O Mercado – Parte III

– Leonardo, chegou a altura.
– Qual altura?
– De acabar o discurso acerca do Mercado.
– Ah, pois…falta no mínimo um assunto: os derivados.
– Na verdade já falámos disso no blog.
– Cala-te e vamos resumir. Imaginas uma refinaria que quer ter a certeza de conseguir vender a gasolina com um determinado preço ao longo do Inverno. O que faz? Na Primavera faz um contrato com o fornecedor de petróleo, contrato com o qual empenha-se a comprar uma certa quantidade de óleo no início do Inverno, a um preço fixado desde já. Entendes?
– Não muito. Porque não comprar o petróleo directamente no Inverno?
– Porque o preço pode variar até o começo do Inverno e a refinaria seria obrigada a vender a gasolina por um preço superior.
– Tá bom, mas o produtor de petróleo o que ganha com isso?
– Ganha o facto de saber desde já de ter vendido uma determinada quantia de petróleo. Seja com for o mercado no Inverno, o produtor pode já contar com umas vendas seguras. E fica com o dinheiro mais cedo.

– Ahhhh….
– Este contrato tem um nome: forward.
Fast Forward?
– Não, só forward, é um derivado. Até aqui tudo bem, é um derivado que não faz mal a ninguém e que, pelo contrário, tem evidentes vantagens.
– Então os derivados não são maus.
– Espera. Eu nunca disse que os derivados são maus, é preciso distinguir entre “uso” e “abuso”. Porque, infelizmente, os derivados podem ser utilizados como armas meramente especulativas e com artigos “sensíveis”, como a comida.
– O derivado como arma? Explica lá isso.
– Imagina uma pessoa que quer obter lucros com os derivados: não quer saber qual a mercadoria tratada, quer só lucro. Então que faz? Compra um derivado e espera num aumento dos preços. Quando chegar a altura de comprar de facto o bem envolvido, o investidor não compra nada, limita-se a vender quanto adquirido e a ficar com a margem de lucro. O problema é que esta manobra cria uma procura fictícia.
– Como assim?
– Imagina que o bem envolvido sejam os esparguetes.
– Gosto de esparguetes, mas devem ser al dente.
– Então que acontece? O nosso investidor estipula um contrato para a compra de 100 quilos de esparguetes passado um mês. Mas o investidor não está sozinho, há outros também que querem ganhar. Então há procura e o preço para estipular um contrato de esparguetes aumenta. Quando o contrato acabar, os investidores terão que vender os esparguetes, mas o preço de venda reflectirá o aumento sofrido por causa da procura: os investidores não querem perder dinheiro, por isso vendem os esparguetes por um preço mais elevado.
– Os meus esparguetes!
– Pois. É claro que este tipo de apostas já não são úteis para a economia e têm uma
implicação infeliz: criam uma procura fictícias que tendem a fazer subir os preços
das commodities, inclusive os produtos agrícolas. É isso que tem agravado as emergências alimentares nos Países
pobres durante os últimos anos. Quem jogar neste tipo de apostas não
produz nenhum valor acrescentado em termos de bens ou de serviços, simplesmente tem o impacto negativo dum parasitárias.
– Gosto de esparguetes mas não de parasitas.
– Lógico. Mas há outros tipos de derivados. Por exemplo, há investidores que especulam sobre o lado
negativo, que usualmente envolvem Títulos de Estado.
– Os CDS!
– Exacto, os Credit Default Swap, bem conhecidos na Europa. Na prática significa apostar na desgraça dos outros.
– Isso é muito mau.
– Não necessariamente. O CDS pode ser visto como um seguro acerca do crédito, uma forma de proteger um empréstimo. Simplificando, eu empresto 100 e tenho medo de perder tudo? Então empresto 100 e, ao mesmo tempo, compro um CDS: se o devedor não for capaz de reembolsar-me, vou ganhar com o CDS, com o qual tinha apostado no incumprimento. É aceitável, mas…
– Mas?
– Mas o actual mercado permite que os CDS sejam adquiridos por quem nada emprestou. Então, se nada emprestei, tenho que esperar que e devedor não consiga pagar. É como se eu estipulasse um CDS sobre o facto do carro do meu vizinho ter um acidente: caso o meu vizinho tenha um acidente, eu ganho. Assim, a tentação de levantar-se à
