerra oficialmente acabou há mais de um ano.
Mas isso importa até um certo ponto. O que conta são outros dados. Por exemplo: a produção petrolífera voltou aos níveis do tempo do Coronel. Como afirma o Ministro do Petróleo, Abdelrahman ben Yeza:

Num ano, desde Outubro de 2011, a média é de 1.4 milhões de barris por dia, às vezes até 1.6 milhões.[…] A retoma foi possível graças ao regresso das principais empresas petrolíferas ocidentais: Eni, Total, Repsol, Wintershall e Occidental.

Eni (Italia), Total (França), Repsol (Espanha), Wintershall (propriedade da BASF, Alemanha) e Occidental (Estados Unidos). E petróleo líbio. Isso enquanto um terço dos Líbios vive abaixo do limiar da pobreza.
Pormenores.

Ipse dixit.

Fontes: BBC, Oltelanotizia, Rai, Index Mundi

4 Replies to “Líbia: na boa.”

  1. Olá Max dia 20 de outubro fez um ano que o Coronel Kadaffi foi assassinado, se não me engano.Da família de amigos que eu tinha na Líbia, o pai, o Dr. Fuad, morreu vítima de leptospirose, trabalhando semanas sem dormir, tentando atender os queimados por fósforo, procedente da ajuda humanitária. Shamanta, a esposa, deve ter se juntado a tribo Wasfala, se é que está viva, a lutar na resistência legítima. A filha se encontrava, e deve se encontrar indefinidamente desaparecida. O filho, um garotinho com uns 4 anos, de enormes olhos verdes, que me dizia e repetia: " je vais t'aider, je vais t'aider", e me estendia qualquer objeto que estava ao seu alcance, faz muitos anos em Trípoli, se o visse hoje, homem feito, não o reconheceria para devolver-lhe a oferta. Este parece que foi parar na Argélia, Marrocos ou sei lá, com disfunções psicológicas.No tempo do Coronel, o Dr. Fuad dirigia um dos primeiros hospitais gratuitos do estado líbio, a esposa, uma das poucas engenheiras de minas na Líbia, na ocasião trabalhava na perfuração de poços de petróleo, e as crianças tinham o futuro de um país que se preparava para uma revolução social em benefício da população das tribos, que de fato ocorreu.Até que um dia a revolução promovida pelos senhores do mundo atual aconteceu, e com ela a peste.Abraços

  2. Olá Max e todos; Mais um fim de semana, e eu me arvoro a sugerir filmes. Desta vez trata-se de algo imperdível mesmo: Solutions Locales pour un Désordre Global, um filme de Coline Serreau. Foi legendado em espanhol pelo partido pirata da Argentina e, assim legendado pode ser visto através do site DOCVERDADE documentários por um mundo mais justo, ou o original no Youtube. Abraços

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