noite para sabotar a direção e os travões do carro do meu vizinho torna-se muito
forte, porque os incidentes deles são uma fonte de renda para mim.
– O meu vizinho parece boa pessoa.
– Max, era apenas um exemplo. Considera
que tu podes entrar no jogo dos CDS sobre a dívida soberana, como aquela portuguesa: por isso, se os Títulos portugueses caírem, há especuladores que ganham. Então, vamos dizer, de forma meramente hipotética,
que tu em 2011 compraste CDS sobre a dívida portuguesa e que, portanto, tens interesse para que os Títulos de Estado de Portugal percam valor. Tu, sempre hipoteticamente, poderias
chamar Moody, da qual és accionista, pedindo uma avaliação “severa e responsável”. E
então as marionetas do mercado começam a mexer-se e Moody rebaixa o valor da dívida portuguesa e tu ganhas.
– Mas eu não sou accionista de Moody.
– Tu não, mas George Soros sim. E Mario Monti era Senior Advisor da Moody, enquanto agora é Primeiro Ministro não eleito em Italia. Há depois outras vertentes. Os Credit Default Swaps, além de ser uma fonte de instabilidade e desonestidade, são também autênticas minas fora de controle, mesmo em âmbito estritamente financeiro. Antes tinha dito que o CDS é um pouco como um seguro, justo?
– Justo.
– Mas uma companhia de seguros é obrigada a ter reservas para cobrir eventuais
sinistros, enquanto os CDS são acordos bilaterais que não prevêem nenhuma obrigação neste sentido. E muitos destes CDS são estipulados nas Dark Pools. No caso de grandes falências nem haveria o dinheiro para
cobrir estas “desgraças” e o sistema iria implodir com uma série de colapsos em cadeia.
– Exagerado! Os derivados não podem ser muitos afinal…
– 12 vezes o PIB
mundial.
– São muitos.
– Este é o mercado hoje. E isso obriga a pensar. Não é possível que inteiras nações sejam condicionadas por truques informáticos que mais parecem apostas loucas feitas num casino de irresponsáveis. A Finança em si não é mal, mas esta Finança é péssima, pois abdicou do verdadeiro papel dela.
– Justo.
– Obrigado. Isso significa também que as pessoas não devem preocupar-se acerca do “bem dos mercados”, porque na linguagem distorcida duma casta que
inclui financeiros, políticos ou jornalistas, o “bem ” do mercado geralmente coincide com o nosso mal. A recente crise da Grécia mostra em particular a verdadeira oposição entre o
bem dos cidadãos e o bem dos chamados “mercados”: o fracasso
de 325.000 empresas gregas em apenas três anos, e isso porque o mercado é hoje uma entidade
económica contra a natureza, para sobreviver tem que matar a
economia real.
– Muito bem.
– Infelizmente, pouco ou nada disso é contado às pessoas. Aparecem alguns termos técnicos, salpicados com as habituais “justiça, transparência, eficiência, legalidade” para preservar um
estado generalizado de ignorância , em que são feitas passar como nobres as
actividades dignas de um bordel de ladrões. Como dizia Orwell: “Guerra é paz,
ignorância é força, liberdade é escravidão”.
– Eh?
– Nada, passa-me o comando que começa O Encantador de Cães.

Ipse dixit.

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5 Replies to “O Mercado – Parte III”

  1. Cumprimentos pela série mercados Leo!E ainda tem gente que sugere não te envolver nos esclarecimentos necessários! Só os exemplos simples que lanças patinhas, me permitem entender com clareza como funcionam essas máquinas de ludibriar a maioria incauta. E eu não devo ser a única entre mil leitores que necessito dos teus exemplos. Se me permites, sugiro que desenvolvas novas séries. Fala-nos de democracia, Leo…quem sabe, existe tantas coisas belas, como sujas sobre isto na história.Abraços

  2. E quem paga os CDS ? Estes tambem nao evitam prejuizos ? Se as seguradoras aceitam CDS é porque tambem lucram. Entao vejo que de um lado voce tenta sabotar o seu vizinho, mas o outro vizinho fica de olho para que nao haja sabotagem.

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